Ultradireita: o PL já não é tão fiel a Bolsonaro

Crise aberta pelas falas de Valdemar Costa Neto sobre o golpe expõe tensões no bolsonarismo e evidencia o jogo do presidente do PL: explorar a força eleitoral do ex-presidente, mas mantendo-o sob rédea curta, enquanto amplia bancadas e o dinheiro da legenda

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Uma declaração do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, causou desconforto na base bolsonarista e trouxe mais uma vez dúvidas a respeito da lealdade do dirigente da legenda em relação à principal figura do partido, Jair Bolsonaro.

Em um evento de alto padrão do setor equestre, realizado no sábado (13) na cidade paulista de Itu, ele se manifestou sobre postura da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) relativa ao núcleo crucial da tentativa de golpe como “exagerada”, afirmando, ainda assim, que deveria ser respeitada.

A declaração por si só já desagradaria aos bolsonaristas mais ferrenhos, só que o dirigente partidário não parou por aí e, na tentativa de defender os condenados, cometeu uma espécie de sincericídio.

“Houve um planejamento de golpe, mas nunca teve o golpe efetivamente. No Brasil, a lei diz o seguinte: ‘se você planejar um assassinato, mas não fez nada, não tentou, não é crime’. O golpe não foi crime. O grande problema nosso é que teve aquela bagunça no 8 de Janeiro e o Supremo diz que aquilo foi golpe. Olha só, que absurdo, camarada com pedaço de pau, um bando de pé de chinelo quebrando lá na frente e eles falam que aquilo é golpe”, afirmou Valdemar.

Uma liderança política do círculo íntimo de Bolsonaro afirmou à coluna da jornalista Mônica Bergamo que “quando a gente não sabe o que falar, fica quieto, cala a boca. Até o tolo, quando se cala, passa por sábio. Valdemar falou asneira, besteira”.

Outros foram menos discretos, atacando o dirigente publicamente. “Como eu sempre digo: não estamos nesta merda de dar gosto à toa”, postou em seu perfil no X (ex-Twitter) Paulo Figueiredo, que articula com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) a partir dos EUA, sanções contra o Brasil em prol do ex-presidente.

Valdemar tentou voltar atrás nesta segunda (15), afirmando ao portal Metrópoles que fez sua declaração “com uma condicionante”. “Se tivesse, imagine que tivesse, vamos supor que tivesse… Foi no campo do imaginário”, tentou justificar. Mas o estrago estava feito.

Na semana passada, Valdemar também fez outra fala controversa, em entrevista à CNN,ao afirmar ter sido procurado por pessoas interessadas em lançar o nome de Fux ao Senado pelo Rio de Janeiro. O ministro completa 75 anos em 2028, idade limite para permanecer na Corte.

“Ele [Fux] vai se aposentar daqui dois anos e pode ser senador, mas não sei se ele tem interesse nisso”, disse. Obviamente, a declaração produz uma névoa a respeito de possíveis interesses do magistrado ao dar um voto muito contestado no julgamento do núcleo crucial da trama golpista.

A cara do Centrão

Poucas figuras políticas representam tão bem a “flexibilidade ideológica” do Centrão como Valdemar. Foi o oportunismo eleitoral e a conveniência política que fizeram o dirigente partidário abraçar e abrigar o bolsonarismo em sua legenda.

Em outubro de 2024, o presidente do PL admitiu que a sigla contava com “alas extremistas”, mas que era na verdade uma legenda direitista. “Somos um partido de direita, mas temos várias pessoas de extrema direita. Eu não sou de extrema, sou de direita. Tenho relação com o pessoal do PT, PSB, do PDT”, afirmou na ocasião.

A propósito, na mesma entrevista Valdemar chamou os extremistas dos atos de 8 de janeiro de 2023 de “golpistas”, afirmando depois que “essa expressão foi mencionada pelos repórteres durante a conversa, razão pela qual a utilizei, mas que não reflete minha opinião pessoal sobre o que aconteceu naquele dia”.

O fato é que a maioria dos parlamentares da legenda hoje se alinha à extrema direita. Valdemar viu no poder de mobilização destas figuras uma possibilidade de crescimento de suas bancadas no Legislativo o que se traduz, também em aumento da fatia do fundo partidário.

Em 2022, o PL elegeu 76 deputados, superando os 54 eleitos pelo PSL, então legenda da Jair Bolsonaro, em 2018. Com novas filiações, em especial de aliados do ex-presidente vindos de outras siglas, o partido alcançou 96 cadeiras no fim de 2024, consolidando ainda mais o posto de detentor da maior bancada da Câmara.

Traduzindo em outros números, isso significa o montante de R$ 194,1 milhões recebidos pelo fundo partidário em 2025.

Mobilização permanente

A movimentação de Valdemar sugere que ele não vai abrir mão da força política de Bolsonaro, mas a relação agora é menos desigual. O ex-presidente depende da atuação do PL no Parlamento para continuar com a pauta da anistia. Mas fica evidente que, enquanto Bolsonaro vê nisso algo essencial para se livrar da condenação, o dirigente partidário vê na mobilização permanente uma forma de crescer ainda mais, avançando agora para aumentar sua influência no Senado a partir das eleições de 2026.

Uma das demonstrações desse novo equilíbrio de forças se deu em Pernambuco, onde, em agosto, o presidente do PL tirou do comando do diretório municipal da sigla no Recife o ex-ministro do Turismo Gilson Machado, também conhecido como “sanfoneiro de Bolsonaro”, por aparecer tocando seu instrumento nas lives do então mandatário.

O político-músico tinha o apoio público de Bolsonaro para ser o candidato da legenda ao Senado, mas foi preterido em favor de Anderson Ferreira. Machado chegou a postar, dias depois, que “Ferreira seria o candidato de Valdemar, e não de Bolsonaro”, mas reafirmou que seguirá as orientações do ex-presidente sobre sair ou não da legenda.

Condenado na Ação Penal 470, o chamado Mensalão, Valdemar conseguiu não só sobreviver politicamente como manteve o controle de uma legenda que ganhou novo impulso com o bolsonarismo. Não vai jogar esse capital político fora. Mas o preço para o ex-presidente vai ficando cada vez mais caro.

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