Uma radiografia dos impasses no campo

As origens, nos anos 90, da promoção da agricultura familiar. Por que o Estado é mais presente na vida dos camponeses em programas sociais do que em políticas para o campo. E os investimentos modestos de governos progressistas na reforma agrária e na agroecologia…

Foto: Agência Pará
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As primeiras políticas dirigidas ao público específico da agricultura familiar datam dos anos noventa, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. A própria definição deste público era imprecisa até meados daquela década, estando em voga a denominação de “pequenos produtores”, usada pelo movimento sindical dos trabalhadores rurais (CONTAG) e pelo movimento dos sem-terra (MST). Debates intensos nos movimentos sociais rurais levaram à introdução do conceito de agricultura familiar, herdado da sociologia francesa. Esta conceituação acabou adotada na legislação e na formulação de políticas públicas nos anos noventa.

A primeira política proposta pelo governo FHC foi o Programa de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf) que perdura até hoje, atravessando vários governos sem alterações significativas. Este programa tem como premissa um modelo de produção a ser adotado pelo público-alvo de agricultores familiares, modelo esse baseado nos conceitos da chamada “revolução verde”, adotado pelo agronegócio aqui e alhures pelo agronegócio. Os ideólogos do Pronaf imaginavam uma agricultura familiar como uma cópia diminuta das grandes propriedades. A base técnica seria semelhante: plantio de monoculturas, uso de sementes melhoradas por centros de pesquisa e empresas, fertilização química e controle de pragas e invasoras por agrotóxicos. Estes sistemas calcados inicialmente na pesquisa agropecuária convencional da Embrapa seriam também motomecanizados e (idealmente) irrigados.

Embora não tenha sido formulada formalmente na legislação ou nas políticas adotadas, a premissa básica que informou ambas era uma avaliação socioeconômica comum nos economistas de todas as ideologias: a agricultura familiar estava destinada a ocupar um pequeno nicho da economia rural, tal como se deu nos modelos “mais avançados” de desenvolvimento, em particular na América do Norte. O modelo da revolução verde favorecia os ganhos de escala na produção e cobrava altos custos de investimento. Ambos os fatores desfavoreciam a competitividade da agricultura familiar e impulsavam a sua desaparição, salvo em algumas culturas de difícil mecanização, como as hortaliças.

Nos cálculos dos formuladores das políticas, os quase cinco milhões de agricultores familiares existentes no final da década de oitenta estavam divididos entre três categorias: os modernizados e integrados ao mercado, os viáveis (entendidos como os que poderiam se incorporar no primeiro grupo) e os fadados ao desaparecimento.

Sem uma análise apontando os fatores que levavam às situações sociais e econômicas de cada subgrupo, considerava-se que o primeiro grupo seria o objeto mais importante das políticas, visando consolidar uma agricultura moderna empregada por mais ou menos 200 mil agricultores. Os “viáveis” eram avaliados em mais ou menos um milhão, dos quais esperava-se que pelo menos um terço poderia progredir e se integrar no primeiro grupo. Finalmente, cerca de 3,7 milhões, considerados inviáveis, deveriam ser tratados por políticas sociais mitigadoras da sua condição de marginais, esperando que a evolução da economia como um todo abrisse espaço para sua integração em outros espaços e empregos.

Idealmente, o futuro da agricultura familiar seria uma parcela de 2% do emprego de mão de obra, tal como ocorre nos Estados Unidos.

Origens da situação da agricultura familiar antes do Pronaf

Desde a colônia portuguesa, o projeto de desenvolvimento adotado tinha uma matriz capitalista ou protocapitalista: o sistema de cultivo e transformação da cana em açúcar. O Brasil existe porque trabalhadores e capital financeiro foram investidos na exploração das terras da colônia para produzir uma commodity de exportação. Com o tempo, outras commodities foram adotadas, café, algodão, cacau, borracha e marcaram os ciclos da nossa economia enquanto duraram. A mão de obra empregada foi de tipo escravizado, no começo indígena e logo africana.

A produção alimentar ficou subordinada a este objetivo central da economia capitalista/mercantilista, fornecer produtos primários agrícolas aos mercados europeus. Os grandes latifúndios de qualquer destas commodities empregavam parte da sua mão de obra escrava para produzir alimentos para os trabalhadores das plantations.

