Quaest: para entender a virada do governo
Pesquisa mostra: Lula recupera popularidade e, pela primeira vez no ano, saldo não é negativo. Retomada tem rosto: defesa da justiça tributária. Sondagens mostram que é possível e necessário recuperar bandeiras históricas para enfrentar a direita
Publicado 08/10/2025 às 18:11

O levantamento realizado pela Quaest sobre o governo Lula, divulgado nesta quarta-feira (8), aponta que a gestão atingiu seu melhor nível de aprovação no ano. Pela primeira vez desde janeiro os índices de desaprovação (49%) e aprovação (48%) empatam tecnicamente, consolidando uma melhora gradativa de imagem iniciada depois de junho, quando a sondagem mostrava que 57% dos entrevistados reprovavam a administração, enquanto 40% aprovavam.
Naquela pesquisa, realizada entre 29 de maio e 1º de junho, o governo sofria impactos importantes em parcelas do eleitorado que ajudaram a garantir a vitória do atual presidente em 2022. Pela primeira vez, os católicos desaprovavam o governo mais do que aprovavam, com Lula deixando também de ser mais aprovado que desaprovado entre aqueles que tinham escolaridade até o ensino fundamental, com um empate técnico inédito entre os dois grupos.
Em termos geográficos, no Nordeste, por outro lado, Lula voltava a ter aprovação maior que desaprovação (54% a 44%, com margem de erro de quatro pontos percentuais para mais ou para menos), mas com uma melhora tímida em relação ao levantamento anterior (52% a 46%), no qual havia um empate técnico, igualmente inédito. Entre os eleitores que ganham até dois salários mínimos, persistia também uma igualdade, com os que desaprovavam o governo sendo o grupo numericamente à frente.
Àquela altura, o governo se via às voltas com o escândalo do INSS e acumulava ainda o desgaste de ter anunciado um aumento no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e voltado atrás após repercussão negativa, passando a conversar com o Congresso Nacional que, mais adiante, derrubaria uma proposta do governo que teria o efeito inverso em parte da opinião pública. A nova pesquisa Quaest mostra que houve uma recuperação nestes segmentos, com Lula reconquistando o apoio de sua base.
Entre os católicos, a aprovação subiu do percentual de 45% em junho para 54% agora, saindo da condição de empate técnico com a desaprovação, que caiu de 53% para 44%. Já no segmento dos que têm até o ensino fundamental, os 50% que aprovavam a gestão hoje chegam a 59%, e os que desaprovam foram de 47% para 37%, com a diferença entre os dois índices indo de três para 22 pontos percentuais.
No Nordeste, os que aprovam a gestão somam, segundo o levantamento de outubro, 62%, e os que desaprovam são 36% dos entrevistados. E no segmento dos que ganham até dois salário mínimos, a aprovação é hoje de 54%, índice que teve seu ponto mais baixo em julho (46%), e a desaprovação soma 43%, percentual que alcançou 49% tanto em junho quanto em julho.
A reconquista palaciana também se deu em um grupo fundamental para o triunfo lulista em 2022. A aprovação entre as mulheres chega a 52%, superando a desaprovação de 45% além do limite da margem de erro, que é de três pontos percentuais nesta parte da sondagem. Na pesquisa divulgada em junho, as eleitoras que desaprovavam a gestão alcançavam 54%, contra 42% que aprovavam.
Além da base e das ‘bolhas’
Não foi apenas a sua própria base que o presidente Lula conseguiu resgatar nesse meio tempo. Houve um avanço também em segmentos considerados mais refratários ao governo e à esquerda/centro-esquerda de uma forma geral.
No Sudeste, que representa 42,6% do eleitorado brasileiro, a desaprovação baixou, em relação a junho, de 64% para 52%, e a aprovação foi de 32% para 44%. Entre os homens, os que desaprovam passaram de 59% para 53% nesse período, enquanto os que aprovam foram de 39% para 44%.
É interessante observar ainda como se alteraram os índices quando se analisam os posicionamentos políticos dos entrevistados. E aí talvez esteja a melhor notícia para o governo. As avaliações dos segmentos lulista, bolsonarista e dos que se definem como direita não bolsonarista variaram dentro do limite da margem de erro.
Entre a esquerda não lulista, houve um avanço dos que aprovam a administração, que passaram de 77% para 83% entre junho e outubro, com os que desaprovam indo de 23% para 16%. Trata-se de um grupo importante, pois representa 15% da amostra e ajuda no engajamento, em especial nas redes sociais, onde o campo progressistas travou (e ganhou) batalhas importantes como na questão da justiça tributária, na isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Contudo, a variação mais significativa se deu entre aqueles que não têm posicionamento político, que representam a maior fatia dos entrevistados, 29%. No mesmo período, a desaprovação teve queda contínua, indo de 61% para 48%, movimento oposto ao da aprovação, que subiu de 33% para 46%. Em termos eleitorais, significa que as ações e a própria comunicação do Planalto têm conseguido ir além das chamadas “bolhas”, alcançando o cidadão que está mais distante do debate político. E isso tem feito a diferença na avaliação geral da gestão do presidente Lula.
