Quando Lula tomará as rédeas da política econômica?

A menos de 14 meses para as eleições, momento é de ação: combater a Selic nas alturas e liberar recursos para um Plano Nacional de Desenvolvimento. Reduzir drasticamente os gastos com juros da dívida, que sugaram R$ 1 trilhão dos cofres públicos em um ano, é crucial

Foto: Flickr/@institutolula
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Enquanto Gabriel Galípolo segue na condução do Banco Central (BC) exatamente dando continuidade ao programa desenhado por seu antecessor Roberto Campos Neto (RCN), o país continua sofrendo todas as agruras de uma política monetária que se apresenta como assassina e suicida. Longe de aparentar uma contradição, esta imagem evidencia a tragédia de um patamar de Selic em 15%, provocando a morte de empresas, pessoas e projetos de mudança. E, por outro lado, ela também nos apresenta um projeto de política econômica no qual o governo segue cavando lentamente a sua própria cova.

Já Fernando Haddad, no Ministério da Fazenda, mantém a ferro e fogo o garrote da austeridade fiscal a qualquer custo. Em sua verdadeira obsessão por limitar severamente a capacidade de gasto e investimento do Estado, o professor do Insper traça uma estratégia de imposição de limites, tetos, bloqueios e contingenciamentos que fazem corar os mais ortodoxos e monetaristas dos velhos (e nem tão velhos assim) tempos. Suas adesões — tão inflexíveis quanto incompreensíveis — aos cânones do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) têm impedido Lula de cumprir com suas promessas de campanha. Já estamos entrando em seu 33° mês do terceiro mandato, de modo que faltam menos de 14 meses para que ele consiga realizar “mais e melhor do que fez entre 2003 e 2010” e também tomar providências para fazer “40 anos em 4”.

Ocorre que todo o esforço por ele desenvolvido para limitar as despesas orçamentárias se restringe à esfera das chamadas “contas primárias”. Pela metodologia do financês, isso significa que as contenções se limitam às contas não-financeiras. Ou seja, as despesas financeiras, aquelas que se relacionam ao pagamento de juros da dívida pública, seguem livres e soltas para crescer o que for do desejo dos responsáveis pela condução da política econômica do governo. Uma loucura! É mais uma prova cabal de que os responsáveis pela administração pública seguem operando, de forma explícita e descarada, a favor dos interesses do topo de nossa pirâmide da desigualdade. As rubricas com políticas sociais vão sendo cada vez mais contidas e esmagadas pela lógica da chamada “responsabilidade fiscal”, ao passo que os dispêndios com o serviço dos títulos do endividamento público crescem a olhos vistos e sem nenhum instrumento de controle.

Juros seguem no comando

O BC divulgou há poucos dias seu Relatório da Política Fiscal relativo ao mês de julho. De acordo com a publicação, durante o sétimo mês do atual exercício foram dispendidos R$ 109 bilhões a título do pagamento de juros da dívida pública. Trata-se do segundo maior valor mensal desde que a série foi iniciada. Esse montante só é um pouco menor do que os R$ 112 bi que foram gastos a este mesmo título em outubro do ano passado. Para se ter uma ideia da dimensão comparativa deste valor, basta relacioná-lo ao total que será executado com as emendas parlamentares ao longo de todo o ano de 2025. De acordo com o estabelecido pelo Decreto 12.566, o total inicial previsto para os gastos a serem realizados pelo legislativo foram reduzidos de R$ 81 bi para R$ 46 bi.

Assim, o que se depreende dos números é que, em apenas um único mês, o Estado brasileiro gastou com juros da dívida pública mais do que o dobro do que vai ser aplicado nas emendas parlamentares durante os 12 meses do presente ano. Aquilo que se considera como uma alocação equivocada e escandalosa de recursos públicos se revela como muito menos relevante do que os gastos realizados com os valores religiosamente pagos aos detentores dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.

Considerando-se que julho contou com 23 dias úteis em seu calendário, o que se pode calcular é que foram pagos R$ 4,7 bi de juros em cada um deles. Ou seja, em apenas 10 dias de julho foram gastos valores que se equivalem ao total das emendas atribuídas aos 513 deputados e 81 senadores ao longo de todo o ano de 2025. Ao mesmo tempo, em que o governo corre feito maluco e se desgasta politicamente cortando recursos da saúde, da educação, da previdência social, da segurança pública, do reajuste do salário-mínimo, da assistência social e outros, o orçamento sem controle das despesas financeiras bate recorde atrás de recorde. Ora, já se falou que governar é estabelecer prioridades. Neste caso, o mais relevante para o governo parece ser o atendimento dos interesses da Faria Lima, da Febraban e das elites de forma generalizada.

