O legado anticolonialista de Patrice Lumumba

Há 60 anos, líder da libertação congolesa e defensor do pan-africanismo foi assassinado em conchavo entre EUA e Bélgica. Seu crime: lutar pela nacionalização dos recursos minerais de seu país. Como os movimentos atuais ressoam sua luta

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Por Georges Nzongola-Ntalaja, no The Guardian | Tradução: Gabriela Leite

Patrice Lumumba, a primeira pessoa eleita legalmente para o cargo de primeiro-ministro da República Democrática do Congo (RDC), foi assassinado há 60 anos, no dia 17 de janeiro de 1961. Esse crime hediondo foi a culminação de dois planos de execução inter-relacionados, executados pelos governos norte-americano e belga, que se serviram de cúmplices congoleses e de um esquadrão de execução belga.

Ludo de Witte, autor belga do melhor livro que trata desse crime, o qualifica como “o assassinato mais importante do século XX”. A importância histórica da execução tem base em múltiplos fatores. Os mais importantes são o contexto global em que ocorreu, seu impacto na política congolesa desde então e todo o legado deixado por Lumumba como líder nacionalista.

Por 126 anos, os EUA e a Bélgica foram os principais responsáveis por moldar o destino do Congo. Em abril de 1884, sete meses antes do Congresso de Berlim, os EUA tornaram-se o primeiro país do mundo a reconhecer a reivindicação do Rei Leopoldo II da Bélgica sobre os territórios da bacia do Congo.

Quando as atrocidades relacionadas à exploração econômica brutal no Estado Livre do Congo de Leopoldo resultaram em milhões de vítimas, os Estados Unidos juntaram-se a outros poderes globais para forçar a Bélgica a assumir o controle do país como uma colônia regular. E foi durante o período colonial que os EUA adquiriram uma participação estratégica na enorme riqueza natural do Congo, após a utilização de urânio das minas congolesas para a fabricação das primeiras armas atômicas, as bombas de Hiroshima e Nagasaki.

Com a eclosão da Guerra Fria, era claro que os EUA e seus aliados ocidentais não deixariam os africanos tomarem controle efetivo sobre suas matérias-primas estratégicas, pois poderiam cair nas mãos dos inimigos no campo soviético. Foi nesse contexto que a determinação de Patrice Lumumba de alcançar a independência genuína e obter o controle total sobre as fontes naturais do Congo, para que pudesse utilizá-las para melhorar as condições do nosso povo, foi percebida como ameaça aos interesses ocidentais. Para enfrentá-lo, os EUA e a Bélgica usaram todas as ferramentas e recursos disponíveis, incluindo o secretariado da ONU, sob Dag Hammarsjöld e Ralph Bunche, para comprar o apoio aos rivais congoleses de Lumumba, além de contratar assassinos.

No Congo, o assassinato de Lumumba é corretamente enxergado como pecado original do país. Aconteceu menos de sete meses após sua independência (em 30 de junho de 1960), foi uma pedra no meio do caminho dos ideais de união nacional, independência econômica e solidariedade pan-africana que Lumumba defendia, bem como um golpe destruidor à esperança de liberdade e prosperidade material de milhões de congoleses.

O assassinato aconteceu em um momento no qual o país tinha cindido em quatro governos separados: o governo central em Kinshasa (então Léopoldville); um governo central rival formado pelos seguidores de Lumumba em Kisagani (então Stanleyville); e os regimes secessionistas nas províncias ricas em minérios de Katanga e Kasai do Sul. Como a eliminação física de Lumumba removeu o que o ocidente via como principal ameaça a seus interesses no Congo, esforços liderados internacionalmente foram empreendidos para restaurar a autoridade do regime moderado e pró-ocidente em Kinshasa sobre o país inteiro. Isso resultou no fim do regime lumumbista em Kisangani em agosto de 1961, na secessão de Kasai do Sul em setembro de 1962 e na separação de Katanga em janeiro de 1963.

Mal esse processo de unificação terminou, logo surgiu um movimento social radical pela “segunda independência”, para desafiar o estado neocolonial e sua liderança pró-Ocidente. Esse movimento de massas formado por camponeses, trabalhadores, desempregados urbanos, estudantes e servidores públicos inferiores encontraram uma liderança inflamada entre os tenentes de Lumumba, muitos dos quais haviam se reagrupado para estabelecer um Conselho de Libertação Nacional (CLN), em outubro de 1963, em Brazzaville, do outro lado do rio Congo, em Kinshasa. Tanto a força quanto a fraqueza desse movimento podem servir como sinal do legado geral de Patrice Lumumba para o Congo e a África como um todo.

O aspecto mais positivo desse legado se manifestou na devoção abnegada de Pierre Mulele à mudança radical, com o propósito de atender às aspirações mais profundas do povo congolês por democracia e progresso social. Por outro lado, a liderança CLN, que incluía Christophe Gbenye e Laurent-Désiré Kabila, estava mais interessada em poder e em seus privilégios do que no bem estar da população. Isso é o lumumbismo em palavras, não em ações. Eleito presidente três décadas depois, Laurent Kabila [assassinado em 2001], fez pouco para transformar as palavras em ações.

O mais importante e o maior legado que Lumumba deixou ao Congo é o ideal de unidade nacional. Recentemente, uma rádio congolesa me perguntou se a independência do Sudão do Sul deveria ser motivo de preocupação. Respondi que, uma vez que Patrice Lumumba morreu pela unidade do Congo, nosso povo permanecerá firme na defesa de nossa unidade nacional.

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