As pautas do governo e da oposição
A proposta de reforma do Imposto de Renda, aprovada na Câmara dos Deputados e tramitando agora no Senado, é de conhecimento de 67% dos entrevistados e 79% declararam ser a favor da isenção de quem ganha até R$ 5 mil. No mesmo sentido, também tem apoio da ampla maioria o aumento de imposto para os mais ricos com o objetivo de compensar o valor não arrecadado pelos isentos: 64% concordam com a medida, enquanto 29% discordam.
É mais uma comprovação da efetividade da pauta da justiça tributária, responsável pela virada política – e também na popularidade, como se vê – do atual governo, que começou quando a Câmara dos Deputados derrubou o decreto do Executivo que aumentava o IOF. A queda de braço deu a oportunidade de o campo progressista vencer, em uma rara ocasião, a direita/extrema direita nas redes sociais e encurralou o Centrão, obrigado a fazer algo que já havia se desacostumado a fazer: negociar sem a faca no pescoço alheio.
Naquelas que seriam as pautas mais importantes para o campo bolsonarista, há um revés evidente. A rejeição à possibilidade de anistia aumentou, com aqueles que se posicionam de forma contrária subindo de 41% para 47% entre setembro e outubro, e os favoráveis à proposta que inclua todos, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, oscilando negativamente de 36% a 35%. Os favoráveis a uma anistia que alcance somente os golpistas do 8 de Janeiro variaram de 10% para 8%.
Mesmo o PL da Dosimetria, que visa reduzir as penas dos condenados, é reprovado pela maioria. São 52% os que se dizem contra o projeto, justificando que as penas foram justas, enquanto 37% apontam que são a favor, pelo fato de as penas terem sido duras e 11% não sabem ou quiseram responder.
Neste caso, quando se verifica o posicionamento ideológico, é possível perceber que o apoio à redução de penas só tem maioria na direita não bolsonarista (64%) e na bolsonarista (57%), sendo reprovada por maioria entre os que não têm posicionamento político (56% a 29%). Por mais que os aliados do ex-presidente tentem emplacar a sua versão de perseguição e excesso de punição e mesmo integrantes do Centrão persigam uma fórmula intermediária, a pauta só consegue ressoar nos próprios nichos da direita.
A leitura dos dados e o futuro político
Os cruzamentos dos dados sobre a avaliação da gestão federal e de alguns dos temas em debate na política nacional dão fôlego ao governo, mas também alimentam alguns caminhos possíveis para o campo progressista até as eleições de 2026 e além delas.
Boa parte da recuperação da popularidade de Lula é ancorada em questões concretas, conectadas à realidade e ao dia a dia das pessoas, como a isenção do IR. Em uma arena política dominada pela extrema direita com pautas baseadas em fake news, inimigos fabricados e temáticas relacionadas aos direitos humanos tratadas de forma distorcida e com ânimo moralista, trata-se de uma qualificação do debate que abre margem para a retomada de bandeiras históricas obscurecidas também pela centralidade da questão fiscal.
Caso siga adiante em sua tentativa de colocar propostas que melhoram de forma objetiva a vida dos trabalhadores, como o fim da jornada 6×1 e a implementação em nível nacional da tarifa zero no transporte público, o governo pode conseguir mobilizar boa parte da opinião pública, atraindo ainda parte daqueles que não tem posicionamento ideológico que hoje já reconhecem as ações do Executivo, como aponta a Quaest.
Isso é importante não somente em função da campanha da reeleição, mas para outra batalha central, a disputa pelo Legislativo. A oposição bolsonarista já anunciou que conquistar a maioria no Senado é seu objetivo e o poder das emendas parlamentares deve ser um forte fator indutor de reeleição para deputados do espectro direitista. Diante disso, bandeiras como justiça tributária, melhora das condições trabalhistas e da vida das pessoas serão importantes para as campanhas de candidatos ao Congresso Nacional, tanto para os mais alinhados ao governo como para aqueles que vão defender o seu aprofundamento.
A extrema direita já mostrou o poder de discursos fortemente ideologizados diante de parte do eleitorado e talvez muitos daqueles menos alinhados já estejam se cansando dessa retórica. É hora de o campo progressista assumir seu lado sem medo, pontuando e ilustrando o quanto suas ideias e projetos podem interferir positivamente o cotidiano das pessoas.
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