Lafuente: As brechas para descolonizar a Ciência

Ela tornou-se prepotente e nebulosa: serve ao comum ou às corporações? Como reconectá-la aos anseios coletivos, implodir catracas e apostar em novas lógicas de compartilhamento? Há alternativas, demonstram insurgências científicas e cidadãs

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Antonio Lafuente em entrevista a Rôney Rodrigues

— Semana passada, durante um jantar, me desafiaram a escrever um texto que se chamaria O fim da Ciência — diz Antonio Lafuente, 69, físico espanhol que mergulhou nos estudos sociais para tentar responder não apenas o que é Ciência, mas também como descolonizá-la, principalmente a partir dos conhecimentos profanos. E, nessa empreitada, coleciona críticas daqueles que classifica, com mal disfarçada acidez, como “beatos da Ciência”. Mas não se ressente, assegura-me, sabe que vislumbrar outros mundos implica comprar brigas, sem medo de tropeçar.

Lafuente é pesquisador do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, a terceira maior agência de fomento da Europa, e dirige o Commons Labs no MediaLab-Prado de Madri, onde investiga inovações em questões complexas como o corpo, a natureza, a cidade e o meio digital a partir da ideia de Procomún: “aquilo que é de todos e de ninguém ao mesmo tempo” – você pode conferir aqui os artigos que ele publicou em Outras Palavras. Portanto, conhece por dentro a cultura acadêmica que tende a ver apenas a aprovação ou o rechaço como únicas relações significativas com a produção científica. Se não for para endossar, cale-se; se quiser criticar, torne-se um cientista, parece bradar parcela dos pesquisadores, com prepotência caduca, depreciando a divergência como instrumento-chave na formação coletiva de asserções científicas.

Os sintomas desse cesarismo acadêmico, temperado pela crise civilizatória que atravessamos, não requerem potentes microscópios – estão por aí, a olho nu: governos que desprezam a participação ativa da cidadania na Ciência e implodem canais de diálogo; extrema direita que alimenta negacionismos para descredibilizá-la; mídia que louva acriticamente as maravilhas tecnológicas e científicas; e uma sensação desnorteadora: já não sabemos se os cientistas servem às corporações ou ao bem comum – e a pandemia, com a renitência da OMS e da Big Pharma em quebrar patentes das vacinas, só escancarou isso.

Enfim, estávamos prestes a inquirir o pesquisador espanhol sobre como ele imaginaria O dia em que a Ciência acabou.

— E seria mais pro lado das utopias ou das distopias? — É uma tarde fria e nublada de maio em São Paulo e Lafuente visitava a cidade para ministrar um seminário na PUC sobre a Ciência por amor, conceito que, de acordo com o release, explora “as economias políticas do conhecimento que não são dominadas pelos imaginários do autor, do especialista e do proprietário”.

— Sabe aquela máxima de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? — fustiga ele. — O jogo estaria aí: pensar que o fim da Ciência pode ter a mesma dificuldade; talvez até maior. Há muita gente imaginando isso ou, ao menos, de uma certa noção de Ciência.

Em sua análise, três efervescências modernas fornecem pistas para pensar um possível, embora árduo, fim da Ciência – ou, dito em outros termos, para a superação do mito iluminista de que o saber científico é objetivo e limitado a certa comunidade intelectual, cujas consequências sociais e políticas são blindadas de escrutínio. A primeira é a de Ciência Aberta, que desafia o academic capitalism e propõe o conhecimento sem catracas. A segunda refere-se aos protestos dos cientistas do clima que floresceram nos últimos anos: cansados do descaso do poder público, eles convocam a população à ação conjunta. E, por fim, a rebelião dos idiotas, grupos marginalizados do debate público, mas que, mesmo assim, arregaçam as mangas em busca de soluções aos dilemas que vivem, propondo uma nova forma de organizar a relação entre aqueles que sabem e aqueles que não sabem.

— Quer ver só? — continua Lafuente, entusiasmado pela demolição de paradigmas já ultrapassados. — Quais imagens vêm a sua cabeça quando se fala em Ciência?

Em vez de uma resposta inteligente, opto pela perigosa via da sinceridade.