A base alimentar foi a herdada das culturas indígenas, mandioca, milho, feijões, favas, etc. Por outro lado, os latifúndios expandiram a ocupação do espaço rural através da criação de gado bovino e muar, destinados ao transporte de cargas e à movimentação das moendas dos engenhos de açúcar. O semiárido nordestino foi desbravado por pastores trabalhando sob controle direto ou contratados pelos grandes produtores.

A agricultura familiar no Nordeste vai se formando nas margens das grandes propriedades, com cultivos alimentares dirigidos aos trabalhadores dos latifúndios, mas, sobretudo, para a crescente demanda dos núcleos urbanos. Mesmo nesta escala, o uso de mão de obra escravizada foi importante, suprindo ou complementando a da família.

O marco diferenciador deste processo histórico foi a cultura do algodão, também herdada dos indígenas, e da existência de uma espécie de algodão de tipo arbóreo, endêmico do Brasil, conhecido pelo seu nome tupi de mocó. Sendo uma espécie altamente resistente ao estresse hídrico, o algodão mocó, com suas longas fibras resistentes, era muito valorizado nos mercados europeus.

O cultivo de algodão foi estimulado pelos senhores de terras, sem assumirem a iniciativa de produzi-lo em sistemas de plantations, como na América do Norte. Sistemas de meação foram se generalizando, sendo que os agricultores familiares plantavam em terras dos latifúndios, entregavam metade da colheita de algodão (em casos mais duros, dois terços) e mais o direito de plantar culturas alimentares para subsistência.

Unidades de produção familiar fora dos latifúndios eram exceções à regra, mas foram crescendo pouco a pouco, em geral, pelo desbravamento de terras virgens na direção do oeste. Este movimento desbravador foi sempre recuperado pelo latifúndio, que acabava por se apropriar das terras desbravadas e empurrando os que não queriam se submeter mais para o interior. Esta lógica se manteve até os anos 60.

O primeiro grande marco de política afetando o nosso mundo rural foi a Lei Áurea, de 1988, que deu cabo de séculos de escravatura no país, liberando aproximadamente um milhão de pessoas da servidão. Sem que houvesse qualquer compensação por décadas de trabalho gratuito, os libertos se viram de um dia para o outro nas estradas das zonas rurais, sem emprego, moradia ou alimentação. Uma parcela voltou às fazendas onde trabalhavam, submetidos a condições duríssimas de trabalho pelos antigos donos. Outros marcharam para oeste em busca de terra para plantar e a maioria foi para as cidades, empregando-se nos trabalhos mais duros e mal pagos. Uma parte considerável da agricultura familiar do Brasil deriva deste contingente de ex-escravizados, incluindo os que haviam buscado a liberdade antes da Lei Áurea e formado as comunidades rurais negras conhecidas como quilombos.

Na região Nordeste, os escravizados estavam situados sobretudo na Zona da Mata, trabalhando nas plantations de cana-de-açúcar. No sertão, prevalecia o trabalho livre, quer nos latifúndios (“moradores”), quer nos pequenos espaços da agricultura familiar.

No semiárido controlado pelos grandes criadores de gado, os movimentos das grandes massas desvalidas foram sempre definidos por pressões da natureza, em particular as secas que a cada 50 anos, em média, arrasavam agricultura e criações dos produtores familiares. As “grandes secas” ficaram na história, começando com a pior delas (do ponto de vista do impacto), a dos anos 50 do século XIX, que (estima-se) matou metade da população do sertão nordestino. A cada manifestação mais aguda de seca a reação de sobrevivência foi a migração, gerando um fenômeno de massa de centenas de milhares dos chamados “retirantes” ou “flagelados”, indo buscar trabalho nas zonas rurais do sudeste e sul ou na exploração da borracha na Amazônia, ou ainda na construção civil que explodiu nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo no pós-guerra.

Mas as grandes migrações que se deram a partir dos anos cinquenta do último século tiveram início com a construção de Brasília. A atração dos trabalhadores nordestinos (conhecidos como candangos) para os grandes projetos federais de construção civil (estradas, barragens) prosseguiu nas décadas seguintes. Quer por atração (emprego) ou por expulsão (secas), o mundo rural brasileiro encolheu entre os censos de 1950 e 1970 em perto de 30 milhões de pessoas. Nem todos eram nordestinos, é claro, mas uma boa parte provinha sobretudo dos sertões do semiárido.

