Reino Unido: A ultradireita e um sinal de alerta

Quem é Tommy Robinson, que orquestrou a marcha de 110 mil pessoas em Londres – com ajuda de Elon Musk? Por que a extrema direita cresce nas pesquisas? Como são as ações violentas e anti-imigrantes – e as provocações ao primeiro-ministro com ameaça de “guerra civil”?

Apoiadores do influencer britânico Tommy Robinson participam de passeata em Londres AP – Jordan Pettitt
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O Reino Unido foi surpreendido no final de semana com uma manifestação de extrema direita que reuniu mais de 110 mil pessoas no centro de Londres. No ato realizado no domingo (14), pessoas entoavam slogans islamofóbicos, exibiam símbolos extremistas e acompanhavam discursos de ódio e repletos de fake news.

Já conhecido por apoiar movimentos da ultradireita pelo mundo, o bilionário Elon Musk participou por vídeo, expressando preocupação com a “erosão rápida e crescente da Grã-Bretanha” devido à “migração massiva e descontrolada”. Fez, como é tradicional na retórica extremista, a falsa associação entre criminalidade e imigrantes ao criticar o governo britânico por uma suposta “falha em proteger pessoas inocentes, incluindo crianças que estão sendo estupradas por gangues”. Em seguida, pediu a dissolução do parlamento do Reino Unido.

Ali também estava presente outra figura expressiva desse segmento político na Europa. O político francês Éric Zemmour, quarto colocado no primeiro turno das eleições presidenciais francesas de 2022, afirmou que os manifestantes estavam sujeitos à “grande substituição de nosso povo europeu por povos vindos do sul e de cultura muçulmana”, acrescentando que “vocês e nós estamos sendo colonizados por nossas antigas colônias”.

Mas a figura principal da manifestação, responsável pela convocação e organização, foi o ativista e provocador de extrema direita Stephen Yaxley-Lennon, mais conhecido como Tommy Robinson.

A ascensão de Tommy Robinson

Assim como Zemmour, Robinson, de 42 anos, defende a teoria conspiratória da “Grande Substituição”, segundo a qual imigrantes, especialmente de origem muçulmana, estariam “substituindo” a população nativa europeia.

Ex-membro do Partido Nacional Britânico e fundador da extinta Liga de Defesa Inglesa (EDL), ganhou visibilidade explorando o medo da “islamização”. Como toda liderança de extrema direita no planeta, se tornou relevante por meio da atuação nas redes sociais, mas seu discurso é tão extremista e violento que resultou no banimento do Facebook, Instagram, TikTok e Snapchat. Atualmente, tem 1,5 milhão de seguidores no X, sua única rede ativa, de propriedade de Elon Musk. O bilionário, aliás, ajudou a alavancar o perfil de Robinson após restaurar, em 2022, sua conta no ex-Twitter, que havia sido bloqueada pela empresa em 2018.

Sua reforçada notoriedade recente se valeu da exploração baixa de um episódio ocorrido em julho de 2024, quando três jovens foram mortas em um ataque a faca na cidade de Southport, no norte da Inglaterra. O autor era Axel Rudakubana, de 17 anos, nascido em Cardiff, País de Gales, quatro anos depois de seus pais terem migrado de Ruanda. A partir dali, Robinson passou a incitar seus seguidores a irem às ruas para causar distúrbios raciais e provocar o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, ao dizer que “a guerra civil é inevitável”.

À época, publicou vídeos garantindo que Rudakubana não era britânico, mas sim um requerente de asilo de religião muçulmana (sua família, na verdade, é cristã evangélica) que tinha chegado ao Reino Unido num pequeno barco em 2023. Tudo falso. Usou a corrente de desinformações para fomentar motins no Reino Unido e mesquitas e hotéis que albergam pessoas que pedem asilo à Grã-Bretanha passaram a ser alvo de violência.

