Assim Trump acelera o declínio dos EUA
Presidente exibiu na ONU seu mais novo perfil: ainda mais arrogante, alienado e ameaçador. Por trás desta atitude, arma-se um desastre: cenário econômico é turvo, e perspectivas de longo prazo são piores. Eis a tempestade que se arma
Publicado 23/09/2025 às 20:07 - Atualizado 23/09/2025 às 20:11

Por Michael Hudson | Tradução: Antonio Martins
Um Trump convertido em metralhadora giratória ocupou nesta manhã (23/9) a tribuna da Assembleia Geral da ONU. Mal avaliado junto aos eleitores (seu déficit de popularidade acaba de atingir 17%), mas beneficiado pela ausência de uma oposição interna consistente, presidente tornou-se, nas últimas semanas, ainda mais agressivo. O assassinato de Charlie Kirk deu-lhe pretexto para perseguir tudo o que se aproxime de esquerda. As razias violentas nos bairros de imigrantes prosseguem. Nas Nações Unidas, a virulência foi a marca de um discurso repleto de inverdades e especialmente feroz contra a justiça social, a solidariedade e a defesa do ambiente.
No texto a seguir, o economista Michael Hudson desenha o cenário devastador que se esconde por trás desta suposta demonstração de força. Trump criou uma crise múltipla para a economia norte-americana. A guerra comercial tirou da agricultura mercados como os da China e Rússia. A indústria sofre aumento expressivo de custos (o aço e alumínio importados têm tarifas de 50%) e desorganização das cadeias produtivas, devido à incertaza e instabilidade em relação aos fornecedores. A inflação está em alta, porque após desovar antigos estoques, e absorver por algum tempo o custo das taxas aduaneiras, o comércio está repassando aos consumidores os preços majorados. Faltam braços na construção e na agricultura, devido à perseguição aos imigrantes. O acesso à habitação tornou-se mais difícil, porque as taxas de juros de longo prazo subiram, devido à instabilidade econômica e aos sinais erráticos do presidente.
O desastre do principal expoente da ultradireita mundial está à vista. As palavras ásperas o encobrirão? (A.M.)
- O Empobrecimento da agricultura norte-mericana
Trump criou uma tempestade perfeita para a agricultura americana. Sua política de Guerra Fria fechou, para os produtores norte-americanos, as chances de vender para China e Rússia. Suas tarifas aduaneiras elevadas bloqueiam importações e, ao fazê-lo, elevam os preços de equipamentos agrícolas e outros insumos. Seus déficits orçamentários produzem inflação, mantêm altas as taxas de juros para empréstimos habitacionais e agrícolas e para a compra de equipamentos. Ao mesmo tempo, mantêm rebaixados os preços das terras agrícolas.
O exemplo mais notório é a soja, a principal exportação agrícola norte-americana para a China. A transformação do comércio exterior dos EUA em arma trata as exportações e importações como ferramentas. Busca privar países estrangeiros de commodities essenciais, como alimentos, petróleo e, mais recentemente, alta tecnologia para chips de computador e equipamentos. Após a revolução de Mao em 1945, os EUA restringiram as exportações norte-americanas de grãos e outros alimentos para a China, na esperança de vencer o novo governo comunista pela fome. O Canadá quebrou esse bloqueio de alimentos – que agora, no entanto, tornou-se um braço da política externa da OTAN.
A transformação do comércio exterior em arma por Trump levou a China a interromper totalmente suas compras antecipadas da safra de soja americana deste ano. A China busca, naturalmente, evitar ser ameaçada por um novo bloqueio de alimentos. Por isso, impôs tarifas de 34% sobre as importações de soja dos EUA. O resultado foi redirecionar suas importações para o Brasil, com zero compras nos Estados Unidos até agora em 2025. É algo traumático para os agricultores norte-americanos, porque quatro décadas de exportações de soja para a China fizeram com que metade da produção de soja dos EUA seja normalmente exportada para a China. No estado de Dakota do Norte, a proporção cheag a 70%.
A transferência, pela China, de suas compras de soja para o Brasil é irreversível. Os agricultores brasileiros ajustaram suas decisões de plantio para atender ao novo cliente. Como membro dos BRICS, especialmente sob a liderança de Lula, o Brasil promete ser um fornecedor muito mais confiável do que os Estados Unidos, cuja política externa passou a tratar a China como um inimigo existencial. Há pouca chance de a China responder a uma promessa dos EUA de restaurar o comércio normal, deslocando suas importações do Brasil. Isso seria traumático para a agricultura brasileira e tornaria a China um parceiro comercial não confiável.
