Convite a desbravar a obra de Byung-Chul Han

Pensador coreano mergulha nos meandros da crise civilizatória. Mostra: cansaço, autoexposição e o novo perpétuo são os atuais paradigmas de dominação. As saídas: a “república dos vivos”, a partir da imaginação, tempo livre e laços coletivos

Foto: Ronald Patrick/El Pais
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Por Josh Cohen, no Aeon | Tradução: Rôney Rodrigues

Conheci Byung-Chul Han no final da década passada, enquanto escrevia um livro sobre os prazeres e descontentamentos da inatividade. Minhas primeiras pesquisas sobre nossa cultura de excesso de trabalho e estímulo perpétuo logo me levaram ao livro A Sociedade do Cansaço de Han, publicado originalmente em alemão em 2010. As descrições de Han sobre a cultura neoliberal de exaustão me atingiram com aquela rara, mas inconfundível, mistura de gratidão e ressentimento que surge quando o pensamento de alguém expressa com precisão e plenitude nossas próprias intuições hesitantes.

No cerne da concepção de Han sobre uma sociedade do cansaço (Müdigkeitsgesellschaft) está um novo paradigma de dominação. O trabalhador da sociedade industrial internaliza o imperativo de trabalhar mais na forma da culpa do superego. O superego de Sigmund Freud, um supervisor hostil que nos persegue de dentro, surge quando a psique infantil internaliza a figura do pai proibitivo. Em outras palavras, o superego tem origem em figuras externas a nós, de modo que, quando nos diz o que fazer, é como se ouvíssemos uma ordem de outra pessoa. Já a sociedade do desempenho de nosso tempo, argumenta Han, não funciona com a culpa do superego, mas com a positividade do ideal do ego – não um “você deve”, mas um “você pode”. O ideal do ego é aquela imagem de nossa própria perfeição, outrora refletida em nosso eu infantil pelo olhar admirador dos pais. Ele vive em nós não como um outro perseguidor, mas como uma versão elevada de nós mesmos, uma voz de incentivo implacável a fazer e ser mais.

Com esse triunfo da positividade, a aspereza do chefe exigente dá lugar à suavidade (um termo-chave em Han) do treinador que incentiva sem cessar. Nessa perspectiva, a depressão é o mal-estar definitivo da sociedade do desempenho: o efeito de sempre nos sentirmos irremediavelmente atrás de nosso próprio ideal do ego, esgotando-nos no processo.

A figura do sujeito do desempenho dá origem a algumas das evocações mais vívidas de Han sobre a debilitação psíquica e corporal:

“O sujeito do desempenho, exausto e depressivo, desgasta-se a si mesmo… Ele está cansado, esgotado por si mesmo e em guerra consigo. Totalmente incapaz de se exteriorizar, de sair de si, de depender do Outro, do mundo, ele cerra os dentes sobre si mesmo; paradoxalmente, isso leva o eu a se esvaziar e se tornar oco. Ele se consome numa corrida de ratos que trava contra si próprio.”

Ao reler essa passagem agora, lembro-me de como ela me pareceu chocantemente verdadeira na primeira leitura. Ela me transportou de volta aos primeiros anos de minha vida acadêmica profissional, ao zumbido permanente de frustração ansiosa no fundo, enquanto a pesquisa – ao mesmo tempo a primeira e a mais distante prioridade profissional, o sinal indiscutível de realização no trabalho – era eternamente subordinada às demandas cotidianas de aulas, correções e reuniões de comitê. Nas poucas horas fora dessas obrigações, eu voltava a trabalhar em um artigo e rapidamente percebia que precisava consultar mais uma dúzia de fontes antes de começar a escrever. De repente, eu notava o quão cansado estava; incapaz tanto de trabalhar quanto de me abster, ficava suspenso em um estado de vigília exausta. Aquele eu do desempenho esvaziado, “em guerra consigo mesmo”, era dolorosamente familiar.

A crítica de Han à vida contemporânea centra-se em seu fetiche de transparência; a compulsão à autoexposição impulsionada pelas redes sociais e pela cultura efêmera da celebridade; a redução do ser a uma série de dados positivos; e a hostilidade concomitante à opacidade e à estranheza do humano. Isso talvez explique por que a reflexão autobiográfica mal aparece nos escritos de Han: ele certamente receia tornar-se apenas mais uma voz tentando se fazer ouvir no meio da cacofonia de opiniões.

