Direita: Procura-se um candidato

Com Bolsonaro fora do jogo, o condomínio ultradireita-Centrão mergulha em disputas internas, egos feridos e projetos que se chocam. Tarcísio perde espaço, Ratinho Jr. ganha fôlego e Caiado tenta se projetar em um cenário onde a unidade parece cada vez mais distante

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Sem Jair Bolsonaro na disputa presidencial de 2026, o campo da direita/extrema direita continua à procura de um nome que possa fazer frente a Lula. E o que antes era uma concorrência quase amistosa entre governadores de estado, que chegaram a aparecer juntos em um ato bolsonarista realizado na Avenida Paulista em abril deste ano, já começa a dar sinais de desavenças e interesses que se chocam. A unificação em torno de um nome pode estar em risco para o campo.

Episódio emblemático foi a troca de farpas no final de semana entre o senador do Piauí e presidente do PP, Ciro Nogueira, e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União). Em entrevista publicada no domingo (5) no jornal O Globo, o dirigente foi taxativo ao dizer que só existiam duas candidaturas presidenciais possíveis de receber o apoio do ex-presidente. “Se fosse hoje, vejo dois candidatos viáveis: Tarcísio e Ratinho Júnior. Eles têm metade da rejeição do Bolsonaro e quase 40% de desconhecimento, o que é potencial de crescimento. Mas só têm viabilidade com o apoio do presidente Bolsonaro.”

O governador goiano reagiu nas redes sociais chamando Nogueira de “quase ex-senador” e pedindo “respeito” com quem colocou “suas pré-candidaturas à avaliação popular”. Aos 76 anos e sem possibilidade de disputar novamente o governo do estado, já que está em seu segundo mandato, Caiado ensaia até mesmo sair do seu partido para buscar uma candidatura presidencial, já que as portas da federação União Brasil-PP parecem fechadas. Ele já conversou com a direção do Solidariedade, que fará uma federação com o PRD, e também vai abrir negociações com a presidenta do Podemos, a deputada federal de São Paulo Renata Abreu, para uma possível candidatura presidencial pela legenda.

“Se em 1989 o PDS não quis me dar a legenda e eu em pouco tempo fiz o PSD, por que agora não vou conseguir ter um partido para concorrer ao Planalto? Já está decidido e eu vou ser candidato a presidente em 2026”, disse o governador de Goiás ao Poder360. Na ocasião mencionada por ele, Caiado pulou, naquele ano em que foi realizada a primeira eleição presidencial da redemocratização, do PFL para o PDC, indo parar no PSD (legenda que não tem relação com a sigla atual), em julho daquele ano. O partido havia sido recriado em 1987 pelo ex-ministro das Minas e Energia do governo de João Batista Figueiredo, César Cals, para lançar o próprio Figueiredo candidato, que recuou. Os dirigentes foram então atrás de Jânio Quadros, que também desistiu, e Caiado representou a sigla na disputa presidencial. Teve 0,72% dos votos válidos em todo o país.

Já Ciro Nogueira pleiteia uma vaga de vice com Tarcísio de Freitas (Republicanos) ou Ratinho Jr. (PSD) como presidenciáveis, já que o tamanho da federação União Progressista faria jus ao espaço na chapa. No Piauí, sua candidatura à reeleição enfrenta problemas, até porque o parlamentar faz oposição ao governador Rafael Fonteles (PT), hoje com 80% de aprovação, segundo pesquisa Real time Big Data divulgada na última terça-feira (30).

O ‘inferno astral’ de Tarcísio

Tarcísio de Freitas segue como nome preferido do campo da direita, mas sua candidatura sofreu abalos nos últimos três meses, com uma sucessão de reveses que incluem desde “erros não forçados” até situações de governo que arranharam a imagem do governador, sempre em busca de um difícil equilíbrio entre a lealdade ao seu ninho político, o bolsonarismo, e a sua pretensa imagem de “moderado” que poderia atrair votos não alinhados com o extremismo.

A espécie de “inferno astral” de Tarcísio começou com sua reação ao tarifaço de Donald Trump imposto ao Brasil. O governador não condenou o ataque ao país e viu sua imagem com o boné do Maga (Make America Great Again, movimento político trumpista) circular nas redes sociais enquanto o discurso da soberania ocupava o centro do debate. Mais adiante, seu discurso no 7 de Setembro em ato bolsonarista na Avenida Paulista, no qual atacou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, evocou os piores momentos de seu ex-chefe, assustando a parcela não radicalizada da sociedade e mesmo parte da elite econômica cansada da instabilidade gerada de forma contínua pelo bolsonarismo e também aquela afetada pelas medidas do governo dos Estados Unidos.

Suas idas a Brasília para articular a votação do projeto da anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro e, por extensão, ao ex-presidente, foram um fracasso duplo: sugeriram a muitos que o governador estava deixando de trabalhar em seu cargo por uma pauta que não interessava ao estado e também não logrou êxito, já que a tramitação não avançou da forma como se pretendia.

