A concessão dos serviços públicos e a mais-valia social

Por que o novo pacote de infraestrutura do governo Dilma retrocede, em favores a grandes grupos privados, aos tempos de FHC. Quais as alternativas

Impasse ferroviário é símbolo dos equívocos do novo plano. Governo trata com leviandade obras imensas, como Trem-bala e Ferrovia Transoceânica, enquanto mantém inacabadas a  Transnordestina, a Ferroeste, a Ferrovia Norte-Sul, e o Anel Ferroviário de São Paulo

Impasse ferroviário é símbolo dos equívocos do novo plano. Governo trata com leviandade obras imensas, como Trem-bala e Transoceânica, enquanto mantém inacabadas a Transnordestina, a Ferroeste, a Ferrovia Norte-Sul, e o Anel Ferroviário de São Paulo

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Por que o novo pacote de infraestrutura do governo Dilma retrocede, em favores a grandes grupos privados, aos tempos de FHC. Quais as alternativas

Por Célio Turino

Recentemente o governo federal anunciou mais um processo de concessão de serviços públicos à iniciativa privada para rodovias, aeroportos, portos e ferrovias. Cabe à cidadania avaliar as implicações deste novo Plano de Investimentos em Logística, bem como do anterior, lançado há três anos: sua eficácia, competência na execução, motivações e consequências.

Antes precisamos compreender claramente a diferença entre Concessão de serviços públicos à iniciativa privada e Privatização de serviços públicos, se é que ela existe. Em linhas gerais: na privatização o patrimônio é passado definitivamente para a iniciativa privada (as instalações de uma siderúrgica ou fábrica de aviões, por exemplo); na concessão, há autorização para exploração do serviço e repasse das instalações necessárias por período de tempo (vinte, trinta anos ou mais), que depois voltam a compor o patrimônio público, incluindo investimentos realizados no decorrer da concessão. No caso de serviços públicos, a diferença de nomenclatura, se privatização ou concessão, é meramente semântica, ou política, pois, na legislação brasileira, não há possibilidade de transferência definitiva de serviços públicos, de modo que o repasse, leve o nome de privatização ou concessão, será sempre temporário.

Foi assim nos contratos de energia elétrica e iluminação ao final do século XIX, com a Light (uma concessão de 80 anos) ou operação de bondes urbanos, como também é assim nos contratos atuais, com as rodovias paulistas ou usinas hidrelétricas, estejam sob controle de empresa estatal ou não. Ou seja, esta discussão não passa de uma querela partidária, em mais um exemplo de “novalíngua” e “duplipensar”, conceitos muito bem exemplificados no livro 1984, de George Orwell e bastante presentes no ambiente político atual; se for executada por governo tucano é privatização; se o governo for petista é concessão. O fato inescapável é que, durante o período da concessão/privatização, o patrimônio público e serviços decorrentes estarão sob a lógica do controle privado e da acumulação do capital, levem que nome for.

Mas mesmo no modelo de concessão/privatização, há diferenças de fundo. Com o novo plano do governo federal, as concessões são por outorga onerosa, retornando ao modelo do governo FHC e voltando atrás no modelo em que vencia o leilão de concessão aquele que oferecesse menor custo pelo serviço, seja na forma de pedágio, preço ou tarifas. Agora, além dos investimentos futuros e despesas com manutenção, caberá ao concessionário o pagamento de um valor pelo direito de exploração do serviço e pelas instalações recebidas (um aeroporto, uma estrada já construída). Com este modelo, haverá o encarecimento no valor de pedágio, serviços de aeroportos, portos e ferrovias, gerando inflação futura, de tipo estrutural.

Ou seja: se, de um lado as concessões vão melhorar a eficiência na infraestrutura, de outro vão elevar o custo de logística; como este custo incide sobre o preço final de praticamente todos produtos e serviços, este novo modelo de concessão irá neutralizar a redução de custo que seria decorrente deste plano de investimentos. Pior, a destinação do dinheiro arrecadado com a outorga irá para o pagamento de juros e não para novos investimentos em infraestrutura de transportes, perpetuando gargalos de eficiência neste setor. Como exemplo, a privatização do aeroporto do Galeão, quando o governo arrecadou R$ 15 bilhões em 2014, um valor substancial, que poderia ter sido aplicado em aeroportos de menor interesse por parte de investidores privados, mas que, em sua quase totalidade, virou pó no altar dos juros altos.

