Os judeus que querem punir Israel
Uma campanha internacional pede sanções imediatas contra Tel-Aviv. É a única saída para chegar à paz, dizem os signatários — todos judeus. Denunciam a inércia da ONU e o bloqueio midiático no país, que esconde a barbárie. Governo Netanyahu move-se para criminalizá-los
Publicado 26/11/2024 às 17:53
Yaël Lerer em entrevista ao Mediapart | Tradução: Rôney Rodrigues
As sanções são necessárias, afirma chamado, como a única forma de deter a corrida louca do Estado de Israel para a violência, uma vez que isso foi pouco foi tentado até agora.
“Nós imploramos: salve-nos de nós mesmos! Exerçam uma pressão internacional real sobre Israel para um cessar-fogo imediato e permanente”: esta é a conclusão do chamado dos “cidadãos israelenses para uma pressão internacional real sobre Israel”, assinado até agora por milhares de israelenses, para além do setor habitual da “esquerda radical”, e publicado pelo Libération e The Guardian.
Esta demanda sem precedentes de envolvimento da comunidade internacional – “as Nações Unidas e as suas instituições, os Estados Unidos, a União Europeia, a Liga Árabe e todos os países do mundo” – reflete a urgência sentida pelos signatários.
As sanções são necessárias, afirma o chamado, como a única forma de deter a corrida louca do Estado de Israel para a violência, uma vez que muito pouco, demasiadamente pouco, foi tentado até agora.
Mediação? O Catar jogou a toalha e suspendeu a sua mediação até que o Hamas e Israel demonstrem “vontade e seriedade”.
Resoluções internacionais? A resolução de 10 de junho de 2024, proposta pelos Estados Unidos e aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, sobre um cessar-fogo trifásico adormece nas gavetas de decisões que nunca foram implementadas. As ordens do Tribunal Internacional de Justiça, de janeiro e maio, não fizeram o governo israelita nem os estados que o apoiam mudarem algo.
Mediapart conversou com Yaël Lerer, editora franco-israelense, tradutora e candidata da Nova Frente Popular (NFP) nas eleições parlamentares contra Meyer Habib (membro de Les Républicains e amigo de Netanyahu), e articuladora do chamado.
O apelo “cidadãos israelenses para uma verdadeira pressão internacional sobre Israel” dirige-se à comunidade internacional e apela a “todas as sanções possíveis” contra Israel. A que se deve esse chamado?
Estive em julho em Israel, meu país com o qual nunca rompi laços, onde tenho toda a minha família e onde continuo comprometida. Era insuportável, irrespirável. A sociedade israelense está em uma deriva muito grave. A maioria não está claramente consciente do que nós, israelense, estamos fazendo em Gaza. Não compreendem o aspecto genocida do que estamos fazendo em Gaza. A mídia israelense não mostra nada, além da ruína ocasional, dizendo que o exército está matando líderes do Hamas, e ponto final. Esta deriva da sociedade israelense é tão forte que nenhuma mudança pode vir de dentro. É necessária uma ação externa.
Há mais de um ano, todas as manhãs, quando acordo e olho as redes sociais, vejo dezenas de pessoas assassinadas na Faixa de Gaza, e agora no Líbano. Os soldados israelenses também morrem em vão. O urgente é deter tudo isso já. Agora. Para que amanhã não acordemos com mais cem pessoas bombardeadas até à morte, queimadas vivas dentro de tendas. Mas os israelense que se opõem à guerra, tal como os signatários deste chamado, são minoria. E estamos desesperados. Precisamos ser salvos de nós mesmos.
Seu apelo já reuniu 3.600 assinaturas. Você encontrou um eco fora dos círculos habituais perto da extrema esquerda?
É a primeira vez que um pedido de sanções vai além dos habituais signatários da “esquerda radical. Já assinaram professores eméritos que não necessariamente foram militantes durante a carreira, um ex-embaixador, um ex-procurador-geral, parentes de reféns e até pessoas assassinadas no dia 7 de outubro.
Em breve chegaremos a 3.700 assinaturas. Um terço dos signatários vive no estrangeiro, principalmente na Europa. É importante enfatizar que dois terços dos que assinaram vivem em Israel. E não é fácil assinar um chamado como este. Até agora, muitos dos signatários pensavam que a mudança poderia vir de dentro, que jogar o jogo democrático – manifestando-se e votando, ou fazendo campanha pela paz, pelo diálogo e pela coexistência – seria suficiente. Hoje eles sabem que a mudança não virá de dentro.
Existem poucos palestinos que são cidadãos de Israel. Recebi muitas mensagens de apoio, mas é muito difícil para elas assinarem. Muitos foram detidos e encarcerados por simples mensagens nas redes sociais.
Que tipo de sanções poderiam ser impostas e quão eficazes seriam?
Israel não é a Rússia; não se pode travar uma guerra isoladamente. Precisa de outros países para travar esta guerra. Sem os Estados Unidos, sem a União Europeia, a guerra não poderia continuar nem mais um dia. Sem os Estados Unidos porque são os Estados Unidos que fornecem as bombas, embora estas venham da Alemanha, Itália e Grã-Bretanha. Israel não produz caças ou mísseis. Precisamos de um embargo de armas.
Mas o apoio não é apenas militar. O principal parceiro comercial de Israel é a União Europeia. Nos termos do Acordo de Associação, Israel é tratado quase como um Estado europeu e desfruta dos mesmos benefícios. Este acordo de associação deveria ter sido automaticamente cancelado devido a violações dos direitos humanos, mas continua em vigor.
Por seu lado, os israelenses não compreendem o que está acontecendo na Europa. Quando vêem que o presidente francês e os seus dois antecessores, de direitas e de esquerdas, estão no palanque num jogo França-Israel, pensam que tudo está indo bem. Eles sentem que estão lutando pelo Ocidente. Netanyahu disse: “Nós travamos uma guerra por vocês contra a barbárie”, e os israelenses acreditam.
Por que não houve sanções até agora?
Os europeus não compreendem o que está acontecendo em Israel. Existe uma visão de Israel como um Estado democrático, quando este não é o caso, e a maioria da população, especialmente os jovens, considera absolutamente normal que o Estado de Israel seja um Estado judeu para judeus e que outros cidadãos, não-judeus, não têm os mesmos direitos. Tenho a impressão de que esta noção de Estado judeu tem sido considerada como algo simbólico. Mas não há nada de simbólico nisso, aplicam-se leis diferentes.
Aqui na Europa, vemos os grandes escritores, artistas, cineastas que leem o Haaretz, que é um jornal liberal no sentido político e cujas opiniões são muito minoritárias, e têm a impressão de que Israel é isso. Mas não é nada disso. Na minha opinião, nem 2% dos israelenses leem o Haaretz.
Que reações este apelo provocou?
Em Israel, um deputado prometeu apresentar um projeto de lei para demitir os professores universitários que assinaram o apelo. E o ministro da Justiça, Yariv Levin, escreveu ao consultor jurídico do governo pedindo-lhe que examinasse um projeto de lei que prevê penas de prisão de dez anos para qualquer pessoa que peça sanções contra Israel, que seriam aumentadas para vinte anos em tempo de guerra.
Na comunidade internacional, ouvimos alguns pequenos ecos nos círculos diplomáticos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, mas até agora nada em França. No entanto, é urgente. As sanções deveriam ter sido adotadas ontem!