Impostos internacionais: os super-ricos pagarão?

Movimento por justiça tributária global ganha fôlego, inclusive em reunião ministerial do G20. Pela primeira vez, o Norte global diz-se disposto a cooperar. Quadro é grave: em quatro décadas, renda do 1% aumentou 45%; e seus impostos foram reduzidos em um terço

Imagem: Sarah Grillo/The News
.

Por Sergio Ferrari | Tradução: Rose Lima

O site oficial Brasil 2024 do G20 (Grupo das 20 nações e regiões mais desenvolvidas do planeta) menciona a aprovação no final de julho “de um documento sobre cooperação para a tributação internacional” e explica que “o Brasil está promovendo, pela primeira vez no G20, a adoção de medidas para intensificar a cooperação para a justiça tributária, que [também] inclui a tributação de bilionários”. De acordo com Fernando Haddad, ministro da Fazenda do Brasil, um imposto global de 2% sobre os super-ricos arrecadaria um mínimo de US$ 250 bilhões por ano.

Na última segunda-feira de julho, Haddad lembrou que a reunião dos ministros da Fazenda e dos presidentes de Bancos Centrais do G20, realizada no Rio de Janeiro, aprovou por aclamação uma Declaração Ministerial sobre Cooperação Tributária Internacional. Esse evento foi encerrado com aplausos pela declaração que, entre outras considerações, contempla uma em particular: a proposta brasileira de começar a definir a tributação internacional de pessoas físicas super-ricas.

Um princípio de justiça social

Um dos especialistas mais militantes a favor dessa proposta de um novo sistema tributário internacional é o economista francês Gabriel Zucman, a quem várias fontes atribuem a coautoria da iniciativa em andamento.

Em um artigo recente publicado pela mídia alemã Deutsche Welle, Zucman se refere a um grupo relativamente pequeno “de cerca de 3.000 bilionários que até agora pagam impostos abaixo da média, em comparação com suas possibilidades: aproximadamente apenas 0,3% de suas fortunas”. O economista francês garante que, se toda a carga tributária for considerada, cada um desses super-ricos pode pagar no máximo 20% de seus ganhos. Por outro lado, uma pessoa de classe média na Alemanha ou na França paga mais que o dobro. E ele argumenta que “Esta é uma injustiça fundamental: os mais ricos, que poderiam contribuir mais, têm a menor carga tributária efetiva”.

Sua proposta de um imposto mínimo individual de 2% sobre a renda do patrimônio dos bilionários garantiria que eles não pagassem menos e fossem equiparados em termos percentuais a seus motoristas ou trabalhadores domésticos, ou ao resto da população. “Ninguém pode pensar que está tudo bem quando os bilionários pagam menos do que os outros”, disse Zucman.

A sociedade civil reage positivamente

Assim que a resolução do Rio de Janeiro foi anunciada, Susana Ruiz, responsável pela Política Fiscal da Organização Não Governamental (ONG) Oxfam International, reconheceu que “Este é um importante avanço global: pela primeira vez na história, as maiores economias do mundo concordaram em cooperar para taxar os super-ricos. Finalmente, os mais ricos estão sendo informados de que não podem manipular o sistema tributário ou evitar pagar sua parte justa”.

De acordo com a Oxfam, durante a próxima etapa, a Cúpula do G20, em novembro deste ano, será importante chegar a um acordo sobre um novo padrão global que tribute os super-ricos a uma taxa alta o suficiente para fechar a brecha existente entre eles e o resto da população mundial.

Um elemento metodológico crucial na proposta de vários atores da sociedade civil internacional: é essencial que a liderança da reflexão e das decisões seja assumida pelas Nações Unidas e que um processo verdadeiramente democrático seja executado para estabelecer normas globais sobre o novo tipo de tributação. Argumentam que não seria apropriado ou suficiente confiar essa tarefa à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as nações mais ricas do mundo.

No dia 24 de julho, diversas organizações e redes internacionais entregaram ao governo do Brasil uma petição com mais de 1,5 milhão de assinaturas de todo o mundo solicitando que o G20 defina e imponha impostos especiais aos bilionários. Entre os promotores da iniciativa estão a própria Oxfam, bem como Avaaz, Patriotic Millionaires, TaxMeNow, 350.org, Fight Inequality Alliance e WeMoveEurope.