O mundo rural brasileiro já estava em transformação, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste. Estimulada pelo governo imperial, a imigração de camponeses europeus (e no começo do século XX, japoneses) vinha num crescendo desde a metade do século XIX, à raiz da crise agrária europeia. Calcula-se que perto de dois milhões de imigrantes chegaram ao Brasil em pouco mais de 50 anos, substituindo o tráfego de escravizados, estancado pela força do Império Britânico. Muitos foram trabalhar nas fazendas de café, mas outros foram encontrando terras para produzir, trazendo novas culturas para o sul, como uva, trigo, cevada, frutas temperadas. Foram a base do setor mais modernizado da agricultura familiar brasileira, talvez porque a crise do latifúndio gaúcho tenha dado espaços que não se encontraram no resto do país.

A luta por terras no Brasil sempre esteve presente, desde a formação dos quilombos no tempo da escravatura até a formação de comunidades independentes como Canudos, Caldeirão, Contestado e muitas outras menos conhecidas, na virada do século até os anos trinta. É uma história de massacres e derrotas, mas que se repetiu, adquirindo dimensão política em meados dos anos cinquenta, com a criação das Ligas Camponesas.

O movimento político pela reforma agrária foi um dos polarizadores que levou as classes dominantes a mobilizar as Forças Armadas no golpe de 1964. O latifúndio esteve à frente da mobilização reacionária e esmagou o movimento camponês brutalmente, nos meses em que o exército “limpou” as áreas rurais de sindicalistas, religiosos, educadores, agentes sociais e ativistas políticos.

De forma aparentemente contraditória, os militares adotaram uma política pública dirigida ao mundo rural, o Estatuto do Trabalhador Rural. Para horror dos latifundiários, o Estatuto tinha muitas cláusulas favoráveis aos direitos dos assalariados, meeiros, moradores e outras categorias de agricultores familiares.

A lógica dos militares era política-militar. Formados nas escolas das forças armadas americanas, nossos estrategistas se preocupavam com a possibilidade da implantação de guerrilhas rurais no Brasil, com base nos exemplos do Vietnã e de Cuba, e pretendiam fazer concessões aos camponeses para evitar que fossem catequizados pelos comunistas.

A reação dos latifundiários foi radical: para não fazer concessões aos seus diferentes tipos de empregados, sobretudo os moradores e meeiros, eles simplesmente os eliminaram. Entre os censos de 1960 e 1970, estas duas categorias quase desaparecem das estatísticas. Milhões de pessoas perderam seus meios de produzir e sua habitação, indo buscá-las na migração para o “sul” ou ocupando terras “devolutas”, como eram chamadas as terras sem proprietário conhecido.

O emprego rural no nordeste foi se desenhando em novas formas, com os agricultores familiares do sertão passando a migrar periodicamente para a Zona da Mata para trabalhar nas colheitas de cana, cacau e, mais tarde, coco e dendê. O mesmo movimento migratório sazonal também ocupou trabalhadores familiares nas zonas irrigadas do São Francisco, na Bahia ou Pernambuco, colhendo frutas. O trabalho intermitente nas cidades do Sul/Sudeste e, mais recentemente, Brasília continuou atraindo chefes de família enquanto suas esposas tocavam a propriedade na sua ausência.

Esta história rural teve como resultante o perfil atual da agricultura familiar no Brasil. Como resultado do domínio do latifúndio e, hoje, do agronegócio, a agricultura familiar foi empurrada para os biomas mais vulneráveis, para regiões de difícil acesso, para as terras mais pobres ou desgastadas, para os relevos mais declivosos. Além de marginalizados nas condições ambientais, os agricultores familiares têm, de modo geral, pouca terra. Dos cerca de 3,8 milhões de famílias agricultoras recenseadas em 2017, perto de 2,250 milhões tinham menos do que um módulo rural em suas propriedades, sendo que perto de um milhão tinha menos de dois hectares. Uma parte significativa destas famílias (estimada em 1,5 milhão) vive no semiárido nordestino. A grande maioria destes agricultores depende de ajudas sociais do governo federal para sobreviver, embora em estado de pobreza e de miséria.

Este público, majoritário entre os agricultores familiares, não tem acesso a qualquer política produtiva dos governos federal e estaduais. Seus ingressos dependem de trabalho fora da propriedade, além das ajudas sociais como Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada e aposentadorias. Pequenos quintais produtivos e um ou outro animal de criação complementam os ingressos e a subsistência.

