Reflexões à beira do segundo turno

Para certo discurso, a alternativa Ciro é tomada como traição – ainda que permita derrotar o fascismo. É hora de renovar a esquerda e superar este autoritarismo surdo

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Em 14 de setembro, escrevi aos amigos petistas um apelo, diante da minha percepção a respeito dos rumos dessa eleição. O que eu via era que Haddad, mesmo crescendo nas pesquisas devido ao seu poderoso cabo eleitoral, possivelmente perderia no segundo turno graças ao enorme antipetismo provocado, entre outras coisas, por seu próprio crescimento.

Fui expressamente questionada em minha colocação por várias pessoas que julgo inteligentes, além de uma meia dúzia de loucos de palestra. Muitos quiseram me fazer crer que eu estava sendo precipitada e que Haddad cresceria no segundo turno. Diante da minha pergunta: mas… e se Haddad não crescer no segundo turno? A única resposta possível é que ele cresceria. Não havia plano B.

Escrevo isso não para convencer alguém a votar em Ciro. Sinceramente, como disse naquela ocasião, creio que corremos um sério risco de não termos mais tempo para manobras.

Mas escrevo porque há algo que precisa ser dito. E não vai ser depois. Não vai ser naquela hora oportuna que não chega nunca. Vai ser agora.

Não há o menor motivo lógico para que Ciro seja colocado em outro campo que não o mesmo campo progressista desenvolvimentista em que o PT e Haddad se encontram. Ciro, além de ter um plano de governo estruturado de centro-esquerda nacionalista, possui a experiência e as condições necessárias para fazer de seu governo um governo similar (melhor ou pior, não sabemos – mas similar) ao que se espera de um governo petista.

Por que então, ele foi descartado e, mesmo quando muitas pesquisas faziam crer que ele teria mais chances de derrotar Bolsonaro (como ainda fazem), sua candidatura foi tomada como uma impossibilidade, um desatino, uma escolha traidora?

Por que será que, no campo progressista, toda e qualquer alternativa real ao PT é tida como um engodo, uma falsa esquerda, quando sabemos que a falsidade da esquerda é algo que compõe todos os partidos e propostas que se encaixam nas instituições democráticas não menos falsas?
Há outros motivos que impedem que eleitores identificados com o PT façam escolhas de voto estratégicas em candidatos similares, que dividem o mesmo campo progressista. Uma pista é pensamos a respeito do que levou Ciro ao isolamento de que o próprio PT o acusa.

Enquanto não for possível abrirmos o campo da esquerda para a pluralidade, sofreremos e sangraremos a escolha de ter apenas Um. Se somente é possível ter Um, não é possível perder, nem mesmo é possível trocar.

No discurso do Um, o que mais incomoda não é o lado de lá, o lado oponente que o estrutura na lógica do inimigo (civilização x barbárie). O que mais incomoda e o que deve ser eliminado é o vizinho, que cometeu o crime de não ser idêntico. O “dois”, o que está ao lado; igual, mas diferente.
Por isso, todo questionamento, toda dúvida e toda crítica ao PT vinda de seus semelhantes é recebida como uma traição. E o resultado é a exclusão ou a eliminação.

Muito foi falado e cobrado sobre o que seria a necessidade de uma autocrítica. Mas o que mais me exaspera não é a falta de autocrítica. É a falta de reflexão e, sobretudo, dúvida. Dúvida inclusive a respeito de suas potências e de seu projeto.

Quando escuto eleitores do Bolsonaro acusando o PT de ditadura comunista, percebo que há muita loucura envolvida em tudo isso. Mas há algo que eles intuem. Caso contrário, não haveria cola suficiente para esse discurso. E o que eles intuem é que há autoritarismo e surdez presentes na esquerda hegemônica.

E isso precisa ser dito, compreendido e transformado.

Torço muito para que, ainda assim, alguma dessas candidaturas venha a ganhar as eleições. Mas qualquer que seja o resultado, essa é uma tarefa para todos que acreditamos na pluralidade como forma de renovação das esquerdas.
 