Nascido em Seul em 1959, Han, quando criança, mexia com fios e produtos químicos em seu quarto, imitando o pai engenheiro civil, que trabalhara em grandes projetos públicos na Coreia do Sul. Mas esses experimentos terminaram após ele causar uma explosão química no quarto que quase o cegou, deixando-lhe cicatrizes físicas que carrega até hoje. Ele acabou estudando metalurgia.

Porém, a leitura e o pensamento de Han o levaram cada vez mais para a Europa e para o estudo da filosofia. Aos 22 anos, ele deixou a Coreia do Sul rumo à Alemanha, dizendo aos pais que continuaria seus estudos científicos (“eles não teriam me permitido estudar filosofia”, contou ao El País em 2023). Han chegou à Alemanha quase sem conhecimento do idioma. Mas, ao longo dos anos, realizou uma notável autotransformação: de estudante coreano de metalurgia e tecnófilo a filósofo e crítico social alemão emigrado. Agora, como disse a um entrevistador do Der Zeit, sua “mexedice” se dá com o material do pensamento, não com “fios ou ferros de solda”. A metáfora transmite a ideia do pensar como um ambiente mais que uma atividade, uma concepção tipicamente alemã da vocação do pensador.

A afinidade de Han com o pensamento e a cultura alemã é profunda, especialmente no que diz respeito ao status ambíguo da Alemanha como, ao mesmo tempo, lar filosófico do Iluminismo e de sua crítica abrangente. Ele está profundamente enraizado na tradição da Escola de Frankfurt, desenvolvendo para a era do capitalismo digital um novo capítulo de sua investigação sobre a “dialética do Esclarecimento” – aquela perturbadora interação entre progresso e atavismo, entre criação criativa e explosão traumática, que moldou a transição para a modernidade.

Essas pequenas revelações sobre o homem e sua vida reverberam em seu pensamento e prosa. O “mexedor” é uma figura lúdica, que traz elementos químicos e forças físicas a novos e imprevisíveis tipos de contato. Mas, para o menino Han, a brincadeira terminou em horror, que se transfere diretamente para a atividade posterior do pensar: “Pensar também é mexer, e o pensar pode produzir explosões. Pensar é a atividade mais perigosa, talvez mais perigosa que a bomba atômica”.

Han esclarece que seu próprio pensamento é perigoso não porque incite violência, mas porque revela um mundo “implacável, louco e absurdo”. Ele escreve a partir da experiência do que T.W. Adorno chama de “vida danificada”, no subtítulo de Minima Moralia (1951) – livro que Han cita frequentemente –, ou seja, a desintegração, sob o capitalismo consumerista avançado, das formas e instituições culturais e a concomitante deformação da consciência individual e das relações pessoais.

Han escreve como se estivesse nos escombros de uma explosão quase fatal – ao mesmo tempo o incêndio em seu quarto de infância e a explosão mais generalizada das formas de vida anteriores. E o dano é irreparável: “O tempo em que existia algo como o Outro acabou”, escreve ele em A Expulsão do Outro (2016). A voz literária de Han é melancólica no sentido estritamente freudiano de estar selada em seu próprio luto, transmitindo uma convicção absoluta na entrega do eu e do mundo a um curso de destruição tão inevitável quanto irreversível.

A música é central para a identificação de Han com a tradição cultural alemã. Ele já contou sobre seu prazer em cantar Winterreise (1827) de Franz Schubert, um ciclo de canções cuja beleza está inextricavelmente ligada à sua desolação. Enlutado por um amor perdido, o cantor vagueia por uma paisagem noturna de inverno, dilacerado pela solidão enquanto anseia por uma morte que não vem. Talvez não seja uma má aproximação do Han que emerge das páginas de seus livros, caminhando abatido pelo inverno da civilização, atento aos vestígios de tudo o que se perdeu: a continuidade do tempo, o grão da beleza, as tensões do eros, a substancialidade do ser.