Outra parcela, contando aproximadamente com 1,150 milhão de famílias, tem pouca terra, desgastada e em ecossistemas vulneráveis, mas são um pouco mais bem aquinhoados e retiram parte maior do sustento da produção agrícola e criações, muito para subsistência, mas também para mercados locais ou municipais. A grande maioria também não acessa as políticas de crédito, de ATER ou de compras públicas (PAA, PNAE, outras estaduais) e parte recebe ajudas sociais.

A terceira parcela é composta pelos “integrados” ou modernizados e não alcança mais do que 350 a 400 mil famílias. Estes são o alvo privilegiado das políticas federais e estaduais que tentam incentivar o desenvolvimento da agricultura familiar. Estão fortemente concentrados no Sul e no Sudeste e uma boa parte trabalha em sistema de contrato com frigoríficos de frangos e suínos, laticínios, vinhas, tabaco, erva-mate.

Efeito das políticas públicas no desenvolvimento da agricultura familiar

Em primeiro lugar, é preciso ter claro que a política de promoção do desenvolvimento da agricultura familiar iniciada no governo de FHC, o Pronaf, não foi modificada significativamente tanto nos governos populares (Lula I e II e Dilma I e I,3) quanto na reação de direita de Temer e Bolsonaro. O centro da estratégia continuou sendo o crédito facilitado para a compra de insumos químicos, sementes e maquinário.

Lula agregou ao crédito o seguro do empréstimo bancário e o programa de aquisição de alimentos (PAA), expandiu as compras de produtos da agricultura familiar no programa de alimentação escolar (PNAE) e ampliou os recursos para financiar a assistência técnica e a extensão rural (ATER).

Mas, enquanto o crédito subsidiado e facilitado beneficiou um máximo de 400 mil agricultores familiares (AF) nos governos de FHC e 2,1 milhões nos governos Lula e Dilma, o PAA nunca chegou a beneficiar mais do que 300 mil AFs e a ATER pouco mais do que 100 mil.

O centro da política era e ainda é o crédito e se supõe que os tomadores de empréstimos saibam o que fazer com os recursos financeiros ou tenham acesso à assessoria técnica. Isto é verdade no caso dos produtores do Sul; metade deles tem acesso a ATER dos governos estaduais, de cooperativas, de empresas integradoras ou de empresas de venda de insumos. No resto do país, a parte da agricultura familiar beneficiando de algum tipo de assistência técnica ficou em 15%.

Os governos populares expandiram bastante a base dos AFs com acesso ao crédito, 1,5 milhão do Nordeste e do Norte tiveram acesso ao PRONAF em algum momento. Estes números recuaram bastante nos governos da direita e não voltaram aos níveis anteriores no governo Lula III. Hoje o crédito é acessado por cerca de 1,5 milhão em todo o Brasil, um terço no Sul. Entretanto, dois terços de todo o recurso despendido no PRONAF foi dirigido para o Sul do país, que tem menos beneficiários, mas cujos projetos têm custos muito mais elevados.

No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os projetos se dirigem sobretudo para a compra de insumos ou maquinário. Já no Nordeste, os projetos estão voltados para a criação animal, sobretudo gado bovino, e os gastos são quase inteiramente de investimento em infraestruturas e cercas.

Os governos populares investiram bem modicamente na reforma agrária, ampliando esforços ainda mais modestos dos governos de FHC. Foram assentadas cerca de 68 mil famílias por ano entre 1995 e 2002, com muita pressão dos movimentos sociais. Entre 2003 e 2010 Lula assentou, em média, 77 mil famílias e Dilma, entre 2011 e 2016, assentou em média 24 mil. Os números dos governos Temer e Bolsonaro são desprezíveis.

Os dados disponíveis para assentados e para o número total de AFs são os dos censos de 2006 e de 2017. Neste intervalo foram assentadas (em números redondos), cerca de 500 mil famílias. Por outro lado, o número total dos agricultores familiares caiu 470 mil famílias. Isto significa que, apesar do meio milhão de assentados, saíram do campo cerca de 970 mil famílias.

A distribuição geográfica destas famílias permite dizer que as duas grandes frentes de evasão do campo foram a região Sul (185 mil) e a região Nordeste (350 mil). Embora existam várias outras razões para estas evasões, pode-se dizer que o endividamento e a insolvência dos tomadores de crédito foram importantes (sobretudo na região sul), já que a partir do ano de 2005 a principal reivindicação dos movimentos sociais nas suas negociações com o governo federal foi a anistia das dívidas da agricultura familiar. Na região Nordeste a evasão teve também impulso pelo envelhecimento dos produtores, pela migração dos jovens e pela pressão das condições ambientais.

