A Colômbia volta à guerra sem fim

Atacado em meio a trégua, ELN reage com atentado a bomba. Recomeça conflito que mata sobretudo os pobres. Lembro-me de ver, num acampamento guerrilheiro, homem que acreditava na palavra, para abafar o ruído da metralha

Polícia colombiana em frente à Escola que sofreu ataque este mês
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Por Nuno Ramos Almeida

A violência voltou a explodir na Colômbia no atentado mais sangrento, desde que foi assinada a paz com a guerrilha das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A explosão de uma viatura armadilhada, com um condutor que se matou no atentado, deixou mais de 20 mortos e quase 60 feridos. O ataque produziu-se no interior da escola de cadetes da General Santander, que forma os oficiais da Polícia Nacional, num dia em que estava prevista uma cerimónia de entrega de medalhas aos novos oficiais, em que se juntavam os futuros oficiais da polícia e os seus familiares. Uma viatura entrou na entrada secundária da academia, e quando no posto de vigilância foi parada e um cão farejador detetou a presença de explosivos, o atacante acelerou, atropelou dois militares e fez explodir o carro junto aos dormitórios da escola da Policia Nacional colombiana.

“Lamentavelmente, o saldo preliminar do atentado é de 21 pessoas mortas, incluindo o responsável do atentado, e de 68 feridos, que foram transladados para diferentes hospitais”, assinala um comunicado da polícia emitido na noite de quinta-feira.

Na manhã de quinta-feira, um homem identificado pelas autoridades como sendo José Aldemar Rojas Rodríguez, chegou à Escola General Santander numa camioneta Nissan Patrol de cor cinzenta. O veículo transportava cerca de 80 quilos de explosivo pentolita.

Testemunhos dizem que junto à guarita de controlo da entrada segundaria da instituição, militares procederam a uma revista de rotina, no momento que os cães polícias detetaram a existência de explosivos, o homem acelerou a camioneta, forçando a entrada no terreno da escola, indo chocar contra um dos edifícios a 100 metros da entrada, fazendo detonar a explosão.

A inspetora Fanny Contreras que testemunhou o sucedido, disse ao Canal 1 da televisão colombiana que “um carro entrou à força, tendo explodido imediatamente depois da intrusão. Este tipo de atentado suicida era até agora desconhecido na Colômbia e autoridades e comentadores realçam o facto do atacante ter feito o atentado com uma camioneta comprada em seu nome, o que faz antever que previa não sair vivo do ataque.

O suicida

A família Rojas Rodríguez deixou de ter notícias de José Aldemar, o terceiro de 13 irmãos, no inícios do século XXI, tinha 38 anos quando, no ano 2000, desapareceu de Puerto Boyacá, donde viveu e ganhava a vida como jornaleiro de catana na mão.

“Para mim não é surpresa que eles esteja morto, já o tinha chorado”, confessa, aos jornalistas da revista colombiana La Semana, o pai, Pedro Rojas. Um dos seus irmãos declara-se surpreendido por ele ter-se convertido em guerrilheiro, com os seus poucos estudos pensava que só daria para camponês.

Nunca o viram com mulher e filhos, confirmam que na sua juventude, prestou serviço militar no exército colombiano que morreu a combater.

A sua irmã Nelida, que perdeu grande parte da visão a ler a Bíblia à luz de uma vela, encontra o consolo falando com um dos irmãos, Raul, que é soldado profissional e que sem saber esteve os últimos 20 anos, no outro lado da barricada do irmão guerrilheiro.

Na Colômbia, desde o Bogotazo, em 1948, e do assassinato do líder liberal Jorge Eliécer Gaitan, pela extrema-direita, que muitas famílias camponesas têm familiares nas várias guerrilhas, que passaram de combatentes liberais a combatentes comunistas. Num país, em que depois o narcotráfico e a chegada da cocaína, nos anos 80, ainda fez complicar mais as coisas.

Hoje, sabe-se, que Aldemar Rojas, o autor do atentado, converteu-se num perito em explosivos e durante a guerra perdeu a mão direita. No entanto, as impressões digitais da mão esquerda permitiram que o seu corpo fosse identificado na passada semana.

Segundo as autoridades, começou a militar na guerrilha da ELN (Exército de Libertação Nacional) em 1993, participando na frente Domingo Laín Sáenz, desta organização. Apesar de ter nascido em Puerto Boyacá, foi numa visita a Arauca, zona de influência da ELN, que fez os primeiros contactos com a guerrilha. Subiu rapidamente na organização, tendo chegado a instrutor dos cursos de especialistas da organização guerrilheira.

De acordo com o Ministério Público colombiano, em 2012, tornou-se responsável da frente Domingo Laín Sáenz, e passou a integrar o estado maior da frente de Guerra Oriental da ELN. Kiko, o Mocho, como era conhecido na guerrilha converteu-se num ativo importante da organização. Em 2017, deixou as suas funções militares e assumiu responsabilidades como chefe dos serviços secretos da ELN. As motivações de Aldemar para fazer um atentado suicida, o primeiro na Colômbia continuam a ser misteriosas.

A reação política e a reivindicação do ELN

O presidente colombiano, Iván Duque Márquez, na sua comunicação televisiva na noite do dia do atentado, garantiu que ia caçar os responsáveis pelo ataque: “Esta ato terrorista demencial não ficará impune, Os colombianos nunca se submeteram ao terrorismo, sempre os derrotamos. Esta vez não será exceção. Não nos vergarão”.