Outra questão bastante séria diz respeito à bitributação. Todo este patrimônio instalado, que será outorgado à iniciativa privada, foi construído a partir de impostos arrecadados por toda a sociedade, por anos a fio, atravessando gerações de brasileiros. Ou seja, já está pago (ou seguimos pagando através de juros sobre empréstimos a perder de vista). Com a outorga voltaremos a pagar pelo que já pagamos, uma vez que no cálculo dos pedágios e serviços este valor também estará incluído. Isto é ilegal! Mas acontece porque a bitributação vem disfarçada de pagamento de serviços privados e não na forma de impostos. E, lembrando, não é prática de um só governo ou partido, mas de todos os que estão no poder e sempre em benefício dos bancos e credores da dívida pública. Se não houvesse a intenção sub-reptícia em utilizar o Plano de Logística para melhorar o superávit primário, a forma das concessões seria outra, unindo, em um mesmo lote, serviços mais lucrativos junto a outros com menor potencial de retorno e o custo da tarifa futura seria menor; por exemplo: colocar no mesmo lote de leilão os aeroportos de Fortaleza, Juazeiro do Norte e Teresina, algo assim. Ou seja, o governo, ao invés de atrair recursos para a debilitada infraestrutura do Brasil, está retirando recursos que deveriam ser aplicados exclusivamente em logística.

Admitindo-se que, no atual momento, a única alternativa possível para melhorar a infraestrutura brasileira fosse este processo de concessão ou parceria com a iniciativa privada, seja para investimentos, gerenciamento de obras e manutenção futura — ainda assim, um governo comprometido com a cidadania deveria agir de outra maneira.

Primeiro. Buscar eficiência na gestão de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, bem como de terminais modais ao seu redor. Isso pressupõe uma gestão diferente da que tem sido feita até o momento. O mais óbvio é colocar todos os modais sob um único ministério, não faz sentido retalhar a gestão de transportes no Brasil apenas para contemplar mais partidos e aliados políticos. Isso é apequenar a política pública ao nível de rodapé, com sérios danos ao país. Como se não bastasse este “toma lá dá cá” da política, o governo ainda cria a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), que deveria gerenciar a logística brasileira, notadamente ferroviária. Um desastre. Além de não ter gerenciado nada, ainda houve o modelo de concessões ferroviárias que inviabilizou ainda mais a retomada ferroviária no Brasil. Um projeto esdrúxulo, que dividia a operação entre empresa gestora das linhas e outras diferentes para gestão dos trens, além de obrigar o governo a comprar 100% da demanda potencial da estrada, mesmo sem que houvesse mercadoria suficiente para transportar. Há dois anos escrevi uma crônica sobre este modelo que não parava em pé e que, de fato, não deu resultado algum. Com isso, mais atrasos na necessária recomposição do sistema ferroviário. A EPL é uma empresa que já teve três presidentes em três anos, conta atualmente com mais de 160 funcionários (folha de pagamentos mensal próxima de R$ 4 milhões), trabalhando em sede alugada ao custo R$ 500 mil/mês. Um contrasenso, ainda mais quando sabemos que sequer houve participação da empresa no planejamento do novo Plano de Logística lançado pelo governo.

