Energias limpas: por que a América do Sul não lidera?
Rios, luz solar, vento. Terra para biocombustíveis. Nenhuma outra parte do mundo possui tantas oportunidades de superar a civilização do petróleo. Mas avanços sulamericanos ainda são tímidos, talvez pela falta de um projeto claro e da integração regional
Publicado 07/02/2025 às 18:14 - Atualizado 07/02/2025 às 18:16
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Por William Nozaki
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> O texto a seguir integra o número 9 (janeiro de 2025) do boletim do Observatório do Século XXI, parceiro editorial de Outras Palavras. A edição examina a história e as perspectivas geopolíticas e econômicas da América do Sul. Pode ser baixada e lida aqui.
A transição energética compreendida como parte da segurança energética pode alterar o equilíbrio de poder no sistema interestatal nas próximas décadas. Os Estados que possuem acesso a energias renováveis e a tecnologias de descarbonização tendem a se tornar mais visíveis geopoliticamente; já os Estados sem acesso a novas fontes de energia e que são dependentes de exportações de combustíveis fósseis podem se tornar mais tensos. Por um lado, regiões como América do Sul, África Subsaariana e o Atlântico Sul têm despertado maior interesse geopolítico, pois são vistos como territórios com recursos energéticos abundantes e minerais críticos disponíveis. Como se trata de recursos estratégicos, ligados a vantagens naturais, muitas vezes ancorados nas condições do clima, do solo e do mar, do vento e do sol, não se deve negligenciar a conhecida imbricação entre concorrência interempresarial (por novos segmentos de energias renováveis), competição interestatal (por acesso a novas matérias-primas renováveis) e estímulo ao protecionismo e ao expansionismo territorial (por pressão comercial ou por força da guerra).
A procura por áreas verdes como florestas (para replantio e descarbonização), de matérias-primas como soja e milho (para produção de biocombustíveis), de incidência solar, intensidade de ventos e regime hidrológico (para energias renováveis fotovoltaica, eólica e hidroelétrica), assim como a procura por minerais como lítio, cobalto, níquel, cobre, terras raras (para baterias e armazenamento) se tornaram novas arenas de competição geopolítica e territorial. Por outro lado, regiões como Ásia do Leste, China, e o Indo-Pacífico têm concentrado maior poder geoeconômico, dado que tem se consolidado como pólos de desenvolvimento produtivo e tecnológico em energias renováveis.
A busca por liderança em tecnologias de energia renovável, como insumos para biocombustíveis, eletrolisador para hidrogênio, painéis solares, turbinas eólicas, baterias de armazenamento também se tornou nova arena de competição geopolítica e empresarial. Essa mudança acontece, entretanto, em um ambiente econômico em que a demanda por energia deve crescer cerca de 1/3 até 2040, e embora esse aumento conte com a presença do incremento da eletricidade e dos combustíveis oriundos de energias renováveis, os hidrocarbonetos permanecem como a fonte mais importante para a matriz energética primária mundial. Por isso os grandes países produtores e detentores de reserva de petróleo e gás, como EUA, Rússia e o Oriente Médio seguirão sendo espaços determinantes para a geopolítica da energia nas próximas décadas.
Transição energética na América do Sul
Na América do Sul, a maior parte das emissões de carbono por gases do efeito estufa (GEE) acontece por meio de atividades relacionadas à agricultura. O uso e ocupação do solo somado à agropecuária respondem por cerca de 68% das emissões de GEE. O principal problema da região é o desmatamento na Floresta Amazônica.
A América do Sul pode ser considerada uma região comparativamente avançada em termos de transição energética e é rica em recursos naturais que favorecem esse percurso. A Argentina quer explorar os potenciais do gás não-convencional na região de Vaca Muerta, na Patagônia, a maior província de hidrocarbonetos do país. Em conjunto, tem buscado desbravar os potenciais do hidrogênio sustentável e quer expandir a rede de eólica e solar pelas regiões costeiras.
A Bolívia, rica em lítio, busca desenvolver sua indústria de baterias. No setor elétrico, hidrelétricas e projetos solares têm ganhado espaço. Em combustíveis, o país estuda a produção de biodiesel a partir de oleaginosas.
O Chile é pioneiro em energia solar, especialmente no deserto do Atacama, que abriga algumas das usinas solares mais eficientes do mundo. Nos combustíveis, o hidrogênio sustentável e a busca por minerais críticos têm atraído investimentos estrangeiros para o país.
Na Colômbia, a geração de energia renovável é impulsionada pela energia hidroelétrica. O governo tem investido em projetos eólicos e solares na região do Caribe. O setor de combustíveis tem avançado na produção de biodiesel.
O Equador aposta em sua vasta capacidade hidroelétrica e tem estudos para projetos solares na região da Amazônia. Nos combustíveis, o país tem experimentado o uso de etanol em misturas com gasolina.
O Paraguai, com a hidrelétrica de Itaipu, possui uma das matrizes mais limpas do mundo, integralmente oriunda de fontes renováveis. O desafio está em ampliar o uso interno e diversificar para outras fontes, como solar e eólica. Nos combustíveis, o foco está no etanol.
No Peru, as hidrelétricas também dominam a matriz elétrica. O país tem investido na expansão de projetos solares na fronteira com o deserto de Atacama. Em combustíveis, o foco está na substituição do gás natural por biometano em frotas de transporte urbano.
A Venezuela busca diversificar sua matriz elétrica com projetos solares e eólicos em pequena escala, principalmente na região dos Andes. O país também tenta explorar biocombustíveis como alternativa ao declínio de sua produção de combustíveis fósseis.
O Uruguai é um exemplo de transição energética bem-sucedida, com a quase totalidade de sua energia elétrica proveniente de fontes renováveis, como eólica, solar e biomassa. Em combustíveis, o país tem investido na produção de biogás e biocombustíveis.
A Guiana, com recentes descobertas de petróleo enfrenta o desafio de equilibrar a expansão da indústria de hidrocarbonetos e os investimentos em energias renováveis. O Suriname está buscando substituir diesel no transporte por biocombustíveis. A Guiana Francesa, sob administração da França, segue as diretrizes da União Européia e tem incentivado geração solar e biomassa. As Ilhas Malvinas, sob administração britânica, herdam tecnologias do Mar do Norte, e têm buscado substituir geradores a diesel por projetos eólicos.
O Brasil desponta como potencial liderança em transição energética na região. O país possui matriz energética e elétrica com presença significativa de renováveis, é referência em biocombustíveis, tem potencial crescente em solar e eólica. Além de ter a província petrolífera do pré-sal, com grande volume de produção e alta qualidade do óleo extraído, bem como as potencialidades do petróleo na Margem Equatorial.
Em resumo, a América do Sul pode ocupar um espaço privilegiado na geopolítica das energias renováveis. Comparativamente, a matriz energética e a matriz elétrica da região são mais limpas, as nossas emissões de GEE não tem como fonte principal o setor de energia, temos disponibilidade de minerais críticos, estamos avançados em combustíveis sustentáveis e biomassa, temos potenciais em geração elétrica renovável hidroelétrica, solar e eólica.
A região tem potencial para avançar na liderança desse processo. Entretanto, deve sempre atentar para que a transição energética seja uma oportunidade de fortalecimento geopolítico, reinserção externa e utilização dos recursos naturais estratégicos a serviço da transformação produtiva, da reindustrialização e da inovação.
O destino da América do Sul também será jogado no tabuleiro geopolítico da transição energética. Nessa arena se definirá se caminharemos para uma neoindustrialização sustentável ou para um neocolonialismo verde.