Errando em São Paulo: Apocalipse

O super-rico em seu castelo, chamado condomínio. Guaritas e câmeras: fiéis soldados. O carro blindado é sua armadura. Mas vem o ar irrespirável e a guerra de todos contra todos na cidade. Estará protegido? E quem servirá o jantar?

Ao leitor, um desafio. Que bairro é esse? O Ancapistão já existe, não é preciso imaginar catástrofe alguma; o fim do mundo está em movimento há tempos.

O curso das ruas lembra mais um labirinto. Muros castelares em calçadas estreitas e irregulares (a desproporção é ridícula). Árvores gigantes, trepadeiras e plantas espinhosas escondem câmeras, arame farpado e cercas eletrificadas; uma guarita a cada esquina. De vez em quando, esbarra-se num portão: “Rua Fechada, Lei Nº 16.439”.

Ali, só se anda de carro — blindado, de preferência. Lojas imensas em avenidas longuíssimas, atrás de estacionamentos ainda maiores. Claro que é possível andar a pé, testar a própria sorte, e muitos o fazem cotidianamente, por obrigação; mas a sensação de estar sempre do lado errado do muro não é das melhores. Do que se escondem os ricos?

No futuro, quando não houver água potável e o ar for intragável, quando hordas de zumbis caminharem, dia e noite, a perseguir os vampiros que terão destruído quase tudo, eles estarão bem protegidos. Mas quanto custa a lealdade dos totens de segurança privada? Não poderão (já não podem) proteger-se de si mesmos, nem da guerra de todos contra todos, presente inclusive — e talvez sobretudo — nos círculos mais “exclusivos”. Esse futuro, aliás, tem cheiro de passado.

No castelo, escravizadores fazendo banquetes, além de alguns serviçais — o jantar não vai se servir sozinho —; nos bosques de concreto armado, cavaleiros, mercadores e ladrões disputando o que há de melhor; e nos barracos de alvenaria, com os trabalhos mais degradantes, escravizados. Feudo, Elysium ou utopia libertária — tanto faz. Pouco interessa o progresso tecnológico que não emancipa o humano (e seu tempo).

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