2026: A Folha aposta em mais rentismo
Uma reportagem de encomenda tenta demonizar o investimento público. Para fazê-lo, esconde quem ganha com os juros e sustenta que o caminho para melhorar a vida dos mais pobres é o mesmo que faz a fortuna… da Faria Lima
Publicado 22/10/2025 às 17:08

Poderá o Brasil – onde o investimento do Estado em bem-estar social e infrestrutura despencou – melhorar as condições de vida das maiorias, se apostar no programa neoliberal? No último sábado (18/10), a Folha de S.Paulo voltou a insistir que sim, por meio de uma matéria editorialmente manipulada, de autoria do Fernando Canzian. Vale a pena examinar a peça: ela integra uma série de textos produzidos pelo jornal para influenciar o debate político pré-eleitoral. Seu foco: demonizar políticas de investimento maciço em áreas como a Saúde e Educação públicas; alegar que, se adotadas, elas desorganizarão as finanças do Estado, resultarão em atraso econômico e penalizarão os mais pobres.
Para produzir a trabalhosa matéria (inclui um vídeo de 18 minutos e seis infográficos), o jornal deslocou-se à comunidade Sovaco de Cobra, em Jaboatão dos Guararapes, periferia da Região Metropolitana do Recife. Lá, visitou duas famílias – os Silva e os Dumont – que disse acompanhar há vinte anos. Constatou o que seria previsível, no Brasil contemporâneo. Nos últimos dez anos, sua vida material não melhorou. Embora tenham, em média, um nível de escolaridade melhor, poucos membros das duas famílias conseguem emprego formal. A grande maioria vive de bicos. Alguns dependem do Bolsa Família ou do BPC. Até aqui, nada de novo.
O incomum é a leviandade da Folha, ao forçar as conclusões. O que causaria o estancamento dos Silva e Dumond? A escassez de ocupações qualificadas, num país há décadas em regressão produtiva? A ausência de Educação pública de excelência? Sua condição de moradores das periferias, onde faltam transportes, segurança, equipamentos culturais, lazer e às vezes acesso à água e ao esgotamento sanitário? A inexistência de estímulos (créditos, aluguéis acessíveis, circuitos de distribuição) a se estabelecerem por conta própria em atividades recompensadoras? Nada disso parece sensibilizas a reportagem.
Para a Folha, o que daria alento e esperança às famílias do Sovaco de Cobra é “equilíbrio fiscal” e um “ambiente macroeconômico saudável”. Ouu seja, exatamente as condições vistas pelos rentistas da avenida Faria Lima como necessárias à manutenção de seu ganhos… Sempre segundo a matéria, são aspirações difíceis já que, sob Lula, “o país flerta outra vez com o descontrole orçamentário”…
E em que dados Fernando Canzian se baseia para sustentar esta afirmação? Num outro texto, redigido também por ele e publicado há um mês. Ali, fica-se sabendo que o Brasil vive, desde o início do atual governo, um ambiente de “gastos fiscais insustentáveis”: o déficit entre receitas e despesas da União atingirá, em 2026, 8% do PIB e a dívida pública acumulada chegará a 77% do PIB. Em certo trecho, a matéria chega a reconhecer que a maior parte deste déficit (94,1%) deve-se ao pagamento de juros. Mas não informa quem deles se beneficia: essencialmente, o 0,1% mais rico. Estudo do Instituto FiscalData a partir da base de dados do Imposto de Renda, revela: este grupo de apenas 160 mil pessoas, ganha em média R$ 516 mil mensais e já controlava 9,1% da riqueza nacional em 2017. Graças aos juros pagos pela sociedade e a outras formas de rentismo, passou a abocanhar 12,5% em 2023.
E quais seriam as saídas para reduzir o déficit fiscal? Se Canzian prestasse atenção ao que ele próprio escreve, encontraria de pronto a saída: derrubar a taxa de juros! Mas, não: para o autor da matéria, “o risco é Lula voltar a pisar no acelerador dos gastos no período eleitoral”!
Voltemos aos Silva e aos Dumont. Segundo o raciocínio da Folha, para melhorar sua vida a receita não é melhores escolas, novas linhas de metrô, segurança cidadã, alívio das dívidas com os bancos, um SUS capaz de oferecer médicos, consultas e exames e, quem sabe, um centro cultural e de lazer perto de casa. Não! Tudo isso significa “gastança” para o jornal. Mas se o governo evitar estes gastos, talvez possa manter o “equilíbrio fiscal” e continuar pagando os juros mais altos do planeta. Para que a Faria Lima continue se refestalando em luxo e as famílias do Sovaco de Cobra orgulhem-se de viver num país com “disciplina fiscal”…
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Ei, folha, VTNC!!!!!!!
Quem lê folha? O que se tornou folha?
Quem é o dono da midia tradicional hereditária no Brasil e no mundo?
A gente responde a estas perguntas e diz com o peito estufado: Ei, folha…..