Segundo. Avaliação e acompanhamento do primeiro plano de logística. Há vários gargalos e equívocos (para dizer o mínimo). A começar pelo trem-bala de R$ 36 bilhões, que até hoje ninguém sabe, ninguém viu. E não contentes, agora apresentam a proposta da ferrovia Bioceânica (ligando o Brasil ao Pacífico, através da cordilheira dos Andes), que mal passa de uma intenção, em que o trajeto é um simples riscar de caneta no mapa, sem qualquer estudo prévio (sugestão: coloquem a EPL para trabalhar no projeto). Mas já tem custo: R$ 40 bilhões! Não seria mais prudente e honesto fazer antes uma boa avaliação do primeiro Plano, procurando compreender os erros e corrigi-los, para só depois lançar um novo Plano? Bem como concluir obras inacabadas, como a Transnordestina, a Ferroeste, ligando Tocantins e oeste da Bahia ao porto de Ilhéus; ou a Ferrovia Norte-Sul, que já completa três décadas e segue inacabada; ou o Anel Ferroviário de São Paulo, que, ao custo de R$ 1 bilhão poderia destravar a logística no Sudeste, uma vez que atualmente os trens de carga precisam compartilhar os mesmos trilhos do transporte metropolitano de passageiros, devendo trafegar somente nas madrugadas e a baixíssima velocidade?

Também não faz sentido o governo continuar administrando pequenos aeroportos, como o aeroclube dos Amarais, em Campinas, ou no balneário de Ubatuba, nem gerir a concessão dos mesmos; melhor seria repassar-los diretamente para estados e municípios, cabendo a estes decidir entre gestão direta ou concessão. Mesmo a manutenção de estradas federais: o governo federal deveria se responsabilizar por construção de estradas ou reforma completa das mesmas; mas capinar mato, manutenção e tapa buracos gerenciados a partir de Brasília? O caminho mais eficiente seria repassar a manutenção para os estados, incluindo um valor estimado por quilometro de estrada (quando não houver concessão ou pedágio) e estes decidiriam o melhor caminho, se manutenção direta ou concessão privada. Afinal, descentralizar também resulta em eficiência. Mas exige desapego, colocando sempre o interesse público em primeiro lugar.

Terceiro. Em tempos de recessão e “vacas magras”, qualquer investimento é sempre bem vindo; mas, convenhamos, o valor anunciado pelo governo de R$ 198 bilhões tem muito mais de marquetagem (e já meio sem credibilidade) que realização efetiva. A começar pelos R$ 40 bilhões em uma ferrovia que sequer conta com estudos iniciais. Do valor total anunciado, se tudo der certo, o valor efetivamente a ser investido durante o governo Dilma será de R$ 69 bilhões, por coincidência o mesmo valor cortado no orçamento da União em 2015. Distribuído em três anos, este valor equivale a R$ 23 bilhões (se o governo for competente e tudo correr bem), ou pouco menos que 0,4% do PIB. Ou seja, é muito pouco para significar uma virada na curva descendente da economia brasileira.

Conclusões. Privatizar com dinheiro público é uma excrescência que só acontece no Brasil. Se o governo não tem recursos para investimentos e necessita de capital privado, que tome medidas para que este aporte aconteça de fato. Ou pare de maquiar a situação. Para esta série de concessões/privatizações, afirma-se que não faltará dinheiro (mas falta para saúde, educação…) e que o BNDES emprestará até 70% do valor total (para não falar de Caixa, Banco do Brasil, que também serão acionados em socorro ao “capital privado”). Cadê o dinheiro privado? Admitindo-se que este dinheiro privado não tenha interesse em investir (afinal, é muito mais vantajoso aplicar em títulos públicos, com retorno seguro de 13,75% ao ano), mas que a gestão privada seria mais eficaz; neste caso o caminho deveria ser a realização de PPPs (Parceria Público-Privada). O BNDES até poderia entrar com 70%, mas não emprestando dinheiro para que empresas privadas se apresentem como donas do capital e sim como parceiro direto, como dono do capital, via BNDES-Par (Participações). Nesta forma o investidor privado seria remunerado pelo efetivo aporte de capital próprio; mas também o BNDES-Par (ou o próprio governo, de forma direta) receberiam pelo seu aporte e não sobe empréstimos a juros subsidiados. E já que o objetivo anunciado é atrair capital privado, no modelo de PPP, venceria o leilão aquele que aportasse mais recursos próprios, liberando o BNDES e o governo desta forma de subsídio e para investir em outras áreas.