Talvez os outros prazeres pessoais aos quais Han aludiu em entrevistas – cuidar de seu jardim, boa comida em restaurantes sofisticados, uma sociabilidade um tanto hesitante – devam ser vistos no contexto dessas perdas: uma determinação em se agarrar ao mundo da sensação refinada que está sendo tão inexoravelmente erodido pela vida virtual. Não estou sugerindo que os livros de Han sejam explicitamente lacrimosos. Seu tom manifesto é mais de raiva contida, tornada melancólica pela ausência de qualquer válvula de escape ou remédio para ela. Sob seu olhar, os setores político, financeiro e tecnológico são ladrões aos quais entregamos voluntariamente nossas vidas e nossos eus, junto com qualquer capacidade de dissenso ou resistência.

Como seus predecessores da Escola de Frankfurt, Han vê a penetração do capitalismo nos recantos mais profundos da vida psíquica e cultural como a chave para esse fenômeno. A Sociedade do Cansaço insiste que o poder hoje não opera por meio de repressão e perseguição, mas pelos meios astutos e insidiosos da “autoexploração”. Num regime autoadministrado desse tipo, a revolução é quase literalmente impensável: “Burnout e revolução são mutuamente exclusivos”, escreve ele mais tarde, em Capitalismo e Pulsão de Morte (2019).

As investigações de Han sobre as diferentes regiões da experiência contemporânea – incluindo trabalho, tempo, amor e arte – resultam em um projeto de pensamento notavelmente consistente, uma crítica implacável às privações espirituais e políticas do capitalismo digital. A questão perturbadora para quem lê amplamente a obra de Han é se essa consistência tenazmente sustentada acaba se tornando um sintoma daquilo que critica. Isto é: a negatividade ininterrupta das descrições de Han, sua relutância em encontrar algo além de perda e degradação nas formas da experiência contemporânea, acaba reproduzindo a lógica unidimensional do próprio capitalismo digital?

Uma das inovações mais estranhas recentes da indústria do turismo e lazer é a experiência de arte imersiva, onde os espectadores são convidados a ficar de pé ou relaxar em espaços escuros e cavernosos ladeados por telas gigantes, nas quais são projetadas reproduções digitalmente manipuladas de grandes pinturas. As pinceladas de Vincent van Gogh ou Claude Monet, os blocos de cor de Piet Mondrian, as paisagens derretidas de Salvador Dalí – todos flutuam pelas telas, ganhando vida e se desintegrando em pilhas virtuais no chão, antes de se erguerem em redemoinhos para se combinarem e recombinarem nas paredes.

Ao visitar uma dessas atrações depois de ler Han, ela parecerá muito mais sinistra do que um mero exercício elaborado de truques kitsch, pois ele acredita que os sintomas culturais do capitalismo digital degradam efetivamente a própria natureza da experiência. Han frequentemente invoca a distinção de Walter Benjamin entre os dois sentidos de experiência concentrados nas palavras alemãs Erfahrung e Erlebnis. Erfahrung denota uma experiência do que a filosofia chama de negativo – aquilo que é irreduzivelmente outro para a consciência. Como um encontro com o novo e desconhecido, Erfahrung é intrinsecamente transformadora, escreve Han em A Sociedade Paliativa (2020), “um processo doloroso de transformação que contém um elemento de sofrimento, de passar por algo”.

A arte pode provocar tal experiência. Um poema, peça ou pintura pode ser o que Franz Kafka chamou de “o machado para o mar congelado dentro de nós”, questionando nossos modos de ver, pensar e sentir, até mesmo nosso modo de viver. É o tipo de encontro a que Mark Rothko pode ter se referido quando observou que “muitas pessoas desmoronam e choram diante de minhas pinturas…” Vistas através da sensibilidade de Han, as pinturas de Rothko parecem cortar diretamente através dos artifícios suaves da vida digital, restabelecendo o contato com as realidades trêmulas da vida corporal e espiritual das quais estamos exilados há tanto tempo.

Para que uma obra de arte tenha esse efeito, ela deve de alguma forma nos resistir, causar uma perturbação em nossos modos familiares de linguagem e percepção. Ser receptivo a esse tipo de perturbação requer certas condições experienciais básicas; devemos estar em um ambiente que permita a demora, uma permanência sem pressa em sua presença. O paradoxo da demora é que ela promove uma intimidade que transmite a estranheza irreduzível da obra de arte. Quando uma pintura nos atrai, descobrimos que ela nos escapa quanto mais tentamos nos aproximar. É por isso que podemos nos encontrar contemplando-a por tanto tempo, muitas vezes em uma espécie de estupefação.

