Tel-Aviv: brutal, porém cada vez mais vulnerável
Depois de explodir pagers e walkie-talkies, Israel amplia intensidade de seus ataques ao Líbano e mata centenas – mas segue incapaz de eliminar o Hamas em Gaza e de enfrentar suas próprias crises. Analistas avaliam: o sionismo, como projeto colonial, está ameaçado
Publicado 23/09/2024 às 17:23 - Atualizado 23/09/2024 às 17:24
À primeira vista, as forças armadas de Israel lançaram com sucesso, nos últimos dias, uma ofensiva contra seu inimigo fronteiriço mais próximo: o partido Hezbollah, que atua no Líbano e tem laços com o Irã. O ataque começou na semana passada, quando uma ação espetaculosa (e de caráter nitidamente terrorista) explodiu um grande número de pagers e walkietalkies usados pelos militantes, produzindo dezenas de mortos, milhares de feridos e afetando gravemente as comunicações do grupo. E tornou-se carnificina na segunda-feira (23/9), quando pelo menos 350 pessoas foram assassinadas e mais de 1000 feridas, em800 bombardeiosaéreos dirigidos contra alvos do grupo. No sábado, pereceram dois de seus altos dirigentes – Ibrahim Aqil et Ahmad Mahmoud Wehbi.
A revista Economist noticiou que o exército israelense deslocou uma segunda divisão para a fronteira norte, o que poderia ser prenúncio de uma invasão terrestre. A população civil está em pânico. Milhares de libaneses estão deixando suas casas, temendo serem atingidos. Em pronunciamento ao país, o primeiro ministro Benyamin Netanyahu comemorou ontem os “feitos”. Dois analistas políticos – o palestino Marwan Bishara e o israelense Ilan Pappé – julgam que por trás da selvageria há fraqueza. Mas advertem: ainda assim, as ações são temerárias ao extremo, e arriscam deflagrar, no Oriente Médio, uma guerra sem limites.
Bishara lançou sua análise nesta segunda-feira (23/9), em entrevista à Al-Jazeera.Para ele, o ataque sangrento de Israel visa, no fundo, alcançar dois objetivos. O primeiro é desviar os olhos do mundo do genocídio em Gaza, por razões óbvias – inclusive as chances cada vez maiores de condenação de Netanyahu pelo Tribunal Penal Internacional. O segundo é oferecer à opinião pública de Israel – cada vez mais impaciente – uma ilusão de vitória. Um triunfo sobre o Hezbollah poderia mascarar dois fracassos: a incapacidade de concluir em Gaza a “vitória final” sobre o Hamas; e mesmo de proteger a fronteira norte – de onde dezenas de milhares de pessoas foram evacuadas, há onze meses, por temor de ataques do grupo aliado ao Irã. Ainda no domingo (22/9), e mesmo sob ataque, o Hezbollah foi capaz de disparar, contra o norte de Israel, mísseis que avançaram 30 quilômetros além da fronteira, atingindo alvos na cidade de Haifa.
Já o ponto de vista do israelense Ilan Pappé é ainda mais pessimista. Num texto traduzido e publicado por Outras Palavras há três meses, ele sugere que Tel-Aviv pode estar cavando a própria cova. “Estão se desfazendo as condições que tornaram possível um Estado judeu e colonialista na Palestina”, diz. Ao fazê-lo elenca seis crises simultâneas vividas por Israel – e agravadas desde o ataque a Gaza. São elas: a divisão interna; o declínio econômico (não revertido sequer pelo apoio de Washington); o isolamento internacional; a revolta, contra seu governo, das jovens comunidades judaicas no mundo (em especial nos EUA); os sinais de fraqueza crescente do exército e o surgimento de uma nova geração de lutadores palestinos. Pappé está convencido de que estes fatores, somados, levarão à inviabilização do sionismo. Este éantes de tudo, para ele, um projeto colonialista, a imposição no Oriente Médio de um Estado-fortaleza defensor do eurocentrismo.
Apesar de concordarem sobre o fôlego curto da ofensiva israelense, Bishara e Pappé temem seus desdobramentos. Pappé diz que, acuada e isolada, Tel-Aviv tende a proceder tão brutalmente quanto o regime segregacionista da África do Sul em seus estertores. Bishara está aflito com os riscos de o conflito sair de controle. Ele calcula que numa escala de um a dez, onde um equivale a um impasse em Gaza e na Cisjordânia; e dez representa uma conflagração descontroladal no Oriente Médio, a região estava até o fim de semana num ponto entre 1 e 3; e agora evoluiu para algo em torno de 5. O palestino acredita que nem os EUA, nem o Irã, principais aliados de Israel e do Hezbollah, têm interesse numa guerra aberta, e por isso ela foi evitada até agora. Mas julga que a característica essencial dos conflitos é sua imprevisibilidade; e lembra que, potencialmente, um confronto total no Oriente Médio poderia envolver também Rússia e China, e tornar-se nuclear.