— Jalecos, microscópios, tubos de ensaio…

— Sim, muitas imagens arquetípicas — diagnóstica ele. — [Ailton] Krenak fala que há muitos mundos morrendo, mas outros nascendo. Isso diz algo sobre o fim da Ciência: é preciso formular outras maneiras de fazer perguntas e de imaginar a produção de conhecimento. A Ciência terá que reconhecer que há muita sabedoria em formas não-canônicas de habitar o mundo. Terá que se abrir ao diálogo e à prática e, por que não, para metodologias cujos resultados podem ser incertos…

Isso não é pitaco ou mera elucubração de um pesquisador que mergulhou em pilhas de tratados de ontologia científica, mas expressa sua visão que busca condensar – pelo amor à Ciência e ao Comum – uma gama de conceitos em ebulição, formulados por diversos pensadores mundo afora, tais como o de Ciência Popular, Aberta, Militante, Informal e Colateral, sempre em diálogo estreito com movimentos sociais e os novos ativismos contemporâneos. E as iniciativas nesta direção são fartas nas últimas décadas, como mostra Lafuente em seus artigos.

Vamos a algumas delas. Os franceses afligidos por miopatias que, diante da recusa do Estado e do mercado em ouvi-los, se organizaram, arrecadaram recursos e apostaram em pesquisas baseadas na cooperação entre cientistas e pacientes. Os infectados pelo HIV que se mobilizaram para combater os estigmas, transformar a relação médico-paciente e exigir robustos investimentos públicos em pesquisas sobre o vírus e novos tratamentos contra a AIDS. As feministas que reivindicaram novas abordagens ao câncer de mama, com ênfase na prevenção e na conscientização sobre fatores de risco. Os físicos nucleares de diversas nacionalidades que se negaram a ser cúmplices de novas Hiroshima e Nagasaki. Os hackers japoneses que, diante do acobertamento dos reais impactos do desastre de Fukushima, distribuíram contadores Geiger de baixo custo para a população medir a radioatividade. O caso de Love Canal; a militância de Erin Brocovich; as batalhas para desmascarar o lobby da indústria do tabaco; os movimento antinucleares e contra a manipulação genética; as articulações para denunciar experimentos cruéis com animais; para desmontar a farsa da “revolução verde” baseada no uso do DDT; e para desnaturalizar a proliferação de produtos transgênicos nas prateleiras dos supermercados; as greves globais promovidas pela juventude contra as mudanças climáticas; a recente conscientização sobre as doidivanas ambições da geoengenharia: modificar o ângulo de rotação do eixo da Terra…

— Podemos começar a entrevista, quando quiser — sugere o pesquisador.

Está bem. Primeiro, uma provocação: o senhor seria um anti-iluminista?
Não, em absoluto. Eu penso o contrário, que estamos assistindo a uma Segunda Ilustração. Se na primeira, de certa maneira, conseguimos nos libertar da tutela da Igreja e da nobreza, agora precisamos nos libertar das grandes corporações, o que implica em formas diferentes de construir a autoridade e as alianças entre a população e aqueles que a governam. Eu, portanto, defendo a necessidade de uma Segunda Ilustração.

Nesta Segunda Era da Luzes poderíamos então construir o Século dos Comuns? Ou seria muito peremptório falar isso?

Quando mais rápido imaginarmos outros mundos possíveis mais rápido conseguiremos dar-lhe forma. Nunca é cedo para se atrever a compartilhar ou, como diria Kant, para transitar do sapere aude (atreva-se a saber) ao dare aure (atreva-se a compartilhar). A Segunda Ilustração só poder ser o Século dos Comuns ou, dito em outras palavras, um mundo construído entre todos – e não só para todos, que é o sonho da social-democracia.

Muitos tentam explicar o avanço do negacionismo científico no mundo. Alguns apontam que ele seria produto de grupos minoritários que, instrumentalizado pela ultradireita, ganharam voz através das redes sociais. Outros, que ele representa uma ânsia, ainda que alienada, de participar do debate público. E você, como vê esse problema – complexo, mas que parece minar o debate público?

