Federações partidárias: avanço ou oportunismo?

Em 2026, alianças que reduziram na prática o número de partidos podem ser ainda mais comuns. Mas elas conduzem, de fato, à formação de blocos mais homogêneos do ponto de vista ideológico? Ou servem para ampliar o fisiologismo e as desigualdades políticas?

Imagem: Arte Migalhas
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Ainda recentes no cenário político brasileiro, as federações partidárias têm conseguido destaque no noticiário atual por conta de algumas negociações envolvendo legendas que têm interesses distintos: enquanto algumas buscam aumentar sua capilaridade e poder, outras buscam a sobrevivência diante das exigências das cláusulas de desempenho que ficarão ainda mais rígidas a partir das eleições de 2026.

União Brasil e Progressistas, por exemplo, formam agora a União Progressista Brasileira, frente anunciada formalmente em agosto e ainda pendente de registro do Tribunal Superior Eleitoral. Com uma bancada de 109 deputados federais, 15 senadores, sete governadores e 1.335 prefeitos, tem direito à maior fatia do Fundo Partidário e ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Só os recursos do segundo ficam na casa dos R$ 953,8 milhões.

Curiosamente, voltam a se unir os dois partidos que formavam a velha Arena durante a ditadura militar, a sigla do regime. O União Brasil é resultado da fusão do DEM, ex-PFL, partido formado a partir de uma dissidência do PDS (ex-Arena) à época da eleição de Tancredo Neves como presidente no colégio eleitoral, com o PSL, sigla que serviu de abrigo para o bolsonarismo em 2018, que depois foi rejeitada pelo então presidente no meio de seu mandato. Já o PP é parte da metamorfose “democrática” do próprio PDS, que depois mudou de nome para PPR e para PPB, após se fundir com o PP, nome que voltou a ser usado a partir de 2003.

A reunião das duas agremiações surge em um contexto no qual elas tentam ter outro tipo de relação com a extrema direita bolsonarista, com uma proximidade mais pontual e menos orgânica do que vinha ocorrendo até agora, e também com a perspectiva de ampliar ainda mais suas bancadas diante não só de recursos dos fundos como por conta dos efeitos das emendas parlamentares. Afinal, são dois dos partidos com maior poder de influência sobre a destinação destes recursos.

Já o Solidariedade e o PRD (fusão do Patriota e PTB) anunciaram em junho a formação de uma federação partidária. Bem mais modesta que a União Progressista, esta terá uma bancada de dez deputados federais (cinco de cada partido), quando for oficializada pelo TSE. O objetivo aqui é básico: garantir a existência diante da exigência de um mínimo de 13 deputados federais em nove unidades da federação. Ou terão que ser alcançados ao menos 2,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades federativas, com um mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada uma delas. Caso não consigam satisfazer uma ou outra condição, as legendas perdem acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda de rádio e televisão.

Há outras federações que podem surgir e o mapa partidário brasileiro, embora possa não parecer, já foi bastante modificado a partir da possibilidade de formação dessas frentes e no âmbito da minirreforma eleitoral posta em prática a partir de 2017.

Das coligações às federações

O relatório “As federações partidárias no Brasil”, elaborado pelo Laboratório de eleições, Partidos e Política Comparada (Lappcom) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), resgata o contexto da criação das federações partidária e faz uma análise da experiência das três frentes que funcionaram no Brasil, algo ainda pouco estudado no meio acadêmico brasileiro.

A Emenda Constitucional nº 97 de 2017 extinguiu a possibilidade de coligações partidárias em eleições proporcionais e, com a imposição de cláusulas de desempenho, diversos partidos passaram a ter sua existência ameaçada. O objetivo era reduzir a fragmentação do sistema partidário brasileiro, alcançando um instrumento importante para que partidos menores pudessem atingir o quociente eleitoral necessário para eleger parlamentares. Na formação destas alianças, os partidos maiores tinham, como contrapartida, o tempo de rádio e televisão dos menores nas campanhas nas eleições majoritárias.

Já as federações passam a funcionar como um partido único em um compromisso que dura quatro anos,
– e não só no período da eleição, como eram as coligações. Na prática, são uma única agremiação para escolha e registro de candidatos, assim como na arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, o acesso à propaganda eleitoral e o cálculo da contagem de votos para obtenção de assentos nos Legislativos. Firmadas nacionalmente, vinculam todas as esferas das legendas nos estados e municípios.

Em 2018, os impactos começaram a ser sentidos quando 14 dos 35 partidos existentes não atingiram a cláusula de desempenho. Houve mudanças como a incorporação do PRP pelo Patriota, do PPL pelo PCdoB e do PHS ao Podemos. Já em 2022, foram 23 os partidos com representação na Câmara e sete deles não superaram as exigências. Agora, são 20 legendas com representantes em exercício de mandato, sendo que sete delas integram federações.

Em tese, as federações podem dar mais estabilidade para um governo, já que, à época das coligações, não havia garantia de que os partidos da coalizão vencedora continuariam com o compromisso de apoiar o Executivo.

“Ainda que todos os sistemas eleitorais produzam algum grau de distorção entre a vontade do eleitorado e o preenchimento das cadeiras parlamentares, a coligação em eleições proporcionais levava essa distorção a um nível extremo, em que o desempenho dos partidos dizia mais respeito à habilidade de desconhecidos caciques partidários do que às escolhas dos eleitores”, analisam os cientistas políticos e pesquisadores do Observatório do Legislativo Brasileiro Leonardo Martins Barbosa e João Feres Júnior, em artigo. “Chegamos assim ao ponto crucial do problema: as coligações em eleições proporcionais formaram o ambiente perfeito para o desenvolvimento dessa ação parasitária característica dos partidos do centrão. Valendo-se dessa regra, esses partidos potencializaram seu papel no sistema político, tornando-se canais privilegiados de acesso ao Estado e aliados indispensáveis a qualquer governo que se quer estável.”