Van Gogh Imersivo, segundo seus criadores, nos coloca dentro das pinturas, em uma nova proximidade tátil com sua composição e textura. Mas faz isso aniquilando o que Han, em O Aroma do Tempo (2009), chama de “gravitação temporal” dos originais, desancorando-os de qualquer localização no espaço ou tempo. Uma pintura deriva seu significado da relação fixa entre seus elementos texturais e cromáticos espaciais, digamos, desta faixa espessa de amarelo com aquele traço subjacente de preto. Isso é o que chamamos de sua composição. Digitalizar uma pintura é decompô-la, privá-la de base.

Sob o domínio do capitalismo digital, o próprio tempo é separado de qualquer “tensão narrativa ou teleológica”, ou seja, de qualquer propósito ou significado discernível, e assim, como as pinturas digitais em um show imersivo, ele “se desintegra em pontos que zunem sem qualquer senso de direção”. Nesse regime temporal, não há possibilidade de Erfahrung, que depende de um senso de continuum narrativo e duração. Há apenas a proliferação de sua contraparte pálida, Erlebnis: o evento discreto que “divertir em vez de transformar”, como Han diria mais tarde em A Sociedade Paliativa.

O cerne da escrita de Han é, sobretudo, filosófico. A vida social e cultural são ocasiões para abordar questões metafísicas. Assim, os sintomas superficiais da cultura digital são secundários em relação a suas premissas ontológicas. Como Martin Heidegger, sobre cujo conceito de Stimmung (estado de ânimo) ele escreveu sua tese de doutorado em 1994 (além de uma introdução a Heidegger em 1999), Han busca desenterrar a metafísica subjacente de nossa cultura contemporânea. Em particular, e novamente como Heidegger, Han se preocupa com a maneira que o ambiente de uma cultura hiperacelerada condiciona a relação fundamental entre consciência e mundo.

A Sociedade do Cansaço cristalizou a crítica à lógica de autoexploração do capitalismo contemporâneo que Han vem elaborando desde então. Antes disso, sua produção era significativamente mais diversificada; havia livros sobre morte, filosofia do Extremo Oriente e um estudo sobre o conceito de poder na tradição filosófica continental. No entanto, O Que É Poder? (2005) é intrigante por esboçar uma noção não coercitiva de poder que prenuncia de modo quase profético sua concepção da sociedade do cansaço do capitalismo digital.

Como o poder frequentemente envolve coerção, argumenta Han, houve uma tendência a vê-los como inseparáveis. Mas é apenas quando o poder é pobre em mediação, sentido como alheio a nossas vidas e interesses, que ele recorre à violência ameaçada ou real. Já quando o poder está no “ponto mais alto de mediação” – quando parece falar a partir do reconhecimento das necessidades e desejos de seus súditos – é mais provável que receba o consentimento voluntário desses súditos. Pode-se conceber, portanto, um poder que não tenha sanções à disposição, mas que ainda assim se torna absoluto pela plena identificação dos súditos com ele.

Quanto menos ele depende da ameaça de medidas punitivas para se sustentar, mais o poder se maximiza. “Um poder absoluto”, escreve Han, “seria aquele que nunca se tornasse aparente, que nunca apontasse para si mesmo, que antes se misturasse completamente ao que vai sem dizer.” É exatamente isso que acontece na sociedade do cansaço do capitalismo digital, onde o poder do capital consiste não em seu poder de oprimir, mas na rendição voluntária dos súditos à própria exploração.