Para o público leigo, por que este “mero detalhe” não é um simples detalhe? O cálculo deve ser feito sobre o valor da remuneração futura, que estará embutido nas tarifas e pedágios e que será pago por toda a sociedade. Exemplo: uma empresa que obteve concessão capta recursos no BNDES, a juros de, no máximo 6% (o governo empresta por este valor favorecido o mesmo dinheiro que captou pagando juros de 13,75%) e será remunerada por um capital que originalmente não é dela e sim do público. Em cálculo rápido: com a composição de custo da tarifa ou pedágio prevendo retorno anual de 8% (pode ser mais) sobre o capital e o concessionário pagando juros de 6% (pode ser menos) ao BNDES, há um embolso extra de 2%; 2% em contrato de longo prazo (30/35 anos) equivalem a quase 100% sobre o capital inicial. Ou seja, no modelo anunciado, o concessionário não desembolsa nada, ou muito pouco, assim como recupera todo o valor de pagamento do empréstimo e ainda ganha um sobrelucro equivalente ao valor total da obra, sempre na casa dos bilhões. Afora outras remunerações embutidas no cálculo das tarifas, todas pagas pela sociedade.

Esta diferença no sobrelucro é a mais-valia social. No século XIX Karl Marx desvendou o mecanismo pelo qual os donos do capital se apropriavam da renda do trabalho, a este sobrelucro (não ao lucro justo ou outras formas de ganho, mas a esta apropriação de sobretrabalho), ele deu o nome de mais-valia. Agora estamos diante de uma nova forma de mais-valia, com muito mais escala, para além do ambiente de uma fábrica: a mais-valia social. Talvez o Brasil seja o país que a pratica de forma mais descarada. Com a mais-valia social, a sobrerrenda é resultante da apropriação indevida do esforço de toda a sociedade (e não somente na relação direta entre patrão e empregado), em que todos são tributários para assegurar ganhos imensos para uma minúscula minoria. A mais-valia social é realizada na forma de juros exorbitantes do capital financeiro e via concessões/privatizações de serviços públicos — sempre com o beneplácito do Estado e governos a serviço desta nova forma de capitalismo. Esta é a realidade que estamos vivendo no Brasil.

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Um comentario para "A concessão dos serviços públicos e a mais-valia social"

