Uma seleção cada vez menos brasileira

Em mapas, a estrangeirização do time canarinho nas Copas. Processo começou na de 82; em 90, já havia mais jogadores de fora que de equipes nacionais. Entre 2006-2022, novo retrato: escalados que atuavam no país foram pouquíssimos

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Por Mateus de Almeida Prado Sampaio, na coluna Outras Cartografias

Na Copa do Mundo de 1930, a primeira de todas, a seleção brasileira era um time composto praticamente por atletas atuantes em uma única cidade, o Rio de Janeiro. Eram jogadores provenientes de bairros mais ou menos vizinhos, tais como Flamengo, Botafogo, Tijuca e Laranjeiras.

Dois atletas apenas eram provenientes de outro município, de dois times rivais da cidade aristocrata e interiorana de Campos dos Goytacazes (também no estado do Rio de Janeiro).

Mapa 1: Time de origem dos atletas convocados (1930)

Em 1934 estabeleceu-se o eixo Rio-São Paulo como a base formadora por excelência dos diversos selecionados enviados para representar o Brasil nos torneios mundiais. Exceções eram os jogadores provenientes do Rio Grande do Sul (o primeiro deles foi Luiz Luz) que, por vezes, complementavam a equipe nacional (1934 e 1950).

A equipe vencedora em 1962, bicampeã mundial, bem ilustra essa situação pois novamente apenas jogadores dos estados paulista e fluminense foram convocados. Os 22 enviados atuavam em 7 times diferentes, sendo 3 no estado do Rio de Janeiro e 4 no de São Paulo. Esses times eram sediados em apenas 3 cidades diferentes: 9 jogadores eram da cidade do Rio de Janeiro, 7 de Santos e 6 de São Paulo.

Mapa 2: Time de origem dos atletas convocados (1962)

Foi somente a partir da Copa do Mundo de 1966 que algum jogador atuante em Minas Gerais (nesse caso foi Tostão) passou a constar na Seleção e até a Copa de 1978 as únicas unidades da federação a enviarem atletas para disputar o torneio foram o RJ, SP, RS e MG.

Em 1982, um fato marcante: pela primeira vez jogadores provenientes de times estrangeiros foram chamados para integrar a Seleção brasileira. Foram eles: Dirceu, do Atletico de Madrid, e Falcão, do Roma. No entanto, uma exceção deve ser ressaltada e contextualizada. Na Copa de 1934, o jogador Patesko, naquele momento excepcionalmente defendendo a forte equipe do Nacional, foi convocado. Mas se encontrava em outro país porque no Brasil a profissionalização desse esporte ainda não havia se concretizado, ao contrário do que se verificava no nosso vizinho, o Uruguai, onde tal situação já se encontrava bem mais avançada. E desde 1982 nenhuma outra lista de convocados deixou de ter os “estrangeiros” no rol dos defensores de nosso time nacional.

Mapa 3: Time de origem dos atletas convocados (1982)

A Seleção de 1990 foi a primeira a contar com mais jogadores atuando fora do que dentro do país, numa relação de 12 para 10. Já a equipe tetracampeã na Copa de 1994 foi a primeira (e única) a obter paridade: eram 11 atletas atuando aqui e outros 11 atuando alhures. Quanto à equipe pentacampeã na Copa de 2002, esta foi a última em que houve predominância dos “nacionais” em relação aos “forâneos”: foram 13 contra 10. Nesse mesmo ano, o Paraná se tornou a quinta unidade da federação a enviar um atleta para a competição (Kleberson).

Mapa 4: Time de origem dos atletas convocados (2002)

Entre 2006 e 2022, o número de jogadores em atuação no Brasil oscilou entre módicos 3 ou 4 em cada edição da disputa, atestando para a fuga de craques vivenciada no país e para o enfraquecimento dos times nacionais ante o acirramento da competitividade no cenário futebolístico internacional.

Após 2006, países até então pouco tradicionais no mundo da bola começaram a ceder jogadores de seus times para comporem a Seleção brasileira; foram estes os casos de Turquia e Grécia (2010), Canadá, Rússia e Ucrânia (2014), China (2018) e México (2022).

Na edição da Copa do Mundo de 2022 a Seleção brasileira não se saiu bem nesse grande megaevento da globalização esportiva, econômica e cultural. A equipe canarinho, composta essencialmente por “estrangeiros”, tinha praticamente a metade de seus convocados proveniente da Inglaterra (12 jogadores), que se somavam com outros da Espanha (5), Itália (3) e França (2).

Mapa 5: Time de origem dos atletas convocados (2022)

Parece que há cada vez mais, feliz ou infelizmente, uma “internacionalização da seleção brasileira”. Tenho a impressão de que os jogadores estão cada vez mais distantes dos torcedores, ainda que vivamos o ápice da conectividade tecnológica. Ou, como disse o geógrafo Milton Santos (e talvez justamente por isso), que vivamos “a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globalizada” (2000, p. 23).


GAMA, G. C. P. Todos os convocados do Brasil nas Copas. Disponível em: https://imortaisdofutebol.com/todos-os-convocados-do-brasil-nas-copas/, acesso 10 fev. 2023.

SAMPAIO, M. de A. P. A internacionalização da seleção brasileira (1930-2022). Revista do Departamento de Geografia (Universidade São Paulo), 42. Disponível em: https://doi.org/10.11606/eISSN.2236-2878.rdg.2022.202895, acesso 10 fev. 2023.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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