O que aprender com as vitórias de Chile e Bolívia

Não foi fácil. Na Bolívia de Áñez, prisões ilegais e oposicionistas desaparecidos eram rotineiros. No Chile de Piñera, repressão, assassinatos e tortura. Mas não se esqueceram: direita se derrota nas ruas, com organização e trabalho duro

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Por Almir Felitte

Nos últimos tempos, vitórias eleitorais deram a esperança de que os ventos mudem de direção na política sul-americana. A volta do MAS, partido de Evo Morales, na Bolívia, e a escolha por uma nova Constituinte que enterre a antiga Carta de Pinochet no Chile foram, de fato, vitórias acachapantes da esquerda nas urnas destes dois países e, sem dúvidas, influenciam o espírito das eleições municipais que se avizinham no Brasil. Seria um erro, porém, reduzir estes dois resultados históricos a uma mera disputa eleitoral.

Foi duro o golpe sofrido pelo povo boliviano em 2019. O uso de forças militares de extrema-direita para forçar a renúncia do legítimo Presidente, Evo Morales, não foi um ataque apenas a um partido ou mandatário. Foi, na verdade, um ataque que se estendeu por um longo ano a toda a população da Bolívia. Prisões ilegais, desaparecimentos de oposicionistas e assassinatos foram rotineiros na ditadura que se instalou no país através de Áñez.

Tudo indicava que a América do Sul estava prestes a presenciar mais um daqueles anos que duram décadas, já tão conhecidos de nossa história. Mas foi o povo boliviano quem escolheu que este enredo não se repetiria. 2020 foi um ano de muita repressão na Bolívia, mas foi também um ano de muita organização popular. Greves e manifestações de rua tornaram a convocação de novas eleições um fato incontornável. Mais tarde, as urnas só mostraram o que já se sabia: o povo boliviano nunca quis retirar o MAS do Governo.

Situação semelhante foi a do Chile. Iniciada em outubro de 2019, uma onda de protestos de rua mostrou o cansaço dos chilenos com o custo de vida em um sistema liberal forçado ao país desde a Ditadura de Pinochet. “O Chile será a tumba do neoliberalismo”, diziam algumas faixas. Como na Bolívia, a repressão tomou ares de crueldade. Assassinatos e torturas foram rotineiros no Chile de Piñera, e as imagens que tomaram as redes, dos “carabineros” massacrando a população, fizeram com que o país voltasse a se assombrar com fantasmas pinochetistas.

O povo chileno, porém, não arredou o pé das ruas, enquanto a ideia de lutar por uma Constituinte que enfim jogasse na lata do lixo a velha Constituição dos tempos de Pinochet ganhava força. A organização popular, que já se transbordava nas ruas por um ano, finalmente desaguou nas urnas. Em plebiscito no último fim de semana, cerca de 80% dos chilenos disseram sim a uma nova Constituição.

Tanto o Chile quanto a Bolívia nos mostram que vitórias eleitorais dependem de muita organização e trabalho duro antes de se apertar qualquer botão na urna. Também nos mostram que nenhuma luta se encerra nelas. Um verdadeiro recado para a esquerda latina, sobretudo a brasileira, prestes a enfrentar mais uma disputa por votos no país.

Aliás, disputa essa que, devemos lembrar, também necessitou de seu pedaço de luta popular nas ruas para que pudesse acontecer. Ou nos esquecemos do que o Brasil passou durante 2020? Nos esquecemos do quão perto Bolsonaro esteve, lá para meados de maio, de intervir militarmente nos outros Poderes para fechar o regime? Que, nessa mesma época, em que surgiam indícios de milícias armadas de direita, manifestações fascistas foram varridas das ruas por protestos puxados por organizações de esquerda e torcidas de futebol?

Mesmo o nosso pleito municipal deste ano, muitas vezes tido como uma disputa de menor importância, se tornou possível devido a um momento de mobilização popular entre as esquerdas. E nenhum resultado que sair desta disputa virá como mágica. Será sempre consequência. Para nossa esquerda, com poucos recursos e sem espaço na mídia, uma consequência que só pode vir da nossa própria organização. Por isso, antes e depois de votar, “se organizar” é a palavra de ordem.

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