Mentiras e violência como armas

Talvez nada disso fosse possível se o extremista não tivesse acesso ao X. Mas não teria sido esta a única ajuda de Elon Musk a Robinson. Uma matéria do Deutsche Welle, de janeiro de 2025, abordava a hipótese de haver também um apoio financeiro ao britânico. Isso porque, em um comunicado ao X, a equipe de Robinson agradeceu a Musk e à plataforma pela “assistência inesperada e generosa” em dois processos judiciais.

Se essa ajuda ficou “no ar”, outro bilionário estadunidense da área de tecnologia, Robert Shillman, foi mais explícito. Ele financiou uma bolsa, em 2018, que ajudou a pagar a contratação de Robinson pelo site de mídia canadense de extrema direita Rebel Media, agora chamado Rebel News, com um salário de cerca de 5.000 libras por mês.

A solidariedade dos mega-ricos ignorou a ficha criminal do extremista. Em outubro de 2018, um vídeo mostrando um estudante refugiado sírio, Jamal Hijazi, de 15 anos, sendo atacado por outro adolescente em uma escola em Almondbury, Yorkshire, no norte da Inglaterra, se tornou viral em por conta da retórica mentirosa de Robinson, que colocou em risco a segurança do garoto e de seus familiares.

Ele postou vídeos em sua conta do Facebook nos quais tentava justificar a agressão ao alegar que Hijazi havia atacado “jovens garotas inglesas” e ameaçado esfaquear um garoto na escola – o que foi negado. O conteúdo alcançou quase um milhão de pessoas, e Hijazi e sua família receberam diversas ameaças de morte.

Em 2021, Robinson foi condenado por difamar Hijazi e a pagar 100 mil libras como indenização em função dos danos causados. Mesmo condenado e proibido de repetir as alegações, em 2023 voltou a contar as mesmas mentiras e fez um “documentário”, intitulado Silenced, publicado no X, alegando ter sido “silenciado pelo Estado”. Em outubro de 2024, foi condenado a 18 meses de prisão depois de admitir ter violado a determinação judicial de 2021.

Isso não evitou que o seu Silenced alcançasse mais de 167 milhões de visualizações até maio deste ano, quando foi retirado do ar pelo administrador da conta de Robinson no X. Contudo, ele ainda está disponível na plataforma de Elon Musk em dezenas de outros perfis.

Antes, Robinson também já havia sido preso por agressão, em 2005, e fraude hipotecária, em 2014, além de condenações por fraude de passaporte e desacato ao tribunal.

A extrema direita na Grã-Bretanha

Embora busque se distanciar em um primeiro momento de Robinson, o líder do partido de extrema direita Reform UK, Nigel Farage, é um dos principais beneficiados com o reforço da retórica anti-imigração, uma de suas principais bandeiras.

Em seus discursos, um suposto “colapso social” é visto como algo iminente no país. “Quando fui à recente conferência do Reform, não foi difícil encontrar pessoas que endossaram as suas alegações de que a Grã-Bretanha está à beira de uma ‘grande desordem civil'”, observa o colunista do The Guardian, John Harris.

Farage também tem seu séquito nas mídias sociais, com 1,3 milhão de seguidores no TikTok, mais que todos os outros parlamentares britânicos, como ele, têm juntos. A lógica adotada pelo Reform para campanhas em mídias sociais é baseada na ideia de que no TikTok, mas não só, o principal é o reforço das personalidades em detrimento de perfis de partidos e entidades em geral. Isso ainda não se traduziu em uma grande adesão dos mais jovens à legenda, mas mobilizou muitos homens com menos de 30 anos, essenciais para a difusão de mensagens nas mídias sociais.

Segundo o Poll of Polls do site Politico, que reúne as principais pesquisas feitas periodicamente sobre a preferência do eleitorado, o Reform UK teria o voto de 31% dos britânicos, enquanto os trabalhistas ficariam com 20% e os conservadores, com 16%. Um sinal de alerta e ilustração do avanço dos extremistas nas redes, nas ruas e no campo institucional.

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