O negacionismo científico é expressão do fracasso das políticas públicas de comunicação da Ciência, pois os governos têm consciência de que a população pode se rebelar e colocar em xeque investimentos gigantescos. Há vários exemplos, o mais importante é a moratória nuclear: a cidadania freou a instalação de novas usinas nucleares em todo o mundo. Quando os transgênicos surgiram, a população duvidou de seus reais benefícios e, em alguns países como a França, ela exigiu a retira de produtos transgênicos das prateleiras dos supermercados. O mais curioso, no entanto, é que países como Alemanha e Holanda, que têm sistemas educacionais considerados mais desenvolvidos, apresentam índices alarmantes de negacionismo em relação às vacinas. Ou seja, não foram capazes de se conectarem com a cidadania – ou a tratam com visões paternalistas. O negacionismo, portanto, é um problema dramático, já que os governos não construíram uma política de comunicação que dialogue de fato com a população.

O senhor tece críticas a incipiente e deslumbrada cobertura da imprensa sobre a Ciência. Quais os caminhos para avançar num olhar mais crítico e plural no tema, principalmente nos meios alternativos de comunicação?

Não é uma pergunta fácil, mas confesso que há muito tempo estou tentando pensar alguma coisa inteligente a esse respeito. Em primeiro lugar, eu acredito que a Ciência, assim como acontece com a arte e a economia, com o teatro e o cinema, deveria ter uma crítica. Não se espera que críticos de cinema se apaixonem de todos atores, atrizes e roteiros; há filmes que merecem elogios, outros nem tanto. Os jornalistas, portanto, não podem ser um exército de beatos da Ciência, dispostos apenas a nos contar as maravilhas e as grandezas da Ciência, o que são indiscutivelmente muitas. O que precisamos é de profissionais que nos ajudem – a partir daquilo que globalmente chamamos de crítica – a compreender o impacto do conhecimento sobre a vida coletiva. Isso exige analisar os motivos de não haver aparecido uma cultura científica capaz de construir uma outra relação entre instituições, profissionais, sistemas de avaliação e de alocação de recursos públicos que nos permita entender por que algumas coisas são pesquisadas e outras não. Por que há cientistas prestigiados e outros sem visibilidade? Por que as universidades operam, em termos gerais, como espaço de conforto – e se isolam de seus entornos, como se não lhes importassem o que acontece nas ruas? Alguém deveria se encarregar dessa tarefa – com respeito, carinho e, se preferir, com amor. Mas a grande imprensa e a TV são espaços de elogios intermináveis da prática científica quando um fato torna-se difícil de negar: já não sabemos se certos cientistas trabalham a serviço do bem comum ou dos interesses das corporações. A carência de uma crítica da Ciência é ostensiva – e não me refiro a críticos-palpiteiros, mas a pessoas que possam nos ajudar a pensar o papel da Ciência em nosso mundo.

Ou seja, o desafio é hercúleo, mas necessário e possível…

É, apesar de sermos muito monitorados. Coisas que eu digo com frequência sobre esse tema são logo taxadas como “suspeitas” e, às vezes, sou até tratado como uma pessoa que não ama a Ciência ou que tem alguma desavença com as universidades, o que não é verdade. Eu dediquei a minha vida, ou boa parte dela, a ler sobre Ciência. Sou um cientista, mas isso não pode me converter em um beato da Ciência, pois acredito que podemos construir uma relação adulta com a Ciência para pensar e discutir os assuntos mais dramáticos e urgentes que estão sob a incumbência dos cientistas.


E isso, necessariamente, passa por aquilo que o senhor, em artigo publicado em Outras Palavras, chamou de rebelião dos idiotas?
Eu uso a palavra idiota em um sentido particular, com muito fundamento do ponto de vista filológico e etimológico. Os gregos chamavam de idiotas todos aqueles que não sabiam falar bem a língua grega e, portanto, não seriam capazes de se expressar no espaço público. Hoje, a quantidade de idiotas em nosso mundo prolifera. Não para de crescer porque também não para de existir discursos que nos obrigam a ser obedientes e tomar excessivas precauções antes de tomar a palavra em público, pois estaríamos permanentemente sendo observados e expostos a filtros para impedir que falemos. Mas, por outro lado, muitos daqueles que são tachados de idiotas conseguiram criar movimentos e pequenas infraestruturas para se fazerem visíveis no espaço público, reivindicando suas capacidades de interlocução para produzir conhecimentos que não podemos mais desprezar.

