Chile: Hora de a esquerda sair da defensiva
Quando prefeito de Recoleta, Daniel Jadue mostrou que “o mercado não é um direito natural”: criou farmácias, livrarias e até imobiliárias populares. Por isso, foi perseguido e preso. Aqui, analisa engrenagens do lawfare e a necessidade de criar “campo popular ofensivo”
Publicado 21/08/2025 às 17:58 - Atualizado 21/08/2025 às 20:06

Daniel Jadue em entrevista a Ubiratan de Souza
O uso do lawfare como arma política contra os governos populares e progressistas marcou a América Latina no último período. Como prefeito do município de Recoleta, o senhor criou um sistema alternativo ao Estado Subsidiário de Pinochet, que inclui: farmácias populares, ótica popular, imobiliária popular, livraria popular, escola aberta, Universidade Aberta. Que importância o senhor atribui às políticas sociais desenvolvidas por seu governo para sua inclusão como alvo preferencial do lawfare no Chile?
O lawfare no Chile, como em toda a América Latina, não é um fenômeno isolado, mas uma estratégia sistemática do bloco no poder para desarticular qualquer tentativa de questionar a ordem neoliberal herdada da ditadura de Pinochet. Em Recoleta, o que fizemos foi demonstrar que outro Chile é possível, mesmo dentro das limitações de um marco jurídico e político profundamente hostil.
Quando abrimos a Farmácia Popular, a Ótica Popular, a Livraria Popular, a Imobiliária Popular, a Escola Aberta ou a Universidade Aberta, o que fizemos foi romper a lógica do Estado subsidiário: deixamos claro que o mercado não é um direito natural, mas um mecanismo de saque, e que os municípios, se ficarem do lado de seu povo, podem garantir direitos que o Estado neoliberal nega.
Isso nos tornou um alvo. Porque o que está em jogo não é minha figura pessoal, mas o exemplo que Recoleta significa: a prova viva de que o neoliberalismo é uma mentira. Por isso, usam o lawfare contra mim porque não suportam que se mostre ao povo que a dignidade pode ser política pública e não mercadoria.
Os interesses imperialistas parecem hoje combinar o uso do lawfare para o controle da América Latina com políticas mais agressivas e diretas, como sanções e pressões militares. Qual é o papel da integração regional e da construção de um polo contra-hegemônico nesta nova fase?
Hoje vemos como os interesses imperialistas combinam o lawfare com sanções econômicas, bloqueios financeiros, golpes parlamentares e até ameaças militares. Não há ingenuidade possível: eles buscam manter a América Latina subordinada, como reserva de recursos e mão de obra barata.
Diante disso, a única resposta possível é a integração regional e a construção de um polo contra-hegemônico. A CELAC, a UNASUR, a ALBA, a Petrocaribe, e outras tentativas que já conhecemos, devem voltar a se levantar com força.
Mas não bastam governos progressistas isolados; precisamos de uma arquitetura de poder popular regional, que inclua mecanismos financeiros próprios, intercâmbio solidário de energia, alimentos, tecnologia e ciência, e uma defesa comum contra a agressão imperialista. Em outras palavras: ou somos capazes de nos unir como bloco soberano, ou voltaremos a ser reféns das corporações, do FMI e da OTAN.
Com base na experiência da campanha de solidariedade pela liberdade e justiça realizada em seu favor, qual é o papel da mobilização popular para enfrentar o lawfare e quais são os desafios do campo popular para retomar a ofensiva e o protagonismo no Chile e na América Latina?
Minha própria experiência demonstra: sem a mobilização popular, sem a solidariedade internacionalista, sem os milhares que saíram para denunciar a perseguição, o lawfare me teria enterrado politicamente em silêncio. O poder judiciário, a mídia e a elite política trabalham de maneira coordenada para destruir as alternativas populares. Somente a organização do povo pode romper esse cerco.
O desafio central hoje é recuperar a iniciativa política, superar a fragmentação e voltar a construir um campo popular ofensivo, não defensivo. Precisamos de articulação continental dos movimentos sociais, sindicatos, organizações feministas, indígenas, juvenis. E precisamos de nossos próprios meios de comunicação para disputar o senso comum e não deixar que o inimigo defina a agenda.
Por fim, quero trazer a solidariedade do PT, da esquerda e do povo brasileiro e reforçar a denúncia do lawfare contra Daniel, realizado devido às suas conquistas a favor dos menos favorecidos. Por isso, nossa luta de solidariedade internacionalista pela liberdade e justiça para Daniel Jadue #JadueLivre #JustiçaParaJadue.
Recebo com enorme gratidão a solidariedade do PT, da esquerda e do povo brasileiro. A luta contra o lawfare que hoje me atinge no Chile não é apenas minha: é a mesma que Lula enfrentou, a mesma que Cristina enfrentou, a mesma que os líderes populares de toda a América Latina sofrem.
O que buscam com o lawfare é encarcerar não pessoas, mas projetos. Por isso, nossa resposta deve ser internacionalista. A palavra de ordem #JadueLivre ou #JustiçaParaJadue não fala de um indivíduo, mas da defesa da possibilidade de construir alternativas ao neoliberalismo em nosso continente. Agradeço profundamente o apoio e reafirmo: enquanto houver um povo disposto a lutar, não haverá juiz nem promotor que consiga silenciar a esperança. Nossa causa não é pessoal, é coletiva, e se chama dignidade.
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