Lula contra o tempo
Governo demora em encontrar saídas efetivas para a crise. Ações contra alta dos preços da comida e nova estrutura de comunicação bastam para recuperar sua popularidade? População precisa de esperanças. Lula é um líder brilhante, mas precisa inovar diante dos novos ventos políticos
Publicado 10/03/2025 às 16:44

Por Aldo Fornazieri, no GGN
Não bastasse a incapacidade do governo de sair do labirinto em que se meteu, agora surge outro problema: o tempo opera tanto contra o governo, quanto contra Lula. Quanto mais o governo demora em encontrar uma saída, mais é vencido pelo tempo. As medidas anunciadas para reduzir o preço dos alimentos têm uma natureza mais paliativa e produziram pouco impacto na opinião pública.
O fator mais significativo que poderá amenizar os preços elevados é a entrada da nova safra. Mesmo assim, o tempo levará preços altos de vários itens de consumo para 2026. Os elevados juros têm um efeito parcial na redução da inflação, pois esta não é só de demanda. Os juros altos buscam mais atrair dólares para reequilibrar o câmbio.
O tempo opera contra o governo e contra Lula por vários motivos. Tome-se o caso da reforma ministerial. O momento de sua realização foi perdido em algumas ocasiões. Lula, o governo e os partidos de esquerda não souberam ler os resultados das eleições municipais de 2024. Desde o primeiro semestre do ano passado, os sinais de apatia política do governo, a inapetência para inovação e mudanças, as confusões e conflitos internos, a falta de rumo e de comando e as falas inconsistentes de Lula, eram evidentes. Esse combo todo vinha minando a credibilidade do governo aumentando a dificuldade de operação junto a um Congresso hostil.
O governo já havia perdido o tempo do ajuste fiscal, que deveria ter sido feito no início de 2024. Perdeu o tempo da reforma ministerial, que deveria ter sido feita logo após o resultado das eleições municipais. Mesmo assim, tinha uma nova chance, mesmo com avarias, de fazê-la na virada do ano. A postergação produziu o ambiente de um governo mais debilitado para negociar a reforma.
A reforma conta-gotas em andamento poderá não produzir resultados positivos. Nenhum ministro das Comunicações resolverá o problema da comunicação do governo se este não tiver comando político e se não souber para onde vai. Os ministros do governo não conseguem sair de retóricas receituárias. Não conseguem se comunicar com a população.
Na semana passada, o comitê de ministros que apresentou as medidas para baixar os preços dos alimentos, em nenhum momento conseguiu interagir com a dona de casa, com quem faz compras no supermercado. Quer dizer: as figuras do governo expressam o deslizamento temporal das esquerdas despossuídas de narrativas e retóricas persuasivas.
O governo e Lula incorrem no autoengano ao julgar que a redução do preço dos alimentos é suficiente para recolocar ambos num patamar razoável de popularidade. O problema vai para além da economia até porque, nos dois primeiros anos, os resultados econômicos podem ser considerados bons. O que existe é uma fadiga de imagem tanto do governo, quanto de Lula e do PT junto a setores significativos da sociedade. Os três não se atualizaram, não perceberam as mudanças do tempo e dos ventos, resvalaram para a inatualidade. Foram engolidos pelas mudanças trazidas pela revolução digital, no mundo do trabalho, nas relações sociais e na cultura.
Depois de uma série de desgastes, o PT não soube se renovar, nem nas suas agendas e nem em sua retórica e visão do mundo. Se distanciou dos jovens e não renovou suas lideranças. Deixou de ser o partido das reformas e das mudanças. Abandonou o ideário socialista, não é anticapitalista e transformou uma de suas variantes, o neoliberalismo, o seu objeto principal de crítica. Mal aborda a crise ecológica e as mudanças ambientais. As esquerdas perderam o objeto e os objetivos.
O governo se tornou um triturador de ministros. Haddad foi o mais atingido pela máquina desagregadora que opera em setores governamentais e petistas. Alckmin, Simone Tebet e outros aliados tiveram seus espaços de ação comprimidos. Marina Silva e Sônia Guajajara vivem tempos de ostracismo.
Lula, com apoio de petistas, tirou do governo o único leão capaz de ser uma expressão política forte do governo – Flávio Dino. Ricardo Cappelli, figura decisiva no enfrentamento da tentativa de golpe do 8 de janeiro, e que poderia ser um bom ministro da Justiça, foi despachado para uma espécie de “exílio político”. A arrogância e ambição de petistas também são responsáveis para que Lula opere uma equação de supremacia dominante ao invés de uma hegemonia de influência e de compartilhamento do poder.
Lula parece ter operado para enfraquecer figuras que poderiam ser fortes, para cercar-se de fracos. Tem-se aí um governo fatigado, amorfo, com projetos requentados. Agora sofre uma réplica do tempo. Sobra pouco tempo, e também pouco espaço, para se recuperar de forma adequada visando chegar competitivo em 2026. Vai se tornando prisioneiro da dúvida: ser ou não ser candidato no ano que vem.
A armadilha da dúvida o impede de avançar os sinais para uma possível candidatura e o impede, também, de abrir espaço para possíveis outros candidatos do campo progressista. A armadilha da dúvida vai postergando decisões, vai enfraquecendo o governo e Lula como polos de atratividade política e vai erodindo as perspectivas de poder futuro.
Os aliados de centro e centro-direita começam a olhar para outros horizontes. O Palácio dos Bandeirantes vem se tornando a Meca de várias peregrinações. Com ou sem a interdição da família Bolsonaro, o governador Tarcísio não suportará a pressão e terminará sendo candidato.
Está tudo perdido? Em política é temerário fazer esse tipo de afirmação. O problema é que Lula e o governo não apresentam sinais de reação política. Parece que vivem numa bolha, alienados da realidade. O Planalto não consegue perceber o que ocorre na planície: o que se vê hoje são militantes e ativistas progressistas desanimados, derrotistas, conformados. É um ambiente assemelhado àquele do processo de impeachment da presidente Dilma.
Mas naquele processo ainda existia uma militância que se mobilizava e protestava nas ruas. Hoje, com uma militância prostrada, as ruas estão desertas de causas e de ativistas. Os ativistas não sairão do desânimo por conta própria. Precisam de causas e de líderes. As causas não prosperam sem lideranças fortes e competentes.
A sociedade, o Brasil e governo precisam de liderança. Lula precisa colocar-se à frente de um comando político do governo, de um estado maior, capaz de imprimir um novo rumo, uma nova ideia de futuro, uma nova esperança. Lula foi um líder brilhante e decisivo em vários momentos críticos da história recente do país. Essa virtù combativa precisa ser reavivada. Lula precisa ter consciência dos perigos e riscos que ameaçam o Brasil. Ele precisa colocar-se na liderança e despertar as energias que podem reverter esse cenário de risco e de escassa esperança.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.