Han recorre à concepção do teólogo germano-americano Paul Tillich de poder como ipsocêntrico, ou seja, como ele mesmo coloca, centrado em “um eu cuja intencionalidade consiste em querer-a-si-mesmo”, cultivando e reforçando seu próprio status. Deus é a encarnação suprema do poder porque, nas palavras de G.W.F. Hegel, “ele é o poder de ser Si mesmo”. Essa vontade de persistir na própria existência, de se agarrar à própria identidade, é a premissa básica do modo de ser ocidental. Podemos discerni-la em ação no narcisismo vazio das redes sociais e na cultura da autoexposição na qual todos somos instados a participar. A autoexploração é, em certo sentido, uma variante distorcida do cogito cartesiano: sou visto, logo existo. Ao me tornar perpetuamente visível, posso me esvaziar, perder os últimos vestígios de minha interioridade. Mas, ao me agarrar aos ossos nus de uma autoimagem, alguma forma de minha existência sobrevive.

O fundamento básico dessa erosão da experiência significativa, argumenta Han, é sentido no nível da temporalidade. O tempo acelerado do capitalismo digital efetivamente abole a prática da “demora contemplativa”. A vida é sentida não como um continuum temporal, mas como um acúmulo descontínuo de sensações aglomeradas umas sobre as outras. Uma das consequências mais flagrantes desse novo regime temporal é a atomização das relações sociais, à medida que as outras pessoas são reduzidas a partículas intercambiáveis no mesmo amontoado sensorial. A confiança entre as pessoas, fundamentada tanto na suposição de continuidade e confiabilidade mútuas quanto no sentido de conhecer o outro como singular e distinto, é inexoravelmente corroída: “Práticas sociais como prometer, fidelidade ou comprometimento, que são práticas temporais no sentido de que se comprometem com um futuro e, assim, limitam o horizonte do futuro, fundamentando assim a duração, estão perdendo toda sua importância.”

Essa corrosão da fidelidade e do compromisso é especialmente evidente, argumenta Han, na conduta do amor e dos relacionamentos. O amor repousa sobre uma disposição para arriscar o não saber, já que o tempo muda tanto os amantes quanto o mundo de maneiras que eles não podem antecipar. Nesse aspecto, o amor é a experiência exemplar do negativo, uma recusa do conhecimento conceitual e categórico.

Como Han o concebe, o amor nada tem a ver com o acoplamento sentimental e confortável promovido pela cultura de consumo, no qual o objeto amado é reduzido a uma projeção narcisista do eu. É antes um encontro com a alteridade radical, com a dor e a loucura – ambas implícitas na palavra paixão – que decorrem do risco de si mesmo. Obcecado pelo conforto, pela redução do amante a uma quantidade conhecida e inofensiva, “O amor moderno carece de toda transcendência e transgressão”, escreve Han em A Agonia de Eros (2012).

Transcendência e transgressão são dimensões gêmeas do negativo: ambas envolvem ir além e aquém do já conhecido. Assim como estão sendo extirpadas do erótico, também estão perdendo seu lugar no estético. A arte contemporânea, argumenta Han em Salvar o Belo (2015), tornou-se o órgão expressivo de uma “sociedade da positividade”, como se manifesta na estética “lisa” comum a iPhones, depilações brasileiras e esculturas de Jeff Koons. O que esses objetos aparentemente díspares têm em comum é o brilho impermeável de suas superfícies.

Han tem como alvo específico Koons, em cuja obra “não existe desastre, nem ferida, nem rupturas, tampouco costuras”. Por “costuras”, ele quer dizer aqueles traços do trabalho e do sofrimento que foram investidos em sua fabricação: falhas na passagem fácil da obra para seu consumo. De modo mais amplo, diz Han: “O objeto liso deleta seu Contra. Qualquer forma de negatividade é removida.” Tal negatividade, ou resistência, apresenta um obstáculo para a “comunicação acelerada”. Isso pode estar no nível do material – o grão áspero da pedra do escultor, a espessura do empasto da tinta, as dissonâncias da linguagem poética ou musical. Ou pode pertencer mais à substância da obra, uma alienação da imagem, composição, forma. De qualquer modo, livre de qualquer interrupção desse tipo, a obra de arte lisa viaja pelo campo perceptivo do espectador com a facilidade de um milkshake deslizando pelo trato digestivo.

Essa planura esvaziada é igualmente evidente em uma crise relacionada do capitalismo digital: o esgotamento das formas narrativas como portadoras de significado social. Em A Crise da Narração (2023), Han ecoa uma análise agora familiar. Ele atribui a ascensão dos movimentos nacionalistas populistas à percepção astuta, ainda que cínica, por parte de seus líderes, de um anseio público por “significado e identidade” em um mundo onde a temporalidade foi tão erodida que reduz o calendário a “uma agenda sem sentido de compromissos” e destrói qualquer senso de continuidade ou comunidade.

