Brumadinho: Há como punir os criminosos

Não basta chorar os mortos, se nada for feito para impedir que as catástrofes ambientais se repitam. É urgente que legislações ao redor do mundo barrem o financiamento das empresas que pilham as riquezas naturais e expõem a vida das populações

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Diante da magnitude de tragédias socioambientais causadas por corporações transnacionais e da emergência climática, é preciso que sejam instituídas eficazes legislações ao redor do mundo. É urgente, por exemplo, a necessidade de impedir o financiamento e a aquisição de produtos de empresas que violem direitos humanos e causem destruição social, ambiental e econômica de territórios. Não dá mais para viver na ilusão de “acordos de papel” que vêm sendo aprovados em fóruns internacionais e por diferentes governos. As mudanças efetivas e necessárias são “para ontem”, pois “o amanhã já é tarde”. 

Esse foi um apelo apresentado por nós em sessão da subcomissão de Direitos Humanos do Parlamento Europeu, no mês de outubro, em Bruxelas, na qual estavam presentes parlamentares europeus e representantes de organizações sociais. Foram discutidas mudanças em regras legais que pretendem estabelecer, dentre outros pontos, obrigações para que empresas europeias investiguem, fiscalizem e monitorem parceiros comerciais de suas cadeias de valor ao redor do mundo. O objetivo é ampliar as restrições a parcerias comerciais de empresas europeias com corporações de outros países que violem direitos humanos e gerem danos e impactos ambientais. 

À subcomissão do Parlamento Europeu, relatamos o que vem acontecendo em Minas Gerais como resultado de atividades extrativas de minérios que não respeitam a vida humana e o meio ambiente. A convite da presidente da subcomissão, Maria Arena, que é da Bélgica, pudemos expor um triste quadro, pois, a cada dia, as tragédias nos visitam. No Estado, até hoje, são visíveis as consequências dos dois maiores rompimentos de barragens de rejeitos de mineração da história brasileira, um em Mariana, em 2015, e o outro em Brumadinho, em 2019. 

Em um intervalo de pouco mais de três anos, os rompimentos e o mar de lama tóxica de rejeitos de minério das duas barragens provocaram, no total, 292 vítimas fatais, além de soterrar animais, devastar a vegetação, contaminar importantes rios das macrobacias hidrográficas brasileiras dos rios Doce e São Francisco e impactar a vida de milhares de pessoas, entre elas ribeirinhos (que dependem dos rios para sobreviver), povos indígenas e quilombolas. Isso é consequência da sanha pelos minérios, que é a prioridade das mineradoras e seus apoiadores, que desconsideram os riscos, licenciam e operam sem qualquer responsabilidade, o que tem gerado destruição de muitos e extensos territórios, adoecimento psicológico e físico, com metais pesados que contaminaram adultos e crianças, e a morte trágica e precoce de nossos irmãos e irmãs. 

Nesse contexto, povos originários, que foram impactados pela contaminação das águas dos rios, se veem órfãos de sua identidade cultural e ancestral. Serras têm sido devoradas, enormes áreas desmatadas, aquíferos e ecossistemas irreversivelmente destruídos ou contaminados. Situações de escassez hídrica e risco de colapso no abastecimento da população se ampliam. Da noite para o dia, ribeirinhos e agricultores foram expulsos de suas terras, enquanto trabalhadoras e trabalhadores são, diariamente, mais explorados. 

A tristeza é companheira de todas as horas de familiares e amigos das vítimas do rompimento da barragem de rejeitos da Vale. Diante de parlamentares europeus, de representantes de organizações e da presidente da subcomissão, nós dissemos: tentem imaginar o que é ter um filho, um marido, ou uma esposa, que saem para trabalhar na segunda maior mineradora do mundo e que não voltam mais, porque foram soterrados vivos em lama de rejeitos. Muitas famílias receberam os corpos de seus entes queridos literalmente triturados, em sacos de plástico pretos, e tiveram de enterrá-los em caixões fechados.

Quatro vítimas do crime da Vale ainda não foram encontradas, o que é sempre lembrado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), que idealizou o Projeto Legado de Brumadinho para não deixar a tragédia cair no esquecimento. 