A pergunta é: o que será feito da enorme quantidade de terras agrícolas norte-americanas que foi dedicada à produção de soja? Incapazes de encontrar mercados estrangeiros para substituir a China, os agricultores estão relatando sofrer perdas. A soja está se acumulando além da capacidade de armazenamento de safras. O resultado é a ameaça de execuções hipotecárias e falências de propriedades rurais, o que reduziria os preços das terras agrícolas. E como as taxas de juros permanecem altas para empréstimos de longo prazo, como hipotecas, isso desencoraja os pequenos agricultores de adquirir as propriedades endividadas O resultado é acelerar a concentração de terras agrícolas nas mãos de grandes fundos financeiros absentistas e dos mais ricos.
Essa mudança é irreversível. Apesar da decisão da Suprema Corte, de que as tarifas de Trump são inconstitucionais e portanto ilegais, parece provável que o presidente possa fazer com que a Câmara e e o Senado — bipartidários e anti-China — imponham essas tarifas. De qualquer forma, a nova política norte-americana representa uma mudança radical, um salto quântico na agressividade comercial coercitiva dos EUA.
Há zero chance de o comércio EUA-China de soja, ou de outros produtos importados por Pequim, ser reativado. Nem a China, nem outros países ameaçados pela agressão comercial norte-americana, podem correr o risco de depender do mercado dos EUA.
A pressão sobre custos e a renda na agricultura norte-americana vai, no entanto, muito além das vendas de soja. Os custos de produção também estão aumentando como resultado de dois fatores: as tarifas de Trump, especialmente sobre maquinário agrícola e fertilizantes; e a restrição do crédito, à medida que o risco de inadimplência da dívida agrícola aumenta.
2. As tarifas que aumentam o custos daprodução industrial
A anarquia tarifária de Trump também está causando perdas e demissões. Dois mil funcionários da John Deere and Company, que produzm máquinas agrícols, foram demitidos. A demanda também caiu para outros fabricantes de equipamentos agrícolas. O problema mais sério é que seus equipamentos de colheita, assim como automóveis e todas as outras máquinas, são feitos de aço, junto e de alumínio. Trump quebrou a lógica básica das tarifas – promover a competitividade da indústria de alto lucro e capital intensivo (especialmente monopólios), em grande parte por meio da minimização do custo das matérias-primas. Aço e alumínio estão entre as mais básicas.
Essas tarifas atingiram a John Deere de duas formas. As vendas de sua produção doméstica estão baixas devido à depressão da renda agrícola descrigta acima. As safras de milho e soja cresceram muito este ano, o que produziu uma queda de seus preços e da renda agrícol. Isso limita a capacidade dos agricultores de comprar nova maquinaria.
A Deere importa cerca de 25% dos componentes de seus produtos. O custo foi elevado, em função das tarifas de Trump. As fábricas da Deere na Alemanha foram especialmente atingidas. Trump surpreendeu a empresa ao decretar que, além das tarifas de 15% sobre importações da UE, ele está impondo um imposto de 50% sobre o conteúdo de aço e alumínio dessas importações.
Isso também atinge produtores estrangeiros de equipamentos agrícolas. Levando a novas queixas da União Europeia sobre os “sustos” constantes de Trump, que além disso reivindica “contrapartidas”, em troca de não elevar ainda mais as tarifas sobre importações da UE.
3. Mais dependência do petróleo estrangeiro e mais aquecimento global
Opondo-se a qualquer medida que alivie o aquecimento global, Trump retirou-se do Acordo de Paris e cancelou os subsídios para a energia eólica e o transporte público. Este é um efeito do lobby da indústria petrolífera. A política externa, e também a política econômica interna dos EUA, são dominadas pela tentativa de controlar o petróleo, como chave para transformar as sanções comerciais externas em armas. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, Los Angeles eliminou seus bondes, forçando os habitantes a aderir à economia do automóvel. O presidente Dwight Eisenhower iniciou um programa de construção de estradas interestaduais para favorecer o transporte automotivo – e, com ele, o consumo de petróleo.
A agricultura norte-ameircana também é assolada por uma escassez de água cada vez mais profunda e pela destruição causada por inundações, secas e outros eventos climáticos. Uma causa é o clima extremo, resultante do aquecimento global. Trump nega o fenômeno, como parte de sua política de apoiar os setores de petróleo e o carvão dos EUA. Ao mesmo tempo, luta incessantemente contra a produção de energia eólica e solar. Por tudo isso, os EUA do Acordo de Paris para descarbonizar a produção mundial.
Os custos dos seguros estão subindo para patamares inacessíveis, em muitas áreas propensas a tempestades e inundações. O custo da habitação disparou em Miami e outras cidades da Flórida e nos estados do sul da fronteira, ameaçados por furacões.
Dois distúrbios paralelos são o aumento do preço da eletricidade e a escassez de água. Foram causados pela demanda crescente, para resfriar os computadores necessários à inteligência artificial e à computação quântica, que o presidente apoia sem limites. A demanda crescente por eletricidade está muito além dos planos de investimento das concessionárias de energia para aumentar sua produção. Esse tipo de planejamento leva muitos anos – e as empresas ficam felizes quando veem a escassez empurrar a demanda para muito acima da oferta, o que permite que os preços da eletricidade sejam um dos principais fatores para o aumento da inflação dos custos de produção.