São imensas camadas da população subvalorizadas, sem títulos formais, que falam fora dos pilares dos conhecimentos reconhecidos – e, mesmo assim, elas são capazes de se organizarem e dar forma a suas ideias e experiências. Produzem uma rebelião de idiotas e ampliam sensibilidades e outros olhares, pois ao formularem perguntas diferentes chegam a novas respostas. Isso está associado a duas outras rebeliões que ganham muita expressão na pandemia. A primeira é a noção de Ciência Aberta: muitos acadêmicos, diante da situação de emergência global, começaram de forma espontânea a publicar artigos e pesquisas sem submetê-los aos controles de qualidade que estavam habituados. A ideia, talvez inspirada pela cultura hacker, era: não espere ter tudo finalizado para se comunicar; abra o conhecimento; outros poderão aperfeiçoá-lo.

A outra foi a rebelião dos cientistas do clima, diante de governos que os ignoram. Afinal, eles não param de participar de reuniões infrutíferas, de produzir informes e de publicar papers, mas os governos parecem não reagir. Em um manifesto, eles convocam a cidadania a se rebelar também, a sair às ruas para apoiá-los. Pela primeira vez, cientistas e acadêmicos não pediam apoio para organizações internacionais ou para seus respectivos governos, mas reivindicavam um novo protagonismo para a população e a presença dos movimentos sociais no espaço público. Parecem dizer: ou os idiotas no salvam ou continuaremos a marcha em direção à catástrofe.

Nesta visita ao Brasil, o senhor abordou a Ciência por amor, uma ideia que pode ser potente para a dessacralizar a produção tecnocientífica – e abrir caminhos aprofundar a democracia e buscar soluções criativas e voltadas às maiorias à crise civilizatória. Como essas ideias podem inspirar – ou já inspiram – a disputa política e científica pelo pós-pandemia?

Eu chamo de Ciência por amor o esforço de pensar o que a Ciência deve para a cidadania. O que a sociedade deve à Ciência é algo indiscutível: vemos o impacto e a presença das descobertas científicas e tecnológicas em cada canto do mundo. Isso me encanta – e fazemos muito bem em reconhecer e respeitar as pessoas que contribuem para nossas vidas sejam, ao menos, um pouco melhores. Porém, sabemos pouquíssimo sobre o que a Ciência deve à cidadania, embora haja uma enorme quantidade de exemplos – antigos e modernos, em todos os âmbitos do saber – de como cidadãos deram contribuições notáveis para melhorar nossos corpos, nossas cidades, para gerir a Medicina e os recursos públicos para a produção de conhecimento. Enfim, para melhorar o mundo.

Como pensar políticas públicas, pois o Estado é o principal indutor de produção científica, que sejam democráticas, envolvam movimentos populares e a sociedade, e sirvam para superar desigualdades – e gerar riquezas e bem-estar às maiorias?

Um caminho seria a Ciência Aberta, um movimento geral que a cada dia ganha mais prestígio e aliados no mundo. Porém, muitos se conformam apenas em abrir dados e conteúdos científicos, situando-os na rede de forma gratuita para que, assim, todos tenham acesso à informação. Evidentemente, isso é defensável justamente pelo fato que você ressaltou: a maior parte da produção de conhecimento é financiada com recursos públicos e, portanto, não deveria ser propriedade de megacorporação. Deveria, sim, ser propriedade pública e, defendo mais ainda, um Comum.

Mas limitar a Ciência Aberta a abrir os conteúdos e dados me parece pouco. É preciso abrir também os contextos, ou seja, os espaços onde as decisões significativas são tomadas, o que implica em políticas científicas. Como as prioridades da Ciência são determinadas? Como incorporar novas sensibilidades na gestão pública? Essas são questões essenciais e abrir os contextos poderia nos conectar com parte significativa das perguntas formuladas por acadêmicos sobre o que é preciso pesquisar ou aprofundar, além de alocar recursos para outros atores sociais. É conectar a Academia às ruas e praças – à vida cidadã – e isso não implica apenas em diagnósticos, mas também em construir dispositivos de escuta e de acompanhamentos dos problemas – e confiar nos movimentos sociais.