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10 comentários para "Reflexões à beira do segundo turno"

  1. Nilo disse:

    Esta afirmação profundamente infeliz da Graziela assusta pelo seu grau de fantasia, por transformar uma especulação (“mas há algo que eles intuem”) na base da conclusão sobre o comportamento de um eleitorado que a mesma parece também desconhecer por completo e pelo seu alinhamento à torpe tentativa da centro-direita (Ciro, Alckmin, Marina) e da Grande Mídia de vender PT e o Coiso como dois extremos autoritários do espectro político. além da estapafúrdia tese da “Esquerda Hegemônica que não aceita ceder a… HEGEMONIA”. Francamente, fazer trabalho de base o Ciro não quer, né? Pq, alguém que conquista a hegemonia, aceitaria negociá-la? Em política, o objetivo não é justamente a hegemonia? O Ciro ganharia sem o eleitorado conquistado pela Hegemonia do PT? Aliás, anterior a tudo que se pode discutir, tem-se o fato de que estas eleições eram pra ser vencidas em primeiro turno por Lula, caso o Brasil não tivesse sofrido um GOLPE e o mesmo não tivesse sido preso pra ser retirado das eleições. Este texto, que volto a dizer, mais parece textão de facebook escrito às pressas, propõe um pragmatismo excêntrico que tem por prerrogativa aceitar como consumado o Golpe dado, a seleção pelo Mercado dos candidatos que podemos votar (Ciro sendo um deles) e mostra que o projeto pessoal do Ciro aliado ao antipetismo disfarçado de preocupação com o fascismo de seus eleitores validariam o Golpe na oportunidade de afastar o PT do governo.

  2. Fátima disse:

    Náo adiante Graziela, falar com petistas ou antipetistas é exatamente a mesma coisa.

  3. Nilo Ramos disse:

    Agradecido Xará:,mesmo desejosos de dialogar, nos abrirmos e ampliarmos (como vimos fazendo com o Pcdb e o Psol) como entender e o que podemos fazer com uma declaração dessas (agravada pela centralidade da mesma no texto e pela condição de profissional da área da autora)?: ”Quando escuto eleitores do Bolsonaro acusando o PT de ditadura comunista, percebo que há muita loucura envolvida em tudo isso. Mas há algo que eles intuem. Caso contrário, não haveria cola suficiente para esse discurso. E o que eles intuem é que há autoritarismo e surdez presentes na esquerda hegemônica”.Mesmo considerando e concordando a ”pluralidade” do portal, não seria interessante conhecermos se esta é a posição predominante no mesmo?

  4. O argumento perde a razão na própria postura de Ciro Gomes no último debate, trazendo questionamentos e críticas ao PT que poderiam ter saído da boca de Alckmin ou do William Bonner (lembrando que Boulos, sim, atacou bem as questões do PT que precisam se apresentadas: suas alianças e suas intenções de revogar as medidas golpistas). Quando Haddad anunciou a candidatura eu não tinha um voto decidido, queria ver como ficaria o panorama, pensava na possibilidade de votar em Ciro (não acredito que vocês falam bem daquele programa de governo dele que não aborda quase nada, raso e sem propostas definidas, mas tudo bem), porque acredito que a validação de Bolsonaro pelo voto seria desastrosa. Tudo bem, vamos lá. Daí que Haddad começa a ganhar força e, igualando as chances do Ciro em derrotar o Bolsonaro, começam os ataques. Se antes era “cada um vota em quem quer no primeiro turno e seguimos juntos no segundo”, a narrativa agora é que “um segundo turno com PT vai destruir o Brasil”. E aí? Em que medida esse tipo de fala, assim como a “denúncia” posta por Ciro Gomes no último debate, questionando Haddad sobre o seu programa em relação a Constituição, AFIRMANDO que a proposta era a mesma de Bolsonaro, podem elevar a candidatura de Ciro nesse momento? E aí? Cadê a união da “esquerda”? Fomentando o anti-petismo junto com o PSDB. Pra derrubar uma candidatura que está avançando nas pesquisas pelo apelo popular que tem. Podemos questionar quais as bases desse apoio? Podemos e devemos. Existem muitas críticas à esquerda a serem feitas ao PT, inclusive em relação ao seu eleitorado. Mas faltando uma semana pra eleição, diante da ofensiva fascista? Puro egocentrismo. Acho muito engraçado povo falando de Ciro Gomes como uma renovação à esquerda, sendo que o mesmo já falou que vai governar com todos, sem medo das alianças, como sugere a nomeação de Kátia Abreu, mesmo com a rejeição ENORME que ela tem na sua base eleitoral, seja por ser a rainha da motosserra, seja por ter sido aliado de Dilma. Eu só vejo esse discurso de que “o PT quer se manter no poder a qualquer custo”, e nenhuma fala sobre essa atitude anti-democrática de querer derrubar o opositor nas vésperas da eleição. Isso é democracia? É esquerda? Nossa, sério.

