“Centrão” e bolsonarismo: simbiose letal
Urgência ao PL da Anistia é mais um sintoma da captura do Legislativo. Aliança entre ultradireita e fisiologismo visa controlar o orçamento e pautar o debate político. Mesmo que percam a presidência em 2026, querem eleger um Congresso ainda mais hostil às maiorias
Publicado 18/09/2025 às 18:24 - Atualizado 18/09/2025 às 18:34

A votação e aprovação do requerimento de urgência do projeto de anistia aos golpistas na noite desta quarta-feira (17), na Câmara dos Deputados, dá inúmeros sinais sobre o atual cenário político e institucional no Brasil. Os próprios parâmetros habituais de análise do que sempre foi a negociação entre Executivo e Legislativo estão em xeque e são insuficientes para dar conta do que acontece. Mais do que a cantilena da mídia corporativa de “derrota do governo” ou “vitória da oposição”, o jogo agora é outro, como já havia demonstrado a aprovação da PEC da Blindagem.
Nada aconteceu do dia para a noite. Desde a presidência de Eduardo Cunha houve o início de uma mudança efetiva e constante no comportamento do Legislativo, em especial da Câmara, onde parlamentares passaram a buscar mais autonomia e abocanhar fatias maiores do orçamento público, viabilizando a impositividade de parte das emendas e criando mecanismos que garantiam opacidade de uma parcela relevante delas.
Um episódio emblemático que marca essa virada e o fim do presidencialismo de coalizão como visto após a promulgação da Constituição de 1988 foi o líder do União Brasil na Câmara, deputado Pedro Lucas Fernandes (MA), aceitando e depois recusando o convite para assumir o Ministério das Comunicações em substituição a outro nome da legenda, Juscelino Filho, que saiu depois de ter sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), acusado de envolvimento em um suposto desvio de emendas quando era deputado federal pelo Maranhão, em 2022.
O anúncio da saída de Pedro Lucas abriu uma disputa na bancada que poderia enfraquecer seu grupo político, ligado ao presidente nacional da sigla, Antonio Rueda. Um novo processo de escolha interna colocaria em risco um ativo importante: a liderança. Criado em 2019, o Colégio de Líderes ganhou novo status sob a gestão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Casa, mantido com Hugo Motta. Além de decidir o encaminhamento de pautas, define o direcionamento de boa parte das emendas.
A avaliação, ao fim, foi de que vale mais manter o cargo de líder de uma bancada do que ser o titular de um ministério, ainda que importante como o das Comunicações. Para registro, Pedro Lucas votou a favor do requerimento de urgência do PL da Anistia.
Perfeita simetria
A mudança de patamar do Legislativo entre os poderes também deu mais liberdade de ação (em vários sentidos) aos parlamentares do Centrão. Inicialmente, o agrupamento suprapartidário surgiu como um bloco conservador na Assembleia Constituinte de 1987-88 para se consolidar como uma frente predominantemente fisiológica e clientelista. Em diversas ocasiões, foi (e ainda é) um ator político informal, essencial para a governabilidade, mas também um contínuo gerador de crises.
Embora tenha feito parte e se aliado a governos do PT, para os integrantes do grupo isso era uma necessidade que muitas vezes os prejudicava do ponto de vista eleitoral, já que tinham que explicar a suas bases, predominantemente avessas a qualquer viés de esquerda, o que faziam na base governista. O controle das emendas e de uma fatia maior do orçamento os liberta de um figurino que não era o seu. Passa a ser mais interessante, sob a ótica político-eleitoral, se alinhar às pautas bolsonaristas, que dão visibilidade a quem as defende e, ainda que tragam rejeição de outra parte da sociedade, asseguram um nicho fundamental para a reeleição ou manutenção do poder político, já que em uma eleição proporcional é preciso ter um percentual muito menor de votos do que em uma disputa pelo Executivo.
As articulações locais, fortalecidas pela injeção das emendas, também são mais fáceis de serem feitas entre partidos que têm mais afinidade de discurso. Desta forma, a simbiose entre o bolsonarismo e o Centrão se dá de forma quase natural e talvez seu melhor registro seja a foto em que Hugo Motta, em uma aparente retomada do controle da Mesa da Presidência da Câmara após o motim de deputados extremistas, aparece ladeado por seus supostos algozes. Não se trata de um refém ao lado de sequestradores, mas sim de uma parceria colocada em novas bases.
O chamado “baixo clero”, composto por parlamentares pouco expressivos em termos de representatividade e atuação para a sociedade, mas com pessoas versadas em manobras regimentais legais e ilegais, chegou ao poder com Eduardo Cunha e lá permaneceu. Sua aliança com o bolsonarismo lha dá a visibilidade e ainda mais poder de barganha na sua relação de acosso ao Executivo.
Para os extremistas, manipular a pauta do Legislativo garante uma mobilização quase permanente para suas bases e é nisso que esse segmento aposta para manter e aumentar seu capital político. Além de inviabilizar pautas do governo que poderiam se reverter em ganhos para a sociedade como um todo e em termos de popularidade.
Por outro lado, boa parte do eleitorado que não está alinhada à esquerda nem à direita pode se cansar do jogo político que não trata de nenhum tema relativo ao cotidiano do cidadão e o próprio desabafo do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), nesta quarta-feira, representa um pouco desse espírito. “(…) todos os dias, de manhã, de tarde e de noite, aparece alguém com uma ideia, criando algum problema, criando algum transtorno, ofendendo alguém, agredindo alguém, puxando algum assunto que não é o assunto do Brasil”, disse ele.
A insistência em questões como anistia, impeachment de ministros do STF e pautas essencialmente corporativas afasta essas pessoas que podem identificar no Executivo um Poder que tenta mudar a realidade brasileira ou que ao menos trabalha para isso. Isso pode ser o suficiente em uma eleição presidencial, como apontam as pesquisas que mostram a recuperação de popularidade do governo Lula e o desgaste de algumas figuras da extrema direita. Mas como isso se refletiria nas eleições proporcionais?
Perder e ainda assim ganhar
Na disputa presidencial, o Centrão-bolsonarismo não tem um candidato. Ainda que Tarcísio agrade a alguns, ele é bolsonarista na essência, mas não na aparência, fator fundamental na definição de voto. Sua candidatura poderia colocar em risco o comando da família do ex-presidente sobre um segmento radicalizado capaz de impulsionar uma candidatura para o segundo turno.
A pesquisa Quaest divulgada nesta quinta-feira (18) aponta que Bolsonaro ainda seria o candidato mais forte deste campo em um eventual primeiro turno, com 24%. Michelle teria 18%, enquanto Eduardo oscilaria entre 14% e 21% de acordo com o cenário analisado. Tarcísio varia entre 17% e 20% conforme as simulações, sendo o nome mais bem cotado fora da família do ex-presidente. Se o sobrenome traz uma rejeição elevada em cenários de segundo turno, no primeiro apresenta força para ou chegar à volta final, ou atrapalhar um dos possíveis nomes da direita em 2026.
Contudo, seria a presidência a principal meta destas legendas? De uma forma geral, os partidos do Centrão não lançam candidatos presidenciais, direcionando seus volumosos recursos do fundo partidário para disputas de governo e Legislativos. Com mais poder e dinheiro do orçamento, seus esforços devem se centrar na consolidação do seu poder local, na articulação entre parlamentares e prefeituras, e também no Senado, onde duas vagas por estado estarão em jogo. Conforme o quadro, candidatos podem ser eleitos com uma proporção razoavelmente pequena de votos, com alguns sendo bem sucedidos ao alcançarem 16% da preferência do eleitorado.
Assim, mesmo perdendo, o Centrão e o bolsonarismo podem ganhar, ainda mais se levando em conta que o sistema de eleição para o Legislativo brasileiro favorece o distanciamento entre a escolha para presidente e os cargos do Parlamento. Um triunfo faz com que continuem no seu exercício de captura da agenda política, consolidando um “parlamentarismo de coação” e cerceando ainda mais as ações do Executivo. As eleições de 2026 podem representar um novo risco para o edifício institucional do país.
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