Uma prática política corrente tende a desconfiar das pessoas que vivem muito próximas das feridas das quais o nosso mundo sangra. Elas, às vezes, se expressam com linguagem urgente e até violenta, mas seus problemas existem, independentemente de como eles chegam ao espaço público. O povo que sofre, os atingidos, as “minorias” precisam ser incorporadas na busca de soluções. E isso significa também abrir-se às possibilidades das ontologias: além de conexão com as necessidades da população, é preciso também questionar o chamamos de Ciência.

Há conhecimento em toda parte que continua sendo criticado e subjugado, mas que expressam aquilo que não sabemos, ou o que sequer sabemos pensar, que constitui parte da experiência ordinária das pessoas. É aquilo que chamamos de conhecimento tácito – ou experiencial, ou afetivo, ou ancestral – que é desdenhado por estar “contaminado” de emoções ou religiosidade.

É hora de levarmos a sério as pessoas que sabem muito do que acontece em seus corpos, em suas ruas, em seus mundos, mesmo que elas não saibam tudo – ou não sejam capazes de se expressarem com determinadas terminologias. Cabe-nos o esforço de encontrar inteligência em outras formas de nomear os problemas diante dos dilemas que atravessamos. Centenas de exemplos mostram: os movimentos sociais, mesmo sem equipamentos sofisticados e ultramodernos, conseguem oferecer outros horizontes. A premissa é simples: eles formulam novas questões; e conseguem novas respostas.

E qual o caminho para pressionar a gestão pública a incorporar novas sensibilidades? E mais: aqui no Brasil tem uma canção famosa, que diz que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” – como, então, comunidades marginalizadas, coletivos e movimentos sociais podem atuar desde já para a resolução de seus problemas, que muitas vezes parecem requer conhecimentos científicos hegemônicos?

Quem dera eu soubesse! Quem dera eu fosse capaz de dizer algo inteligente e que não se limitasse a feixes de abstrações! Quem dera fosse fácil sair da zona de conforto! Mas não vou mês esquivar da pergunta, então me desculpe o atrevimento de minha resposta. Eu gostaria de baseá-la em três convicções. A primeira tem a ver com minha confiança nas pessoas, particularmente nesses que “não sabem”. Aqueles que decidem deveriam desaprender o necessário para deixar de vê-los como um obstáculo, uma massa disforme, tutelável e manipulável. Todos e todas, especialmente a universidade e a Administração, devem aprender a escutar, confiar menos nos expertos de diagnósticos que vivem enfurnados nos escritórios e criar dispositivos que nos permitam escutar o clamor surdo da urbe.

A segunda evoca minha confiança nas práticas experimentais. Necessitamos ter mais espaços onde possamos imaginar outros mundos possíveis, que deem condições para construir outras perguntas, que incluam outros atores e admitam a natureza de tentativa, incompleta e provisória, das respostas. Respostas essa cuja finalidade principal seria assegurar o convívio.

A terceira convicção tem a ver com a importância da proximidade como motor da ação política. A proximidade nos permite repensar as práticas econômicas, culturais e políticas de um modo triplamente sustentável: mitiga o desperdício de recursos, incorpora os saberes locais e descentraliza a tomada de decisões. Parece-me indiscutível que o neoliberalismo nos leva direito ao desastre. Também me parece óbvio que não podemos combatê-lo com base em decretos e leis. Para produzir resultados diferentes, teremos que experimentar outras coisas que não surgirão dos laboratórios acadêmicos nem dos escritórios de consulting. Já experimentamos isso e, além de ser muito caro, não funciona. Temos que confiar nas pessoas e criar as condições para que, ao menos experimentalmente, seja possível ensaiar novas linguagens, diferentes perguntas, outras práticas e diferentes propostas. Talvez não sejam tão glamourosas, mas serão mais robustas. Talvez não sejam tão objetivas, mas serão mais hospitaleiras. Temos que proteger o mundo do apartheid da especialização.

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