A cultura do consumo, com sua compulsão por novidade e estímulo perpétuo, igualmente corrói os laços de experiência compartilhada que geram narrativas significativas. O fogo ao redor do qual os seres humanos outrora se reuniam para ouvir histórias foi substituído pela tela digital, “que separa as pessoas como consumidores individuais”. Tempo, amor, arte, trabalho, narrativa; estas são as zonas-chave da experiência esvaziadas pela lógica desintegrativa do capitalismo digital. Cada uma é um rico reservatório de encontro transformador, ou Erfahrung, que o “não-tempo” do presente reduziu a instâncias vazias de Erlebnis.

É em Vita Contemplativa (2022) que Han avança mais além dos limites da polêmica para vislumbrar uma alternativa à política e cultura enervadas da sociedade do desempenho. O livro apresenta uma defesa filosófica da inatividade, concebida menos como oposição à atividade do que como uma possibilidade dentro dela. Han cita um fragmento da fase final de Nietzsche sobre “pessoas inventivas”, que propõe que o verdadeiramente novo só pode surgir onde há tempo e liberdade suficientes para pensar, à parte dos imperativos de propósito e produtividade.

Essa comunidade nietzschiana ainda inexistente dos inventivos ecoa a imaginação utópica do poeta alemão Novalis de uma “república dos vivos”. O ideal de poesia de Novalis é muito mais do que uma forma literária discreta. É radicalmente expansivo. Para Novalis e os românticos alemães, a poesia é “um meio de unificação, reconciliação e amor”. A capacidade do poema de encontrar uma imagem do todo em um objeto aparentemente discreto serve como uma espécie de promessa da unidade última entre parte e todo, finito e infinito.

Esse horizonte utópico está intimamente ligado à natureza da poesia como atividade não finalística. Por não ter um objetivo instrumental, nada em particular “a fazer”, ela é suficientemente abrangente para absorver em si todo o mundo humano e não humano, o que Novalis chama de “família mundial”, sem exclusões ou exceções.

Parte da beleza dessa visão utópica está certamente em sua impossibilidade, e Han sabe que não deve propor um programa para sua realização – principalmente porque isso exigiria uma mudança instrumental do contemplativo para o ativo. Mas essa impossibilidade deixa sua obra dividida entre a escuridão implacável da realidade do mundo e a luz pura de seu ideal, com muito pouca noção de qualquer passagem entre os dois lados dessa divisão.

Mas se afastarmos a obra de Koons do julgamento implacável de Han, está longe de ser claro que ela abole o negativo. A superfície espelhada de sua silhueta de urso sem características é meramente uma afirmação lisa da positividade da cultura pop? Sua própria vacuidade não se apresenta a nós como uma opacidade impermeável? Em certo sentido, confirma a observação de Han de que a arte de Koons recusa a interpretação, mas não no sentido que o próprio Han pretende. A pura haecceidade da obra, seu silencioso escárnio de qualquer decifração simbólica, não constituiria sua própria negatividade?

Recordar aquele sobressalto de reconhecimento em meu primeiro encontro com A Sociedade do Cansaço só amplifica minha suspeita de que a polêmica de Han tornou-se formulaica e, como tal, uma espécie da própria desatenção que ele denuncia. Encontro-me desejando que ele desista, pelo menos uma vez, de ensaios de pinceladas largas sobre a lógica fundamental de condições sociais em larga escala e, em vez disso, concentre-se em um único objeto ou fenômeno – uma obra de arte, um lugar, uma pessoa. Se a sintonia com a alteridade está desaparecendo, por que não buscar revivê-la em vez de lamentá-la?