Apesar dos impactos negativos do crédito e, secundariamente, das outras políticas, pode-se dizer que o objetivo inicial que orientou estas políticas foi bem-sucedido. Os principais beneficiários do crédito, majoritariamente, consolidaram suas propriedades modernizadas e, no dizer do povo, “enricaram”, sobretudo no Sul. Na região nordeste também encontramos esta diferenciação de resultados, com uma minoria significativa entre os beneficiários estruturando-se como criadores de gado, uma minoria importante abandonando a produção e uma maioria com resultados incertos e endividados. A imensa maioria da agricultura familiar ficou à margem das políticas.

O que dizer, neste quadro, sobre as políticas voltadas para a promoção da agricultura ecológica ou a orgânica?

Desde os primeiros meses do governo Lula as ações de movimentos da sociedade civil tiveram influência sobre as políticas públicas adotadas para a agricultura familiar. Os movimentos sociais, até o governo de Dilma, não fizeram mais do que discutir a amplitude dos recursos e a amplitude das facilidades concedidas a todas as políticas definidas pela equipe do governo, sem questionar a orientação do uso dos recursos. Os movimentos sociais, conscientemente ou não, sancionaram a promoção do modelo do agronegócio e favoreceram a sua adoção pelos que ficaram conhecidos como agronegocinho.

Os movimentos de ATER agroecológica organizados na recém-criada Articulação Nacional de Agroecologia (ANA, em 2002) fizeram uma aliança com técnicos do DATER/SAF/MDA na organização da primeira conferência de ATER e definiram um programa de ATER totalmente voltado para a agroecologia. Foi uma ilusão (a primeira de muitas), já que na realidade da administração do MDA esta posição era minoritária. Ficamos anos com uma definição formal da PNATER apoiando a agroecologia, convivendo com políticas reais divergentes, apoiando a agricultura convencional. Este quadro prosseguiu mesmo depois da segunda conferência de ATER, já no governo Dilma, e foi muito mais longe no aprofundamento da vocação agroecológica inscrita na PNATER.

No frigir dos ovos, pode-se dizer que todos os anos de embates do movimento agroecológico no MDA propiciaram a formulação e execução de apenas duas chamadas para projetos de ATER, em 2014 e 2015: a chamada de sustentabilidade e a chamada de agroecologia. Mais ou menos uns 50 milhões de reais em quinze anos. E mais ou menos uns 20 mil AFs assistidos.

O pior deste processo é que o formato adotado nas chamadas para financiamento de projetos de ATER (a Sustentável e a Agroecológica) foi uma derrota total para as ONGs de ATER agroecológica. As metodologias participativas utilizadas por estas entidades para promover a adoção da agroecologia tornaram-se inviáveis com as imposições normativas das chamadas. As entidades que insistiram em executar os projetos foram empurradas para metodologias convencionais e ineficientes, resultando em atrasos ou fiascos nos processos de desenvolvimento em curso. Muitas desistiram dos recursos.

Os movimentos pela agroecologia foram engrossados pela adesão da Via Campesina ainda no segundo governo Lula, mas esta posição teve pouco efeito nas negociações com o governo. O mesmo pode ser dito dos dois outros movimentos, a CONTAG e a CONTRAF.

Todos os integrantes da ANA (inclusive os movimentos sociais) concentraram esforços em formular um amplo programa de promoção da agroecologia em todas as suas dimensões, tanto conceituais como políticas e administrativas. Depois de quase três anos de intensas discussões a ANA apresentou e o governo Dilma aprovou a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, PNAPO, seguido da elaboração e aprovação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO).

Apesar do esforço, o resultado foi praticamente nulo, já que todas as propostas tinham que ser detalhadas e aprovadas em distintos ministérios e departamentos e convertidas em projetos com orçamentos específicos. Dilma caiu antes disto acontecer, mas creio que a possibilidade daquelas disposições se transformarem em atos concretos de mudança me parece difícil, dadas as dificuldades da experiência muito mais focada e objetiva com a política de ATER.

Para resumir, não há muito o que falar sobre as políticas voltadas para a agroecologia nos governos populares por elas terem sido ao mesmo tempo muito limitadas e muito mal concebidas para poderem ter algum efeito significativo, mesmo como exemplo demonstrativo.

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