Nós, do Instituto Cordilheira, além dos diversos objetivos que nos movem na defesa do meio ambiente e de direitos, em especial frente à mineração em Minas Gerais, também assumimos o compromisso de que as tragédias não sejam apagadas da memória social, como ocorreu com tantas outras ao longo da história brasileira. 

A situação é muito grave e os mais afetados são as populações historicamente marginalizadas socioeconomicamente, as mulheres, os pequenos produtores e os povos indígenas e quilombolas. Nesse filme de terror, pessoas defensoras dos direitos humanos e da natureza têm sido perseguidas por suas atuações em prol da vida; algumas até assassinadas. 

Como se não bastasse, milhares de pessoas vivem diariamente um quadro de pânico em Minas Gerais onde há dezenas de complexos minerários com centenas de barragens de rejeitos. Isto porque, a qualquer momento, uma barragem pode romper, pois falta compromisso das empresas e dos órgãos licenciadores e fiscalizadores e não se conta com a devida atuação de parlamentares, Ministério Público e Poder Judiciário. Além disso, não se tem confiança nas informações sobre o risco, havendo situações onde impera o “terrorismo” de barragens para expulsão das comunidades onde há grandes interesses minerários.

Face a esse cenário, é inadmissível que não sejam aprendidas as lições com as tragédias e que não seja exigida das empresas transnacionais, seus investidores e parceiras comerciais a efetiva responsabilidade pelas atividades que impactam negativamente a vida das pessoas e dos ecossistemas. O colapso climático está batendo à porta e, em alguns casos, já está “sentado no sofá da sala”. O que vai ser do nosso presente? Haverá futuras gerações?

É importante relembrar que a Samarco, proprietária da barragem de rejeitos que entrou em colapso e rompeu em Mariana, era um empreendimento conjunto das mineradoras multinacionais Vale e BHP Billiton, esta última uma corporação anglo-australiana. Ambas são corporações transnacionais com negócios em vários países. 

Em relação à ruptura da barragem de rejeitos ocorrida em Brumadinho, a subsidiária no Brasil da empresa alemã Tüv Süd atestou a segurança da barragem de rejeitos que se rompeu, emitindo um laudo que afirmava que a barragem estava estável, poucos meses antes de ela romper. 

Os projetos de extração de ferro “Apolo” e “Serra da Serpentina”, com processos de licenciamento em curso iniciados entre 2021 e 2022, são prova inconteste de que a companhia transnacional Vale descumpre compromissos internacionais, porque tais empreendimentos, pretendidos em Minas Gerais, causariam impactos irreversíveis na biodiversidade, nos aquíferos subterrâneos e áreas de recarga hídrica, com graves implicações no clima e na vida das populações.

Por isso, é muito importante que o Parlamento Europeu atue para que empresas com sede na Europa não comprem e não financiem empresas que descumpram princípios éticos, violem direitos, coloquem em risco o meio ambiente, a vida da população e a segurança hídrica e que contribuam para o agravamento da crise climática.

Sabemos que há parlamentares europeus sensíveis à causa e que defendem a vida e o Planeta – a nossa Casa Comum –, entre eles Maria Arena. Com satisfação, pudemos ouvir a parlamentar manifestar-se em apoio às nossas demandas, afirmando que as empresas envolvidas na tragédia de Brumadinho têm responsabilidade pelo que aconteceu. Solidária, a presidente da subcomissão do Parlamento Europeu verbalizou: “infelizmente, não vamos poder trazer de volta as pessoas que morreram. Mas, pelo menos, podemos evitar que catástrofes como essa não ocorram de novo no futuro”. 

Nós, hoje reunidos no Instituto Cordilheira, atuamos há anos alertando e denunciando a situação e os riscos da mineração em Minas Gerais, mas as autoridades e as empresas têm prosseguido com a irresponsabilidade. 

Realmente, não dá para retroceder no tempo e trazer de volta os entes queridos que se foram e a natureza devastada. Por isso, temos o dever moral de continuar agindo em busca da devida responsabilização e da não repetição, sem perder as esperanças, porque defender a natureza, os seres humanos e outros modos de ser e de viver é o único caminho a trilhar para a sobrevivência da vida no planeta Terra.

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