Dias antes, em 11 de julho, cerca de vinte ex-chefes de Estado e de governo (vários deles de países do G20) enviaram uma carta aberta aos atuais líderes do Grupo para pedir-lhes que apoiem um “novo acordo global para taxar os indivíduos super-ricos do mundo”. A carta, coordenada pelo Clube de Madrid e pela Oxfam, adverte que a renda do 1% mais rico do mundo aumentou 45% em quatro décadas, enquanto os impostos máximos sobre sua renda foram reduzidos em um terço.

Prioridade na agenda internacional

Mais uma vez, a questão da tributação fiscal internacional fará parte da agenda do G20 em sua próxima cúpula, nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. Até lá, durante os próximos 90 dias, espera-se uma reflexão em vários pontos e em diferentes espaços, especialmente no âmbito das Nações Unidas e da sociedade civil internacional.

A Alliance Sud (Aliança Sul), a plataforma das mais importantes ONGs suíças de cooperação para o desenvolvimento, antecipa que esta questão “será um tema quente neste verão [no continente norte]” e que, em meados de agosto, “o Comitê Ad Hoc encarregado de redigir os termos de referência para uma Convenção Marco das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional se esforçará para definir o alcance político e os procedimentos de tomada de decisão” que integrarão esse convênio.

Para a Alliance Sud, essa problemática, que parece extremamente técnica, é fundamentalmente política. Em curto prazo, os negociadores terão que determinar quanto poder tem a OCDE, órgão que domina a agenda multilateral sobre política tributária internacional desde a década de 1970. Se a ONU assumir o papel de tomada de decisão sobre esta questão no futuro, os Estados do Norte – que continuam a dominar a política econômica global apesar da ascensão da China – perderiam a supremacia que agora têm nessa área.

É por isso que a União Europeia, os Estados Unidos e os principais beneficiários do sistema tributário internacional sob os auspícios da OCDE, ou seja, os países que são fiscalmente lenientes com as multinacionais e com os grandes centros financeiros, se opõem firmemente a uma convenção fiscal forte da ONU. Quando as questões tributárias multilaterais são negociadas na ONU, e não na OCDE, as proporções da maioria mudam e os países do Sul adquirem um peso decisivo.

A Alliance Sud argumenta que a proposta atualmente em discussão estabelece um vínculo direto entre o tratado tributário e o financiamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e, em particular, formula como horizonte o estabelecimento de um sistema tributário internacional inclusivo, justo, transparente, equitativo e eficaz para o desenvolvimento sustentável.

Para isso, devem ser alcançados acordos e obrigações dos Estados signatários em vários pontos. Isso inclui a distribuição equitativa dos direitos fiscais das multinacionais; a tributação efetiva dos ricos; a garantia de que as medidas fiscais contribuam para a solução de problemas ambientais e a transparência e o efetivo intercâmbio de informações para fins tributários, bem como a prevenção e a efetiva resolução de conflitos tributários.

O Fórum Independente de Especialistas em Políticas – GPF (Global Policy Forum, por sua sigla em inglês) assegura que o impacto da nova Convenção Tributária poderia gerar repercussões como a produzida pela Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. E se mostra otimista porque os membros da ONU, bem como as organizações da sociedade civil, já estão abordando o processo com grande determinação.

Salienta ainda que a Convenção procura abordar um vasto leque de questões de política fiscal, muitas das quais têm um enorme potencial de receitas para financiar, entre outros setores, o desenvolvimento sustentável e a proteção do clima. Os cálculos do GPF são mais amplos do que os do próprio ministro brasileiro Fernando Haddad, como se pode apreciar em seu comentário de que “um sistema tributário corporativo internacional justo, por si só, poderia gerar US$ 500 bilhões adicionais por ano em receitas públicas, incluindo US$ 200 bilhões para países em desenvolvimento. Considerando que um imposto global sobre o patrimônio dos bilionários poderia gerar um adicional de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões por ano. Além disso, de acordo com o GPF, a introdução coordenada globalmente de impostos ambientais progressivos poderia não apenas gerar receitas adicionais, mas também ter fortes efeitos positivos na promoção do desenvolvimento sustentável em todo o mundo”.

O Fórum GPF, com seus escritórios em Nova York e em Bonn, conclui: “A Convenção Tributária das Nações Unidas tem um potencial considerável para fechar as lacunas que existem no que diz respeito ao financiamento do desenvolvimento sustentável, tanto no Norte quanto no Sul”. E ele olha em perspectiva para a contribuição positiva que tal imposto sobre os super-ricos pode trazer para a população menos rica do mundo: “As receitas fiscais [também] permitiriam que os governos fornecessem mais serviços públicos para implementar suas obrigações em matéria de direitos humanos”.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *