A eleição e seus desafios

Derrotar Bolsonaro será apenas a primeira — e urgentíssima — tarefa. Um novo governo terá pela frente a missão de espantar o espectro neoliberal e reconstruir o Estado brasileiro, afundado em múltiplas crises: democrática, de estagflação e esperança…

Foto: André Coelho / Agencia O Globo
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As pesquisas eleitorais recentes da intenção de votos repetem aproximadamente o resultado das anteriores. Lula ganha confortavelmente no segundo turno, podendo vencer no primeiro por margem apertada. Esta possibilidade tornou-se mais difícil nos últimos meses, o que foi atribuído, entre outros fatores, à liberação de dinheiro público do orçamento secreto para beneficiar parlamentares e seu eleitorado, aos votos recebidos com a desistência do candidato Moro, bem como ao relativo abrandamento da pandemia que causava grande desgaste político a Bolsonaro. Por outro lado, a inflação implacável, principalmente nos preços da energia e alimentos, pesa desfavoravelmente ao candidato Bolsonaro.

Mas nem tudo se explica pela economia. O saudoso cientista político Wanderley Guilherme dos Santos dizia que, no Brasil, 30% votam na direita, 30% votam na esquerda, e 40% constituem o eleitorado flutuante. Em 2018, Bolsonaro capturou os votos da direita e da maior parte desse eleitorado flutuante. Agora, em 2022, as pesquisas eleitorais indicam uma perda significativa neste último segmento. Perda bem menor terá no eleitorado de direita que se identifica com sua visão retrógrada de autoritarismo, misoginia, homofobia, machismo, intolerância à diferença e ignorância completa, no que se refere à sobrevivência humana, do papel dos recursos naturais e da natureza, vista apenas como objeto a ser destruído em nome do progresso.

Entre as poucas certezas da campanha eleitoral de 2022 encontra-se a polarização entre os dois principais candidatos, uma vez que não prosperaram as diversas tentativas de uma terceira via com um candidato de centro. A candidatura Lula-Alckmin ocupou o centro, da mesma forma que o candidato Bolsonaro, da extrema direita, tende a receber os votos ainda hesitantes da direita tradicional, mas com perdas importantes em relação à eleição de 2018. Temos, assim, uma chapa de centro-esquerda, com apoio do centro, contra uma chapa de extrema direita, com apoio da direita.

O fracasso retumbante do governo Bolsonaro, com destruição das instituições e políticas públicas de saúde, educação, ciência, cultura, meio ambiente, política externa etc., aliado aos índices medíocres do PIB, persistência do alto desemprego, uberização do trabalho e inflação fora do controle, levaram à perda de apoio em alguns segmentos do empresariado. E, no que se refere ao sólido apoio militar, também aí há fissuras, face à desmoralização das Forças Armadas pelas ações estapafúrdias e desmandos do atual governo em diversas áreas, com destaque para a retrógrada atitude anticientífica de sabotagem da vacina, e o fornecimento, com dinheiro público, de cerca de 35 mil comprimidos de Viagra e próteses penianas para os militares. A isso tudo se somam os escândalos da corrupção dos pastores evangélicos que cobravam propina para distribuição das verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, a violência dos madeireiros e mineradores ilegais, o genocídio de indígenas, o avanço ilegal, mas com apoio oficial, dos milicianos nas cidades etc.

Diante desse quadro, pode-se afirmar que a polarização Lula x Bolsonaro não será alterada por nenhuma candidatura de terceira via que desempenhará papel secundário. O quadro eleitoral está definido: a luta se dá entre a democracia x ditadura, civilização x barbárie. Caberá às forças democráticas, porém, aproveitar o momento da luta política durante a campanha eleitoral para defender os direitos dos trabalhadores, pisoteados desde o governo Temer, após o golpe parlamentar que derrubou a presidente Dilma. Além disso, lutar pela redução da desigualdade social que aumentou de forma escandalosa nos últimos anos, bem como pelo resgate da soberania nacional.