  1. Pedro Augusto Pinho disse:

    “Os Donos do Mundo”(*) ou Como o Capital Financeiro domina o Século XXI
    ORIGEM E ANTECEDENTES
    Estas considerações começam com nosso entendimento sobre a origem do capital financeiro como expressão do Poder. As transformações do Poder, mesmo com revoluções ou atos de força, não se esgotam num momento, mas se desenvolvem ao longo do período que seus agentes levam para se impor à sociedade.
    Após as grandes mudanças provocadas pela Independência dos Estados Unidos (EUA), pela Revolução Francesa e pelos governos Napoleônicos, a aristocracia europeia, ou seja, os reis, imperadores, fidalgos e nobres, questionou a continuidade da propriedade territorial, base de seu Poder desde a Idade Média, como o único modo de exercer seu domínio sobre as populações.
    Surge então a dívida, constituída pelo e em prol do capital financeiro, como a nova forma de sujeição ou, como se referem muitos historiadores, da escravidão humana.
    Embora a Revolução Industrial, coeva das acima mencionadas, possibilitasse o surgimento de novos atores no Poder, as elites governamentais de diversos países europeus conseguiram transferir os mais significativos ganhos do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro. A Inglaterra é o maior e melhor, embora não seja único, exemplo desta transferência dos lucros. Já nos EUA, país formado pela iniciativa e pela democracia, o Poder oriundo do capital industrial prevaleceu como formador de elites, mas não unicamente.
    O século XIX mostrou claramente o Poder do capital financeiro com a ação colonial da Inglaterra pelo mundo. Mais consolidado e tecnicamente avançado, o capital financeiro inglês absorveu a maior parcela dos ganhos mesmo oriundos de outros países. Para nós, brasileiros, é fácil verificar onde foram parar os ganhos coloniais portugueses e as riquezas do Império Brasileiro.
    SÉCULO XX
    O século XX começou com o questionamento deste capitalismo financeiro e, após duas guerras mundiais e o surgimento de um país declaradamente socialista marxista, o protagonismo entre as nações foi assumido pelos EUA. O capital industrial passou a representar o novo ideal quer pela sua produção de bens, quer pela sua distribuição, quer pela formação expressiva de uma nova classe de consumidores e contribuintes.
    Esta ascensão causou nova preocupação para os detentores do capital financeiro e seu mais importante lar: o Reino Unido.
    Mas logo surgiria grande aliado do capital financeiro: os movimentos conservacionistas, preservacionistas e ecológicos. E foi com estes grupos que o capital financeiro encetou sua batalha pela retomada do poder. Vitorioso em algumas frentes, que sintetizo no relatório do Clube de Roma, em 1972, “Os Limites para o Crescimento”, o capital financeiro ganhou ainda mais força nos anos 1970-1980 com as crises do petróleo e o aumento das taxas de juros. Não alongaremos considerações, apenas as taxas de juros nominais de longo prazo, nos EUA, que de 1900 a 1970 nunca superaram 5% a.a., atingiram quase 20% a.a. e ficaram até o final daquele século acima de 5% a.a.
    Ajudado por uma conjuntura política, para a qual contribuiu, o capital financeiro teve no governo de duas importantíssimas nações dois grandes aliados: Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Estes dirigentes trataram de assegurar a mais ampla ação para o capital financeiro com as desregulamentações, isto é, o capital financeiro agiria sem qualquer controle ou restrição que não fosse apenas mera formalidade.
    Assim fortalecido, fluiu para os operadores do capital financeiro – bancos, financeiras, corretoras, distribuidoras de valores, seguradoras etc – todo o dinheiro ilegal do tráfico de drogas e de pessoas, da venda de armas para conflitos fabricados ou incentivados, da corrupção em países e instituições, de outras ações criminosas e daqueles que viram neste movimento a oportunidade de lucrar sem o pagamento de impostos.
    Tal quantidade de recursos foi abocanhado que não havia onde os aplicar. Criaram-se, então, os programas de privatização. Vale uma consideração. Estes programas visavam, de início, a economia europeia. Após a II Grande Guerra, os estados nacionais investiram pesadamente, com auxílio norte-americanos e de suas próprias prioridades, na reconstrução da indústria e dos serviços. Também a presença próxima de países socialistas, obrigou os dirigentes a implantar sistema de conteúdo social, na educação, na saúde, no transporte e na proteção à velhice. Havia assim uma forte presença estatal com ativos reais e rentáveis. Os programas de privatização foram portanto uma aplicação dos recursos do capital financeiro em ativos sólidos. Este modelo foi amplamente exportado para todo mundo. Pode não ter sido mera coincidência a queda do Muro de Berlim ter ocorrido nesta mesma época. A restrição político-social estava assim afastada.
