O Brasil sob o dreno financeiro

O ataque aos gastos sociais é implacável. Vem da velha mídia, parlamentares, bancos… Além da Saúde e Educação, a Previdência– essencial para 150 milhões de brasileiros – está na mira. Mas a dívida pública, que drena bilhões do Estado, sequer é discutida

Imagem: Instituto Justiça Fiscal
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Chama a atenção o alinhamento das críticas dos setores conservadores, nos jornalões, Congresso, em todos os espaços possíveis, contra os gastos sociais do governo federal. É uma investida bastante bem articulada e que tem o objetivo de fazer retroceder conquistas históricas dos trabalhadores, em itens como: percentuais mínimos obrigatórios de gastos com saúde e educação, vinculação de benefícios como BPC (Benefício de Prestação Continuada), abono salarial e seguro-desemprego ao salário-mínimo etc.

Esse tipo de investida contra direitos históricos no Brasil não é novidade. Na verdade, é investida permanente, podendo intensificar a depender das particularidades da conjuntura. Por exemplo, Michel Temer, golpista recém-empossado, em 2017 acabou com o sistema de financiamento das entidades sindicais no Brasil, visando enfraquecer ainda mais a organização sindical, uma das poucas trincheiras em defesa dos direitos, ainda existentes no país. Jair Bolsonaro, sem pestanejar, acabou com a política de ganhos reais para o salário-mínimo, que vigorou entre 2011 e 2019, fundamental para a melhoria da renda e para o fortalecimento do mercado consumidor interno.

O atual ataque contra os direitos sociais deve ser enfrentado com determinação pelos trabalhadores, não adianta fingir que não está acontecendo, ou que não terão maiores consequências. Inclusive porque, se a direita avançar nas próximas eleições, os ataques aos direitos tendem a se intensificar e ampliar seus objetivos. As críticas aos gastos sociais, que vem de economistas de bancos, parlamentares, jornalistas “especializados”, são extremamente virulentas. Apesar da previsão ser de déficit público zero para este ano, o incauto que lê ou escuta a cobertura de economia da mídia corporativa fica com a clara impressão de que o país está prestes a quebrar financeiramente.

Algumas coberturas da mídia, exagerando na cara-de-pau, vão ao ponto de elogiar o “superávit fiscal” realizado pelo governo da Argentina no primeiro trimestre do ano para fazer o contraponto com o governo brasileiro. O que é absolutamente ridículo, porque o programa econômico de Milei é tão sustentável quanto um castelo de cartas no meio de um ciclone. As críticas são direcionadas justamente àqueles gastos que são fundamentais à maioria da população, como saúde, educação e aposentadoria. Como já ocorreu em outros períodos, algumas matérias na mídia corporativa comparam a previdência social a uma “bomba relógio”. Outras análises propõem o fim dos atuais pisos de gastos para a Saúde e a Educação e cortes nos gastos com a previdência.

Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet afirmou, em audiência no Congresso, que nos últimos dez anos a vinculação do salário-mínimo com vários benefícios custou R$ 1,2 trilhão à União. Pode-se perguntar o que, na sociedade capitalista, não custaria dinheiro. Essa discussão, que é feita propositalmente de forma superficial e enviesada, tem o objetivo central de insistir na tecla da necessidade de redução dos gastos sociais, transformando uma mentira em verdade através da repetição.

Se houvesse transparência nessa discussão, até as pedras saberiam que o problema central das contas nacionais são os gastos com a dívida pública. A Lei Orçamentária (LOA) para este ano prevê despesas de R$ 5,5 trilhões. No entanto, a parte do leão é destinada ao refinanciamento da dívida pública. A previsão da LOA é que sejam gastos com a rolagem da dívida R$ 2,4 trilhões neste ano. Enquanto com a previdência social, segundo maior gasto do governo federal, deverão ser investidos R$ 935 bilhões em 2024, com a rolagem da dívida serão comprometidos nada menos que 44% do orçamento.

O gasto com juros previsto na LOA é de R$ 436 bilhões (esse valor deverá ser ultrapassado, pois já chegou a R$776,3 bilhões até abril, em 12 meses), mas a chamada rolagem da dívida, isto é, o seu refinanciamento, vai chegar como mencionado a R$2,4 trilhões, quase metade do orçamento para este ano. Na rolagem da dívida, o governo emite novos títulos, paga os juros e resgates com o dinheiro captado e assume uma nova dívida com novos prazos e condições. O total dos títulos que continuam em aberto, ou seja, que ainda não foram resgatados, compõem o “estoque” da dívida, formado pelo conjunto de obrigações assumidos ao longo do tempo, inclusive, por governos anteriores.

Como vimos, no acumulado em doze meses até abril deste ano, os juros nominais alcançaram R$776,3 bilhões, nada menos que 7% do PIB. Estes gastos com juros da dívida pública em 12 meses equivalem a mais de 83% dos gastos previstos com a previdência para 2024. Só os juros, não a rolagem da dívida. Com uma diferença crucial: os gastos com a previdência social são fundamentais para cerca de 150 milhões de brasileiros (direta e indiretamente). Os gastos com a dívida pública, é dinheiro jogado fora: vai para o bolso de especuladores que não agregam nada à geração de valor no país. E com um detalhe nada trivial: como comprovam os estudos da Auditoria da Dívida Pública, boa parte da dívida é ilegal, ou seja, seu pagamento é completamente irregular. Mas ninguém menciona os gastos com a dívida, é como se eles fossem uma “ordem divina”.

A dívida pública é um sistema de drenagem de recursos públicos do Brasil, legalizado e com total cobertura da grande imprensa. É um roubo. Super-ricos, com bilhões de reais no mercado financeiro, e que se beneficiam da segunda maior taxa de juros reais do planeta (em torno de 8%), são os mesmos que estão propondo o fim da política de reajuste do salário-mínimo vinculado à evolução do PIB e o fim das vinculações constitucionais da saúde e educação. O sistema financeiro que atua no Brasil, ao invés de gerar crédito para financiar a produção e o consumo, trabalha como agente de parasitas, que vivem do Estado nacional e das maiores taxas de juros do mundo.

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