Despejo Zero: a luta contra violações do direito à moradia

Medida do STF que proíbe remoções na pandemia expira no fim do mês. Diante da espiral de miséria e aluguéis abusivos, 150 mil famílias podem ficar sem-teto. Protestos em todo o país exigem que prazo seja prorrogado e saídas ao déficit habitacional

Ato na Av. Paulista, São Paulo. Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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A poucos dias do fim da vigência de medida emergencial expedida pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 828), que suspende reintegrações de posse e remoções na pandemia, movimentos sociais de todo país foram às ruas nesta terça-feira (21/6) reivindicar sua manutenção, em meio ao aumento gritante da pobreza, do desemprego e da fome no país.

Diante do quadro sanitário no país, o STF havia determinado a suspensão dos despejos urbanos e rurais até 3/12 – prazo estendido até 31 de março de 2022, e depois, até 30 de junho, graças a intensas mobilizações da sociedade. Porém, está perto de expirar – e, a partir do dia 1º de julho, cerca de 150 mil famílias – pelo menos meio milhão de pessoas – podem ser jogadas na rua. Segundo dados da Campanha Despejo Zero entre as pessoas com risco iminente de ficarem desabrigadas estão cerca de 97 mil crianças, 95 mil pessoas idosas e mais de 341 mil mulheres.

Comer ou pagar o aluguel tornou-se o grande dilema da população empobrecida. Em dois anos de luta contra o vírus no Brasil, a quantidade de pessoas em insegurança alimentar grave saltou de 19 milhões para 33,1 milhões. De acordo com levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), a cada dez famílias brasileiras, seis não têm acesso pleno a alimentos. Dados do aumento de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza mostram número recorde: no fim de 2021, dados da FGV Social com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, indicavam 23 milhões de pessoas nessa situação, vivendo com até R$ 210 ao mês – ou seja, 10,8% da população tem que sobreviver com R$ 7 por dia.

Nas cinco regiões do país, diversas organizações se uniram à sociedade civil para pressionar que o Supremo prorrogue até o final de 2022 – ou, pelo menos, até o fim da ameaça da covid-19. Com uma articulação que envolve mais de 175 organizações e entidades, estavam entre os organizadores do protesto pela Campanha Despejo Zero o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) o Movimento Luta Popular, as Brigadas Populares, a UMM e o Movimento de Lutas em Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

Em São Paulo, milhares saíram do Masp, na Avenida Paulista, em direção à Consolação. Na capital o Rio, o ato se concentrou em frente ao Tribunal de Justiça do estado, como também ocorreu em Belo Horizonte. No Nordeste, foram registradas manifestações em cidades no Ceará, Fortaleza, Pernambuco, Alagoas e Paraíba. No Pará, os trabalhadores sem-terra trancaram a BR-155, no município de Eldorado dos Carajás. Em Porto Alegre (RS) mobilização garantiu que a Casa Civil encaminhará um pedido, em nome do governador, ao STF pela suspensão de todos os despejos no estado.

Foto: MST MG

Déficit habitacional

No último levantamento realizado no país, pela Fundação João Pinheiro (com base em 2019, portanto, antes da crise sanitária), o Brasil registrou deficit de 5,8 milhões de moradias. Os aumentos abusivos no preço dos alugueis urbanos ainda apontam tendência de crescimento da crise habitacional: o número de casas desocupadas por conta do valor alto do aluguel saltou de 2,8 milhões em 2016 para 3,03 milhões em 2019. O estudo apontou também a precariedade urbana no país, como falta de abastecimento de água, saneamento, energia e serviço de coleta de lixo, além de questões próprias da casa, como ausência de banheiro, ou pisos e coberturas inadequadas: esses imóveis somam 24,8 milhões. Domicílios em terrenos com situação de irregularidade fundiária somam 2,5 milhões.

Um recorte da pesquisa chama atenção para dados alarmantes: a maioria de pessoas afetadas pela falta de moradia são mulheres. Se levado em conta apenas o ônus excessivo no preço dos aluguéis, o número de mulheres impactadas saltou, em quatro anos, de 1,5 milhão (56%) para 1,8 milhão (62%). A importância de apontar que elas estão mais vulneráveis na crise, segundo a diretora de estatísticas de informações da Fundação, Eleonora Cruz Santos é que, por si só, “esse aspecto remete à necessidade de desenvolvimento de políticas habitacionais específicas para esse tipo de público”, aponta em entrevista ao site do Ministério do Desenvolvimento Regional

Por que o Despejo Zero é urgente?

Morar, trabalhar, comer e viver com dignidade tornou-se um privilégio no Brasil. Segundo dados da Campanha, pelo menos 14,6 mil pessoas envolvidas em processos de reintegração de posse foram protegidas diretamente pela medida emergencial do STF proibindo os despejos. Porém, ainda assim, mais de 31 mil famílias, ou 125 mil pessoas, foram removidas ilegalmente durante a pandemia no Brasil. A articulação dos movimentos sociais existe desde o início da pandemia, em 2020.

No final de maio deste ano, o governo Bolsonaro anunciou o “fim da pandemia”, e rebaixou o status de calamidade no país, retirando-o da Emergência Sanitária. Porém, além da chegada do inverno – que traz maior proliferação de doenças e riscos à saúde pelo frio intenso – o número de infectados pela covid-19 recrudesceu novamente, com repostas desordenadas e poucas medidas para mitigar uma nova onda iminente.

“O principal pedido é para prorrogação dos efeitos da liminar por mais um ano ou, pelo menos, até que cessem os efeitos da pandemia. Vivemos um momento de agravamento dos casos novamente, com altos índices de contaminação, e o nosso entendimento é que promover despejo nesse período apenas agrava a crise sanitária e social que o país está inserido”, explica Diego Vedovatto, advogado da Campanha Despejo Zero, que afirmou à reportagem do MST que a expectativa é de que o ministro-relator do STF, Luís Roberto Barroso, profira uma decisão favorável a proteção de milhares de famílias.

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