Num primeiro momento, a investigação dividiu a sua atenção entre vários grupos que teriam a capacidade e estrutura para planejar e executar este tipo de atentados. A polícia apontou, nos primeiros dias em que não havia reivindicação do ato, três possíveis autorias : o ELN, muito ativo na região de Arauca, de onde procedia o autor do ataque; o Clã do Golfo, organização de narcotraficantes; e as dissidências das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que rejeitaram o acordo de paz alcançado em 2016.

A Força Alternativa Revolucionária do Comum, partido herdeiro das FARC, que desde julho passado tem assento no Congresso colombiano condenou o atentado e considerou-o uma provocação: “O atentado na Escola General Santander é uma provocação contra a saída política do conflito. Pretende impedir um acordo com o ELN, deslegitimar as mobilizações sociais e favorecer os setores que querem a guerra”, declarou o ex-comandante das FARC, Pastor Alape.

Mas três dias depois do atentado suicida, o ELN reivindicou a ação através de um comunicado publicado no seu site na Internet, afirmando ser uma resposta em “legítima defesa” e argumentando que o seu ataque era “lícito no quadro do direito de guerra”, mas reiterando a proposta de um diálogo político com o governo.

O comunicado criticava diretamente o presidente Iván Duque por não ter “dado a devida importância” à trégua unilateral que a ELN cumpriu de 23 de dezembro de 2018 até a 3 de janeiro de 2019. A ELN justificava o ataque à Escola da Polícia como resposta a um conjunto de ataques feitos pelo o exército colombiano: “As forças armadas governamentais aproveitaram o cessar fogo para avançar as posições das suas unidades operacionais, acedendo a locais estratégicos que dificilmente teriam conseguido sem o cessar fogo. Também bombardearam um acampamento nosso em 25 de dezembro, lançando 12 bombas de centenas de libras de explosivos, cada uma, atingindo uma família de camponeses que vivia perto do acampamento”, justifica o comunicado da guerrilha.

A direção Nacional da ELN, que assina o comunicado, insistiu na necessidade de ser decretado um cessar-fogo bilateral, “para criar um clima favorável aos esforços pela paz” e mostrou-se disposto a que fossem salvaguardadas do conflito instalações militares e estatais e posições da guerrilha. A guerrilha exortou que Duque retomasse as conversações em Havana, iniciadas pelo o anterior presidente colombiano e descartadas por Iván Duque.

Um conjunto de pedidos que depois do atentado que provocou 20 mortos entre os oficiais cadetes da Polícia Nacional, não parece que a presidência da Colômbia esteja disposta a aceder.

Ivan Duque pediu que a Interpol ativasse os mandados de captura para os líderes da ELN, e exigiu que Cuba entregasse os negociadores dessa organização que se encontram neta ilha do Pacífico. Uma exigência complicada, porque existe um protocolo assinado pelo governo, pela guerrilha e pelos países mediadores internacionais, que estabelece que em caso de rompimento das negociações, as autoridades colombianas tinham que dar 15 dias para que os líderes da guerrilha em Cuba, pudessem reentrar nas zonas controladas pela a ELN.

Apesar disso, o governo recusa cumprir o assinado, dizendo que este governo, ao contrário do anterior que assinou este acordo, nunca se sentou à mesa para negociar com o ELN.

Para já, as autoridades cubanas afirmam que cumprirão o acordado e não entregarão os líderes da ELN.

Uma guerra sem fim

Desde o acordo de paz com as FARC, em dezembro de 2016, mais de 300 defensores de direitos humanos foram assassinados na Colômbia por forças militares ou paramilitares, segundo dados do Instituto de Estudos pela Paz e o Desenvolvimento.

A uns 500 quilómetros da capital da Colômbia, Bogotá, uma longa distância que demora 10 horas de carro e mais seis horas de barco, está uma comunidade afro-colombiana do Rio Naya, em que quatro líderes foram raptados e assassinados há uns meses. Duas das viúvas e uma das filhas dos mortos expressam a sua dor: “O meu esposo ia trabalhar para a escola , e o seu irmão ia com ele. Durante meses não soubemos nada. Merecemos respeito. Somos seres humanos. Até quando vai estar o governo sem olhar os camponeses nos olhos”, queixa-se uma das viúvas dos ativistas sociais torturados e mortos.

Segundo a Unidade para a Reparação Integral das Vítimas, em 53 anos de conflito na Colômbia, houve mais de oito milhões e meio de vítimas.

A violência na Colômbia tem demasiado tempo. Quando lemos a descrição, nos “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez do massacre dos trabalhadores bananeiros ordenado pela United Fruit, sabemos que essas linhas fantásticas os resgatam os mortos do esquecimento e nos permitem escutar a respiração daqueles que caíram.

Há mais de uma dezena de anos estive em reportagem nas zonas então controladas pelas FARC. Numa pequena localidade cruzei-me com um homem ímpar. Tinha uma idade indeterminada, a cara estava escurecida pelo Sol. Encontrei-o às seis da manhã a cruzar San Vicente del Caguan. Perguntei aos guerrilheiros das FARC quem era o homem que marchava sozinho de megafone. “É a voz sonhada”, disse-me uma jovem guerrilheira. Todos os dias a voz percorria o povoado de alguns milhares de almas transmitindo as notícias do dia. Tínhamos feito quilômetros na selva com os combatentes das FARC. A pouca distância dali, as pessoas matavam–se numa guerra de pobres e de ricos, onde sobretudo morrem pobres dos dois lados, começada há gerações: “A Violência”, como lhe chamavam. Mortos-vivos com uma arma na mão. Nestas estradas de lama, um homem teimava em transmitir um pensamento pela palavra, convencido de que ela poderia abafar todo o ruído da metralha.

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