Os ganhos das federações no quesito governabilidade, entretanto, podem ter sido limitados no cenário de empoderamento do Congresso Nacional com o abocanhamento crescente de fatias do Orçamento Público, o que causou outro ponto de instabilidade na relação entre Executivo e Legislativo.

As experiências das federações

Apesar das movimentações do quadro político brasileiro, o estudo da UFRJ mostra que existe algo que não mudou. A cientista política e coordenadora do Lappcom, Mayra Goulart observa que “mudanças nas regras eleitorais tendem a ser desenhadas de modo a preservar ou ampliar as vantagens das elites já estabelecidas. Nesse sentido, as federações podem ser interpretadas não apenas como um mecanismo de racionalização institucional, mas também como um arranjo que reforça o poder dos principais partidos dentro de cada bloco, reproduzindo assimetrias de representação e fortalecendo atores dominantes no sistema”.

Assim, essa nova lógica da competição político-eleitoral concentra poder nos partidos mais fortes e traz desafios para a representação equilibrada entre as siglas federadas. O caso mais evidente desse embate foi o fracasso da Federação PSDB-Cidadania, onde, conforme o relatório, a “balança pendeu de modo consistente para o PSDB. A estrutura de colegiados, a distribuição das nominatas e as lideranças legislativas reproduziram a vantagem eleitoral do partido maior e alimentaram conflito com o parceiro menor”.

A própria competitividade eleitoral de ambos foi afetada. Em 2018, o PSDB elegeu quatro senadores, três governadores, 28 deputados federais e 70 deputados estaduais. Já em 2022, federalizado, não elegeu nenhum senador, manteve os três governadores, mas suas bancadas caíram para 13 deputados federais e 51 deputados estaduais. O Cidadania, ainda se chamando PPS em 2018, elegeu dois senadores, oito deputados federais e 11 estaduais. Quatro anos depois, não elegeu nenhum senador e nem governador, apenas cinco deputados federais e 11 estaduais.

Em entrevista ao portal Uol, o presidente do Cidadania, Comte Bittencourt, descreveu de forma sucinta sobre o porquê da união entre as legendas não ter funcionado. “A federação foi um instituto que para nós não funcionou. Não tivemos tempo de maturá-la. E ele surge num partido muito fraturado, porque o debate foi num tempo muito curto e o partido ficou muito dividido. Por outro lado, não houve uma compreensão do partido mais forte dessa federação na relação, no trato, com o partido menor, que éramos nós. Então, houve ali uma crise interna grande para o partido mais forte”, pontuou. O Cidadania anunciou em julho uma futura federação com o PSB.

“Quando a federação fracassa, como no divórcio PSDB Cidadania, o custo reputacional é alto. O partido menor sai com menos assentos, menos filiados e a sensação de tutela. O maior perde capilaridade e se vê obrigado a renegociar seu lugar no centro”, aponta o sociólogo, cientista político e professor da UFRJ, Paulo Baía, no relatório. “O episódio serve de advertência para federações em negociação: estatutos claros, regras transparentes para nominatas, rodízios factíveis e arbitragem confiável reduzem a probabilidade de ruptura e contencioso judicial. A jurisprudência eleitoral tenderá a ser rigorosa com mudanças de rumo oportunistas e com tentativas de burlar a unidade parlamentar prevista em estatuto.”

Pela esquerda, Baía destaca que a Federação PSOL Rede conseguiu preservar espaços de autonomia e previsão estatutária de diálogo e consenso, mas a assimetria eleitoral acabou se impondo. “O PSOL ampliou cadeiras na Câmara e capitaneou posições de liderança, enquanto a Rede priorizou a sobrevivência institucional e a travessia da cláusula de desempenho. Em termos normativos, é a federação funcionando como mecanismo de equalização mínima: a legenda menor acessa recursos, tempo e capilaridade, paga o custo de ser parceira júnior e aposta na visibilidade cumulativa”, pontua.

A Federação Brasil da Esperança, que reúne PT, PCdoB e PV, “mostrou disciplina parlamentar alta e um desenho deliberativo que replica a proporção de votos válidos do último pleito para a Câmara”, detalha o cientista político. “Com a presidência rotativa e metas de inclusão de mulheres e recorte étnico racial nas instâncias, consolidou uma máquina de cooperação que beneficia sobretudo o partido dominante, o PT, que expandiu bancadas e musculatura municipal em 2024.”

Futuro em disputa

Dentro das mudanças provocadas pelas federações partidárias, a frente envolvendo União Brasil e Progressistas traz uma outra novidade, já que modifica também a perspectiva futura das novas que devem surgir. Isso porque ela altera o sentido das reuniões de legendas anteriores, onde partidos menores buscavam sobrevivência ao abrigo de legendas mais expressivas eleitoralmente.

Agora, siglas médias que não seriam ameaçadas pela cláusula de desempenho também falam em se federar, como é o caso das negociações em andamento entre MDB e Republicanos. Uma federação assegura mais cargos de liderança dentro do Congresso Nacional, o controle da pauta política e dos recursos de emendas parlamentares. Caso se efetivem, as novas composições com esse perfil tendem a isolar quem não seguir a cartilha, o que significa menos poder no Legislativo.

“Apesar de já revelar efeitos importantes sobre a fragmentação e a organização dos partidos, o instituto da federação ainda é recente no Brasil. Suas consequências de longo prazo para a governabilidade, para a dinâmica da competição política e para a pluralidade representativa ainda não estão plenamente conhecidas”, observa Mayra Goulart. As eleições de 2026 serão mais um teste para a remodelação do jogo político.

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