Outros desafios têm se imposto à sua gestão. A área da segurança pública, considerada um dos possíveis ativos eleitorais não apenas para o governador, mas também para o secretário da área, Guilherme Derrite, possível candidato ao Senado em 2026, foi abalada com a execução do ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes. O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) pontuou que o fato “escancara a forma como o Governo do Estado de São Paulo cuida de seus policiais mais dedicados”.

Soma-se a isso a crise do metanol, com a grande maioria dos casos concentrados no estado, e uma declaração desastrada de Tarcísio em entrevista coletiva: “No dia em que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar. Ainda bem que ainda não chegaram nesse ponto”, disse. Uma fala que pode remeter aos episódios de deboche do então presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia de covid-19 e que já ganhou corpo nas redes sociais, espaço no qual o governador é alvo por outra iniciativa, os pedágios free flow (sem cancela). Um levantamento realizado pela AP Exata, encomendado pelo jornal O Estado de S. Paulo, aponta que foram 6,9 mil publicações únicas sobre o tema no X (ex-Twitter), TikTok e Instagram em setembro, com 21 mil comentários chegando a aproximadamente 9 milhões de pessoas. A grande maioria das postagens nas redes, 63,3%, reprova a instalação dos pedágios.

São fatos que, se não abalam brutalmente ainda a popularidade de Tarcísio, além de frear qualquer possibilidade de ascensão, mostram inabilidade política, criando desconfiança em possíveis aliados, e compõem um estoque de munição para a campanha eleitoral. Não à toa, o governador negou recentemente ter pretensões presidenciais para sair de cena, já que se tornou alvo inclusive dentro do próprio campo bolsonarista, onde eventualmente é questionado ou atacado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que vê na figura do ex-ministro de seu pai uma ameaça ao capital político da família.

A alternativa Ratinho Jr.

A animosidade de Eduardo, que pleiteia uma improvável candidatura ao Planalto como forma de exercer seu suposto direito sobre o legado eleitoral do pai, tem criado fissuras no campo da direita e uma insatisfação crescente por parte do Centrão, que tem pressa. Sem a definição de uma candidatura presidencial, boa parte das articulações estaduais para candidaturas ao governo e ao Senado também ficam em compasso de espera.

“Uma coisa que tem que ficar bem clara é que se a família não aceitar o Tarcísio, que é o candidato para ganhar a eleição, ninguém vai num projeto para perder só para manter o espólio de Bolsonaro”, disse uma figura política do Centrão à Veja. O recado é direto e abre margem para viabilizar um candidato que tem trabalhado de forma discreta e conta com o suporte de um dos maiores e mais capilarizados partidos do Brasil.

O governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), tem participado de encontros com empresários e representantes do mercado financeiro, organizados pelo presidente da legenda, Gilberto Kassab, e, nos últimos três meses, encontrou dirigentes de três grandes bancos. O publicitário Niza Guanaes já teria sido procurado para comandar sua pré-campanha, que ganha fôlego no vácuo do governador paulista.

Com o perfil privatista que agrada a Faria Lima, o governador paranaense poderia ainda aproveitar a popularidade do pai, Carlos Massa, o Ratinho, em viagens pelo país. O apresentador, aliás, possui um sistema de comunicação que atua nas áreas de televisão, com emissoras de TV afiliadas ao SBT no Paraná, rádio e forte presença no meio digital. Reeleito com 69% dos votos no Paraná em 2022, ele pode ter no eleitorado do Sul, mais refratário à esquerda e ao presidente Lula, uma poderosa mola propulsora.

Diferentemente de Tarcísio, que pode se candidatar à reeleição em São Paulo e esperar por uma disputa sem Lula em 2030, Ratinho está em segundo mandato e tem como opção o Senado ou se aventurar na corrida ao Planalto. Mesmo com uma derrota, ele pode se firmar no cenário nacional como principal nome da direita em 2030. E aí está também o risco para o governador paulista ao ficar fora do embate, ter seu lugar “roubado” na fila.

Outro pretenso postulante à Presidência da República, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também não pode ser candidato à reeleição e teria dois caminhos: o Senado ou a Presidência. Como principal nome de um partido que terá dificuldades para alcançar a cláusula de desempenho em 2026, sua eventual candidatura pode representar o ganho de alguma projeção nacional à legenda ou significar o virtual desparecimento da sigla, deixando Zema sem um mandato. Um lugar de vice em uma chapa de Tarcísio ou Ratinho Jr., dado o tamanho da sua sigla, seria pouco provável.

Se a “política é como nuvem, você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”, como já dizia o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, o cenário atual aponta para uma fragmentação da direita em candidaturas presidenciais com objetivos distintos. E, diante da relevância do ambiente digital, não é possível descartar o surgimento de algum outsider no segmento como foi o caso de Pablo Marçal (hoje inelegível) na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2024.

A indefinição e as rusgas de um segmento que comandou a agenda política em boa parte do tempo, mesmo fora do governo, pode ser uma boa notícia para o campo da esquerda/centro-esquerda. É a oportunidade de firmar um programa e bandeiras não somente para as eleições presidenciais como também para as legislativas, foco de atenção de parte da aliança do bolsonarismo-Centrão, que terá à sua disposição a maior parte do fundo de campanha. Não será uma tarefa trivial.

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