    Com o tempo, as aplicações em ativos existentes se tornaram cada vez menor e mais difícil, por seu próprio esgotamento. Surgiram então aplicações sem lastros, criadas pela imaginação das “engenharias financeiras”. Ajudou muito, nesta fase, a transformação em comodities de bens e moedas e os contratos de seguro ou garantia de valor futuro serem negociados ou especulados em mercados organizados; tudo fruto das desregulações obtidas.
    Para se ter uma pálida ideia, havia em 1999 mais de mil barris de petróleo sendo comercializados nestes mercados para um da produção mundial.
    É óbvio que este mundo de fantasia, que estava enriquecendo cada vez menor parcela de pessoas, acabaria por gerar crises. Lembramos, e as estatísticas econômicas confirmam, que houve, de 1990 até 2013, enorme concentração de renda entre países e entre pessoas.
    O SÉCULO XXI E SUAS CRISES
    As crises começaram ainda nos anos 1990 e prosseguiram até a de 2008. Com o aval de governos, associados ou corrompidos pelo capital financeiro, as saídas das crises não foram o restabelecimento de controles nem a apuração de desvios e punição de culpados. Elas serviam para maior concentração do Poder e novos ou maiores encargos para a população em geral e para os que insistiam no capital industrial. Isto gerou a recessão que acompanha a Europa e todo o mundo neste século XXI.
    A criação emblemática foi o superavit fiscal, ou seja, a dívida seria tratada como um pecado que seus devedores deviam purgar com os maiores sacrifícios. Nada de investimentos geradores de emprego, nada de salários condizentes com o esforço, nada de aposentadorias e pensões, o pagamento da dívida era o encargo primeiro e privilegiado das receitas nacionais. A miséria se alastrou. Hoje a Europa e o próprio EUA, que caiu neste canto ulisseano de sereias, sofrem o retrocesso econômico e social oriundo do poder do capital financeiro.
    Um atento leitor se pergunta, estavam todos cegos? Temos, não mutuamente excludentes, três razões para a ausência de firmes reações a este estado.
    Primeiro, a corrupção de um sistema onde o ilícito participa dos ganhos. A ética do capital financeiro pode ser medida pela participação do dinheiro ilícito, criminoso que dele tambem participa. Assim, corromper governos, ministros, parlamentares, presidentes de bancos centrais constitui o cotidiano de suas ações. Devemos igualar a corrupção às ameaças, inclusive físicas e familiares.
    Depois pela falta de participação e educação política dos povos, em geral, mais afetos a heróis e líderes de ocasião do que a construção de ideais nacionais. Neste ponto, vemos como uma campanha ideológica, desfocada dos objetivos nacionais, nos EUA resultou em retrocesso e prejuízo para aquela grande nação.
    Em terceiro lugar pela ação dos veículos de comunicação de massa. A imprensa é um negócio e assim precisa ter receitas e lucros. Ao assumir o controle da maior parcela das economias nacionais, o capital financeiro também se tornou o mais importante anunciante. Além disso é ele que vai financiar as necessidades de capital das empresas de comunicação e aplicar os ganhos, lícitos e ilícitos, de seus donos que, na grande maioria, são membros da mesma família.
    É uma luta árdua e perigosa.
    O caso da Grécia, que talvez possa ser também da Espanha, da Itália e até do Reino Unido, pois sua população nada ganha com este capitalismo doméstico, é exemplar na constituição de uma dívida que não aportou um único centavo ao país. A sociedade anônima denominada Facilidade para Estabilidade Financeira Europeia (EFSF) criada em 2010, em Luxemburgo, para escapar de normas do Direito Internacional, atua, coordenada efetivamente pela Agência de Gestão da Dívida Alemã para transferir, sob a forma de crédito, os títulos podres dos bancos privados europeus para países de governantes fracos ou coniventes ou corruptos. Este ato verdadeiramente criminoso tem o aval do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu. É a EFSF a grande “credora” da Grécia. Quem desejar conhecer com mais informações a farsa da crise grega sugerimos o site http://www.auditoriacidada.org.br, entre outras fontes.
    Em oposição ao capital financeiro, surge no século XXI a união de países que se denominou BRICS, pela inicial dos cinco formadores: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa). Nestes países procura-se o desenvolvimento econômico com o desenvolvimento industrial e comercial. Há também a presença do Estado no processo do desenvolvimento, principalmente na formação de mão de obra especializada e de pesquisa tecnológica. A liderança é chinesa que conquistou o 2º maior PIB do planeta. A guerra que o capital financeiro desencadeia contra os BRICS assume várias formas e recursos.