  5. Lourival Almeida de Aguiar disse:

    A Graziela falou pouco e disse menos ainda. Diante da onda conservadora, obscurantista mesmo, atual, a polarização verdadeira é fascismo X democracia popular e a possibilidade concreta de vitoria é a união das esquerdas em torno do HADDAD. O Ciro tem uma ideia fixa de ser presidente da república e faz qualquer coisa pra isso. Inclusive agora tentar ae juntar com Marina e Alkmin pra ir pro 2o turno “direita X extrema direita”…putz!

  6. Cosette disse:

    O que certa classe média propõe não existe em lugar nenhum. O maior partido de esquerda da América Latina, organizado e orgânico com 2 milhões de militantes, com um líder de projeção mundial, com ligações com movimentos sociais, com legado de governos anteriores abrir mão da candidatura presidencial. É delírio de antipetistas.

  7. Os comentários acima só servem para legitimar o texto…

  8. New Paradigma disse:

    O blog outras palavras anda perdendo a mão com esse negocio de eleições, não vi uma reportagem sobre como essa eleição pode estar já sendo uma enorme fraude, parem de tentar nos iludir, sabemos bem que não vamos barrar nada em eleições.

  9. New Paradigma disse:

    kkkkkkkkkkkkkkkkk reinventar a esquerda é apoiar essa fraude direitista do ciro gomes? me poupe né.

  10. Nilo disse:

    “Escrevo isso não para convencer alguém a votar em Ciro….”
    E na linha seguinte, lá vem uma defesa do Ciro (sem citar Kátia Motossera de Ouro Abreu).
    Este artigo parece matéria do G1, com chavões de esquerda… Tal qual o Ciro.
    O absurdo é que se quisessem derrotar o fascismo, migravam por Haddad já no primeiro turno pra pisar no ovo da serpente. Repetem as mesmas ladainhas em total sincronia com o PIG… Quando Ciro tava na frente de Haddad: “Ah, pq ele tem mais chances”, aí isso acabou; quando Haddad ainda não vencia/empatava com o coiso no 2° turno: “Ah, pq só Ciro vence”, aí isso acabou… Por fim, “Ah, mas teremos um golpe se o haddad for eleito” ¬¬ (E sempre com a cantilena da necessidade do PT fazer autocrítica e de perder hegemonia; a primeira linha tal qual fez o Bonner e a Vasconcelos, e a segunda linha fruto de antipetismo ressentido e envergonhado que acha que hegemonia vc ganha é no grito ou na circunstância, como se existisse uma portinha dos fundos pra ser descoberta pro palácio do Planalto).
    Só resta ao Ciro e seus telespectadores/eleitores (telespectadores pq NUNCA compuseram base dele, são só a classe média antipetista envergonhada de ser associada ao golpe que ainda nem acha que Lula é inocente) tentar espalhar o terror de que a culpa do fascismo vai ser do PT: TAL QUAL FAZEM A GLOBO, O PSDB E COMPANHIA!
    Texto lamentável, não precisava esperdiçar o espaço do outras Palavras com isso, parece textão de facebook. E o lamentável é pelo cinismo, não pelo mérito, que é só ruim.

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