A rota vergonhosa em direção ao trilhão

Computados os valores de julho, o total acumulado com o pagamento de juros em 12 meses segue se aproximando perigosamente da marca trágica de R$ 1 trilhão. Entre agosto de 2024 e julho de 2025, esse valor somou R$ 941 bi. Se considerarmos apenas o período ao longo dos primeiros sete meses deste ano, o total com juros alcançou R$ 526 bi. Esse valor é um pouco mais baixo do que o que foi gasto com essa rubrica em igual período do ano passado — R{{%%ltplaceholder%%}}nbsp;535 bi. Ocorre que a tendência é que as despesas nos próximos meses sejam mais elevadas do que o ocorrido nos últimos 5 meses de 2024. Afinal, naquele período, a taxa oficial de juros esteve entre 10,75% e 12,25%, enquanto atualmente está em 15% ao ano. Como a Selic é a principal remuneração de base para os títulos da dívida pública, o provável é que o montante de juros seja ainda maior até o final do presente ano. Esta é a principal razão para que analistas considerem a possibilidade de que o total atinja a marca trilionária em breve.

Ao longo deste terceiro mandato, o governo Lula já destinou ao pagamento de juros da dívida pública o equivalente a R$ 2,1 tri em 31 meses (janeiro de 2023 a julho 2025). De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o total destinado a esta mesma rubrica durante os 96 meses de seus dois primeiros mandatos (2003 a 2010) a valores presentes foi de R$ 2,6 tri. É bem verdade que os números podem esconder a realidade de um estoque de dívida pública que cresceu entre os dois períodos comparados e também podem ocultar as variações distintas na taxa Selic ocorridas ao longo dos anos. Assim, podemos utilizar o conceito do impacto do fluxo de juros pagos em relação ao PIB de cada ano. Neste caso, veremos que essa proporção alcançou uma média de 4,5% durante os oito anos dos mandatos iniciais. E que essa média anual sobe para 6,4% para o biênio 2023/24. Ou seja, não apenas o volume de juros pagos cresceu em termos reais (descontada a inflação) na comparação tão proclamada por Lula durante a campanha eleitoral, mas também esse índice se elevou em mais de 42% em termos do impacto de juros sobre o Produto Interno.

PARTICIPAÇÃO GASTOS COM JUROS SOBRE PIB – %
Lula 1 e 2 (2003 a 2010) e Lula 3 (2023 e 2024)

Fonte: STN

A insistência em operar a política econômica mirando apenas no resultado primário tem provocado há mais de três décadas um enorme prejuízo na capacidade de o Estado brasileiro cumprir com suas obrigações constitucionais e oferecer serviços públicos de qualidade à maioria da população. Além disso, ao priorizar o foco na busca de superávit nas rubricas não-financeiras, o setor público termina por promover uma autorredução na capacidade de investimento governamental, contribuindo para impossibilitar a promessa de Lula de realizar quatro décadas em apenas um mandato. Esta impressionante distorção fica mais bem compreendida com a informação oferecida pela STN de que foram transferidos do Orçamento da União exatamente R$ 11,3 trilhões a título de pagamento de juros da dívida pública desde o início da série estatística em janeiro de 1997 até julho de 2025. Uma total insanidade!

Lula: assuma o comando da política econômica

Apesar do pouco tempo que ainda resta para as eleições e para a necessária reeleição, é essencial que Lula promova uma mudança de orientação em termos da essência e dos rumos de sua política econômica. Isso passa por definir uma meta de inflação mais realista (por exemplo, 4,5% ao ano), com a retirada de argumentos do Copom para manter a Selic na estratosfera. Além disso, é necessário romper com o dogmatismo ortodoxo e monetarista do NAF, liberando recursos do Estado para recompor as políticas públicas e para retomar a capacidade de investimento governamental em um Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Isso significa redefinir o volume e a orientação das despesas financeiras, de modo a impedir que tal carga de juros de natureza parasitária e improdutiva impeça a realização das necessárias e urgentes despesas no setor real da economia e da sociedade.

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