Acontece que há uma vertente na obra de Han que pelo menos aponta para essa possibilidade, a saber, seus escritos sobre a tradição cultural em que nasceu. No significativamente intitulado Ausência (2007), Han descreve o modo muito diferente de ser e de relação cultivado na filosofia, cultura e linguagem do Extremo Oriente. Em contraste com o apego tenaz do eu ocidental a seu próprio desejo, Han apresenta um eu que busca seu próprio “esvaziamento” – “Um andarilho é sem eu, sem self, sem nome.” Enquanto a substancialidade do eu ocidental requer sua máxima diferenciação do mundo – o poder divino de ser si mesmo –, o eu oriental visa a uma espécie de fusão oceânica com o mundo.

O adjetivo “oceânico” não foi escolhido arbitrariamente. Han relata o conto do filósofo chinês Zhuangzi, do século IV a.C., sobre um peixe gigante que vive num mar escuro do norte e se transforma em um pássaro gigante. Se esse peixe-pássaro não fosse gigante, teria que reunir uma individualidade heroica e reunir toda a força de sua vontade contra o céu e o mar. Mas seu tamanho colossal permite que seja carregado sem esforço pela força das ondas e dos ventos. Por analogia, a mente que se opõe ao mundo vê sua relação apenas em termos de oposição. Se o mundo é um mar hostil e opressor, então a mente é um pequeno peixe em apuros, lutando para reunir todo seu poder e astúcia para evitar ser lançado às margens por suas correntes. Mas se o peixe é de escala proporcional ao mar, pode ceder em vez de lutar contra as ondas: “Se a mente é o mar, o mar não representa ameaça.”

Os rituais de saudação do Extremo Oriente expressam uma amizade igualmente generalizada e vazia. Quando o indivíduo ocidental olha nos olhos do outro e lhe aperta a mão, está falando como um eu delimitado e diferenciado para outro. Isso cria o que Han chama de um “espaço dialógico” pleno, transbordante de olhares, pessoas e palavras.

A reverência oriental, por outro lado, pretende esvaziar a saudação de conteúdo, tornar tanto seu sujeito quanto seu objeto ausentes um para o outro. Os participantes de uma reverência “não olham para lugar nenhum”, como se cumprimentassem ninguém em particular: “A gramática da reverência não tem nominativo ou acusativo, nem sujeito subjugador nem objeto subjugado, nem ativo nem passivo… Esta ausência de casos constitui sua amizade.” Trata-se de uma amizade distinta das paixões da amizade, onde o amigo é escolhido com base em sua singularidade. Trazer outro para a zona inclusiva de minha amizade implica uma exclusão concomitante, uma escolha desta e não daquela companhia e amor. A amizade do ritual da reverência codifica, em vez disso, uma universalidade radical – um amor livre de quaisquer preconceitos da subjetividade.

Han acredita que a tradição romântica alemã é portadora de uma concepção similar, embora distinta, de amizade universal, na qual todos os seres humanos podem se tornar “concidadãos numa república dos vivos”. É uma concepção que media entre a amizade indiferente do Oriente e a amizade apaixonada do Ocidente, entre a universalidade e a singularidade dos outros.

Parece-me que, se a tradição alemã carrega o ideal preferido de Han de universalidade, é o pensamento, a linguagem e a cultura do Extremo Oriente que permitem uma apreciação mais lúdica e viva do particular, insinuando matiz e cor numa prosa que pode parecer cada vez mais monocromática em tom. Podemos pensar nessas duas vertentes como a interação do poeta e do inventor, mostrando um prazer evidente na observação e associação. Para citar Han, a massa de tempura transforma pedaços de vegetal ou peixe em “uma crocante aglomeração de vazio”; no jardim de pedras zen, “a natureza brilha no vazio e na ausência”. Ao contrário do vazio do Ocidente consumista que Han denuncia por ser imposto de cima por mestres corporativos, o vazio do jardim zen ou das cidades do Extremo Oriente é orgânico à cultura.

A entrevista de Han ao El País em 2023 termina com sua sugestão, depois que o gravador é desligado, dele e o entrevistador irem para seu restaurante italiano favorito. Comendo uma porção de sopa de peixe, ele relaxa, brinca, desfruta de toda a alegria de uma conversa fluida que parecia ausente no ambiente formal da entrevista. O que tal infusão de vitalidade e brincadeira poderia fazer por sua escrita? Han provavelmente objetaria que tais lampejos de positividade apenas embotariam o fio negativo de seu pensamento. Mas não posso deixar de me perguntar se não seria o oposto.

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