    Fiquemos apenas numa delas: o preço do petróleo. É preciso esclarecer, de início, alguns mitos. O fim do petróleo é um deles. Em 1980, com os choques do petróleo espalhou-se a informação, com o aval de “especialistas” que a era do petróleo só duraria mais 50 anos. Agora se diz que outras fontes de energia substituirão o petróleo, como se ele fosse apenas um combustível e ao preço de 200 dólares o barril, em moeda de 2015, tivesse algum competidor mais econômico. Certamente você estará neste momento, lendo estas considerações, diante de um produto cuja origem é o petróleo.
    A queda do preço do barril de petróleo em 2014 foi uma ação política, que atribuímos ao capital financeiro, pelas consequências que se esperava: reduzir o orçamento da Rússia e da Venezuela, tirar recursos de desenvolvimento da produção do pré-sal do Brasil, forçar a redução do ritmo de produção de gás de xisto dos Estados Unidos e criar mais dificuldade para o Irã. Todos países que se opunham ou se opuseram ao capital financeiro.
    O BRASIL E O CAPITALISMO FINANCEIRO
    Desde o Império até o dias atuais, o capital financeiro, com breves interregnos, dominou e orientou as decisões nacionais. Seria enfadonho relatar esta presença, apenas citarei a incrível proclamação de Campos Sales – “abaixo a industrialização” – e o estudo de Caio de Freitas, George Canning e o Brasil, editado pela Companhia Editora Nacional em 1958 na Coleção Brasiliana, para dar uma das fontes em que esta influência é retratada.
    Consideramos que os breves interregnos se deram em dois períodos de governos autoritários – Getúlio Vargas (1934 a 1945) e Governos Militares (1964 a 1985) – e dois governos eleitos democraticamente – Getúlio Vargas (1950 a 1954) e Juscelino Kubitschek (1956 a 1961). Nestes períodos a prioridade foi a industrialização e a expansão dos serviços públicos pelo território nacional, além da criação de centros de pesquisa tecnológica voltados para as condições brasileiras. Sem esgotarmos estas contribuições, lembraremos a Companhia Siderúrgica Nacional e a Legislação Trabalhistas, que os desinformados dizem ser cópia da italiana, que lhe é posterior, e a Petrobras, nos Governos Vargas, a construção de Brasília e a infraestrutura rodoviária, com o fortalecimento da engenharia nacional, no Governo JK, a Nuclebras, a Telebras, a fabricação dos minicomputadores 100% brasileiros, o fortalecimento da construção naval e tantas outras nos Governos Militares.
    Uma característica que difere os Governos Nacionais dos representantes do capital financeiro é a existência de efetivo planejamento, quer sob o nome de Plano de Metas quer de Planos Nacionais de Desenvolvimento, mas que dêem o rumo das atividades com vista ao desenvolvimento do País. Como o capital financeiro nada produz, ele procura desmoralizar a ação de planejar sob o rótulo de dirigismo estatal ou ação restritiva da liberdade. Na verdade foge do confronto entre o proposto e o executado.
    Atribuímos a condição desigual, econômica e social de nosso País a esta duradoura e constante presença do capital financeiro na condução das decisões políticas, além da influência quase absoluta nos veículos de comunicação social, como visto anteriormente.
    Houve curtas reações em alguns momentos, mas logo revistas pelo poder e pelas ameaças que o capital financeiro usa em suas atuações. Desde o estabelecimento da Nova República, toda a contribuição dos Governos Nacionais mencionados vem sendo inescrupulosamente alienadas conforme o projeto do capital financeiro, hoje coordenado pelo capital anglo-americano.
    Uma frase emblemática foi pronunciada por Fernando Henrique Cardoso, também repetindo o que já dissera Luiz Inácio Lula da Silva: vou acabar a Era Vargas.
    No momento presente podemos identificar a submissão dos Poderes da República a este poder apátrida na elevação das taxas de juros, na adoção do esdrúxulo conceito de superavit fiscal, nas decisões judiciais contra as empresas de engenharia nacional e no projeto legislativo que tira da Petrobras o controle operacional da maior descoberta de petróleo deste século.
    A corrupção, os desacertos administrativos, a campanha da imprensa, a ação dos legislativos e as decisões do judiciário que tanto nos assombram e revoltam não são novidades nem do momento nem do País, elas existem pela onipresente presença deste capital financeiro que nada produz, que não contribui para o desenvolvimento econômico, social nem político da Nação, mas que resulta sempre em maior concentração de renda, maior empobrecimento e ignorância da população. É contra este estado que devemos buscar nossa união e esclarecer as pessoas de bem. Não é uma luta contra pessoas, partidos ou ideologias e religiões, é uma luta urgente a favor Brasil.
    (*) Este título é uma homenagem ao economista, professor e escritor Marcos Coimbra, autor do Brasil Soberano, de 2009.
    Pedro Augusto Pinho, avô aposentado

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