Será necessário, durante a campanha, não deixar dúvidas nem alimentar ilusões. O próximo governo enfrentará uma grave crise econômica que já se manifesta em todo o mundo. Trata-se do casamento ameaçador da inflação com a recessão, ou seja, a estagnação com inflação, chamada estagflação. No Brasil, este quadro será agravado pela desindustrialização em curso, altos índices de desemprego, desmonte das instituições do Estado, supressão de políticas públicas, privatizações contra o interesse nacional, entre outros fatores.

Em 2023, o novo governo se verá, logo no início, diante de uma encruzilhada. De um lado, as forças políticas e econômicas que defendem o neoliberalismo e sua proposta de concentrar os recursos públicos no mercado e esvaziar o Estado, usando como pretexto os dogmas de ajuste fiscal, teto de gastos e equilíbrio de contas públicas para evitar investimento do Estado na economia, enfim, a tese do Estado mínimo e do Mercado máximo.

É importante assinalar que o neoliberalismo fracassou em todo o mundo, mas se mantém predominante no Brasil. Nos EUA, o governo do presidente Biden vai investir 1 trilhão e 200 bilhões de dólares na economia, principalmente na infraestrutura e tecnologia. Lá nunca existiu Estado mínimo, o governo americano sempre financiou pesquisas científicas que resultaram em novas tecnologias, em diversas áreas, desde a espacial até a digital.

O neoliberalismo conta com o apoio do mercado financeiro, dos grandes investidores nacionais e internacionais, da mídia mainstream e da maioria dos militares. Este caminho levou o Brasil à sua atual situação de país periférico, de grande desigualdade, exportador de produtos primários e commodities. A pobreza e a miséria aumentaram, assim como o número de bilionários. O projeto da industrialização nacional, iniciado por Vargas e retomado pelos governos petistas, foi abandonado após o impeachment da presidente Dilma.

Outro caminho é o Estado reassumir seu papel central no planejamento e execução de investimentos públicos, visando a um desenvolvimento socioeconômico sustentável, amparado pela grande riqueza de recursos naturais no Brasil que atualmente estão sendo destruídos de forma predatória para lucro de alguns poucos. É o que se espera do governo eleito em 2022 que deverá, no plano internacional, adotar uma política externa independente, não mais baseada na vassalagem em relação aos interesses norte-americanos, mas centrada nos interesses nacionais.

Antes disso, porém, o Brasil vai enfrentar uma grande crise política. Na campanha eleitoral, os partidos de oposição e o próprio Tribunal Eleitoral não serão mais surpreendidos pela divulgação de dezenas de milhões de fake news pelos robôs, como ocorreu em 2018. E a oposição começou a utilizar melhor as mídias sociais, embora tenha ainda um longo caminho a percorrer. Diante desse novo quadro, Bolsonaro já deu diversas demonstrações de que não aceitará o resultado das urnas, se perder a eleição. Não se pode prever o que fará, que tipo de golpe vai tentar com sua base de apoio, mas ninguém acredita que ele vai passar a faixa presidencial para o vencedor e desejar boa sorte.

Bolsonaro é um político corrupto, ligado ao Centrão, ignorante, incompetente, cafajeste, de ideologia neonazista e quer ser ditador. Seu projeto fascista está ameaçado com sua derrota eleitoral. Na campanha, já começou a distribuir benesses e favores, o que contribuiu para melhorar sua posição nas pesquisas eleitorais. Se ganhar a eleição, o atual regime de exceção – com parte do Judiciário e do Ministério Público comprometidos com o atual governo e envolvidos com várias práticas de lawfare – vai se transformar rapidamente em ditadura franca e aberta, com destruição da democracia e dos direitos humanos.

Tudo indica que o vencedor é Lula. E que o enfrentamento com a extrema direita pode não ser apenas eleitoral. Este será provavelmente o maior desafio da campanha eleitoral.

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