Trump e a estratégia do absurdo negociado

Casa Branca aposta na diplomacia de intimidação. As exigência impossíveis buscam desnortear o interlocutor e colocá-lo na defensiva. É a negação do multilateralismo que criou marcos para acordos entre países. Brasil deve agir com pragmatismo e soberania

Foto: AP Photo / Evan Vucci
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Donald Trump tem um estilo de negociação próprio, que rompe com os protocolos tradicionais da diplomacia. Ele se apoia em uma verdade incontestável: o acesso ao mercado norte-americano é um ativo de altíssimo valor para países e empresas de todo o mundo. Mas, a partir desse fato, simula um poder absoluto — como se os Estados Unidos pudessem impor qualquer condição, em qualquer circunstância, sem custo ou consequência.

Este simulacro de soberania ilimitada ignora a realidade central do mundo contemporâneo: a interdependência dos mercados, das cadeias produtivas e das instituições multilaterais. Trump sabe disso, mas atua como se não soubesse. Impõe exigências econômicas extravagantes. E faz mais: introduz no processo de negociação exigências que não podem ser atendidas, sob pena de violar a soberania ou os princípios constitucionais do país interlocutor.

É o que se viu em diversos episódios:

• Com o Canadá, impôs tarifas sem precedentes desde a criação do NAFTA e culpou o Canadá pela crise do fentanil, ao não controlar adequadamente sua fronteira ao tráfico da droga, que já matou milhares nos EUA.

• Com o México, também condicionou as relações comerciais à já fracassada “guerra contra as drogas”, como se o problema da demanda interna nos EUA fosse irrelevante, mas que, na verdade, mostra a incapacidade deste país de combater com eficácia o tráfico de drogas.

• Com a Dinamarca, propôs a compra da Groenlândia, território autônomo com população e governo próprios, rompendo com qualquer lógica geopolítica ou ética.

• Com a União Europeia, ele instaurou um ambiente constante de tensão, utilizando tarifas como forma de pressão política e manteve o rompimento com a OTAN no horizonte de possibilidades.

• E agora, no caso brasileiro, insinua que a liberação do ex-presidente Jair Bolsonaro — réu perante o Supremo Tribunal Federal — seria condição inescapável para melhorar o diálogo bilateral e permitir a negociação da tarifa absurda de 50% nas importações dos EUA.

Essa prática revela uma estratégia recorrente: lançar exigências impossíveis, que estão fora do campo técnico e do escopo da negociação. O objetivo não é obter concessões razoáveis, mas sim desnortear o interlocutor, colocá-lo em uma posição defensiva e deslocar o debate para uma lógica de força. É a negação do multilateralismo, que nunca foi fácil, mas que criou um marco legal para as negociações comerciais entre países.

Esta estratégia de Trump faz parte de um modelo de diplomacia de intimidação, que se ancora na assimetria de poder real, mas a explora por meio do absurdo e da extravagância retórica. Em lugar de buscar acordos estáveis, Trump prefere impor constrangimentos e chantagens, criando uma atmosfera na qual o outro lado não tem margem para negociação legítima, a não ser se submeter ao arbítrio e capitular.

No Brasil, é fundamental que se mantenham os princípios constitucionais e a autonomia das instituições. A sugestão — ainda que indireta — de que o presidente da República possa interceder em favor de um réu no STF para obter benefícios diplomáticos é inaceitável. Não há margem, em um Estado democrático de Direito, para que se negocie fora dos marcos da legalidade.

Ao contrário do que Trump tenta fazer parecer, não se trata de uma disputa entre vontades políticas. Trata-se de um limite institucional inegociável.

O Brasil deve se relacionar com os Estados Unidos — como com qualquer parceiro — com pragmatismo e responsabilidade. Mas sem jamais ceder à lógica da submissão ou da intimidação. É assim que se defende a soberania nacional.

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