Trump e seu gabinete zombaram da China por gastar muito dinheiro em seu serviço de trem de alta velocidade. Os cálculos ocidentais de eficiência econômica ignoram os efeitos desse desenvolvimento ferroviário, de importância crucial no balanço de pagamentos. Ele evita forçar os chineses a dirigir carros usando petróleo importado. A China não tem uma indústria petrolífera que domine seu planejamento econômico ou suas política externa. Por isso, seus objetivos de política externa em relação ao comércio de petróleo são opostos aos dos Estados Unidos.
4. A tentativa frustrada de transformar as exportações em armas
Tanto Trump quanto o Congresso dos EUA ameaçaram sabotar os switches de computador exportados, convertendo-os em “interruptores de autodestruição” (kill switches) secretos, para desligá-los por decisão norte-americana. Isso levou a China a cancelar suas compras que planejava fazer junto à Nvidia. A empresa alertou que, sem os lucros das exportações para a China, não poderá arcar com a pesquisa e desenvolvimento necessários para manter a competitividade e seu quase-monopólio na fabricação de chips.
Essas políticas comerciais, que reduzem os mercados de exportação e as importações dos EUA, são uma das razões pelas quais o dólar está se enfraquecendo. Mas há outras causas: o declínio do turismo, como resultado de os EUA hostilizarem visitantes – em especial, os estudantes chineses, dos quais as universidades norte-americanas dependiam, por serem os que mais pagam.
Estes movimentos não comerciais do balanço de pagamentos explicam por que a política de altas tarifas de Trump não levou o dólar a se fortalecer, mesmo tendo desencorajado as importações. Normalmente, isso aumentaria o saldo comercial. Mas a guerra de Trump contra todos os outros países (principalmente seus aliados europeus, o Japão e a Coreia) levou-os a rever sua dependência em relação às exportações dos EUA. Isso afeta a soja e produtos contra os quais estes países estão retaliando, para proteger seu próprio balanço de pagamentos. Fazem-no, por exemplo, por meio de reduções no turismo estrangeiro para os EUA, presença de estudantes estrangeiros, dependência de exportações de armas dos EUA. Acima de tudo, haverá fuga de capitais financeiros dos EUA, visto que o encolhimento do mercado interno do país deve reduzir os lucros dos investidores e o declínio do dólar reduzirá sua margem de ganho.
Além disso, à medida que os BRICS e outros países realizarem as trocas comerciais em suas próprias moedas, este movimento reduzirá sua necessidade de manter reservas cambiais em dólares. Eles estão migrando para as moedas uns dos outros, e, claro, para o ouro — cujo preço acabou de disparar para mais de US$ 3.500 a onça.
5. O Aumento acentuado da eletricidade, moradia e produtos industriais
A decisão de Trump de impor tarifas sobre insumos básicos, começando pelo alumínio e aço, está aumentando os preços de todos os produtos industriais feitos a partir desses metais.
E, claro, as tarifas estão elevando os preços em toda a cadeia produtiva, à medida em que se esgota a capacidade das empresas de manter as cotações absorvendo o custo dos impostos e reduzindo suas margens de ganho. Agora, seus estoques de bens produzidos pela China, Índia e outros países se esgotam.
Pior: a deportação de imigrantes por Trump aumentou o custo da construção civil, que dependia amplamente da mão de obra imigrante. O mesmo processo atingiu a agricultura na Califórnia e de outros estados na época da colheita. Não está claro quem, se é que alguém, substituirá essa mão de obra.
Trump exigiu que a Europa e outros “parceiros” comerciais dos EUA direcionassem investimentos ao país. Mas seus atos tornaram o mercado norte-americano muito menos desejável. Ao final, ele acabou oferecendo uma uma lição objetiva de o que outros países precisam evitar, ao criar regulamentações, regras fiscais e política comercial para minimizar seus custos de produção e se tornar mais competitivos.
6. A política monetária eleva as taxas de juros de longo prazo
As taxas de juros de longo prazo determinam o custo das hipotecas e, portanto, a possibilidade de acesso à habitação. A política inflacionária de Trump também aumentou as taxas de juros para títulos de longo prazo. O efeito é concentrar o endividamento em vencimentos de curto prazo, acumulando os problemas de rolagem da dívida em tempos de crise financeira. Isso prejudica a resiliência da economia.
Muitos bens de consumo importados são comprados pelos ultra-ricos – os 10% da população que, segundo relatos, respondem por 50% dos gastos do consumo. Para eles, preços mais altos apenas aumentam o prestígio de itens de status de consumo compulsivo (incluindo caras iguarias alimentares).
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