O ajuste fiscal derruba a Alemanha
Popularidade do governo despenca e ultradireita cresce, diante de um Estado paralisado – porque se auto-impôs regras fiscais semelhantes ao “arcabouço” brasileiro
Publicado 06/02/2024 às 17:57 - Atualizado 06/02/2024 às 19:04
Seriam as “travas fiscais” – dispositivos inscritos em lei para bloquear os gastos ou a dívida pública – eficazes? Os neoliberais acham que sim. O ministério da Fazenda brasileiro, também – daí o “arcabouço fiscal” adotado em 2023 e, mais tarde, uma tranca complementar, o “orçamento de déficit zero”. Mas em todo o mundo estão ficando cada vez mais claros os transtornos e desastres provocados por elas. O caso mais recente é a Alemanha. Duas grandes publicações claramente pró-capitalistas – o Financial Times e a revista The Economist – acabam de pedir a anulação do breque da dívida [debt brake] adotado em 2009. Motivo: num país estagnado, ele está restringindo o investimento do Estado, o único que poderia destravar a economia.
Em 2023, a produção alemã andou para trás: o PIB recuou 0,3%. O país foi golpeado por sua adesão cega aos EUA, na guerra contra Moscou. Os preços da energia dispararam, para as empresas e famílias, devido às sanções contra o gás russo, que a Alemanha recebia a preço baixo. A alta de custos golpeou a famosa máquina de exportações alemã. E quando se esperava que o Estado interviesse, para estimular investimentos, ele afastou-se, divido ao cadeado constitucional.
Pior: para atingir metas de “ajuste fiscal”, o governo adotou duas medidas muito impopulares. Retirou subsídios dos combustíveis utilizados pelos agricultores. E quis obrigar a classe média a custear a conversão energética, substituindo o aquecimento térmico das residências por “bombas d’água” – importantes, porém caras.
O resultado político foi um enorme desgaste da coalizão do governo – que a ultradireita capitalizou. Os três partidos dirigentes (social-democratas, verdes e liberais) despencaram de mais de 50% do apoio popular, no final de 2021 para 30% agora. Em junho, haverá eleições para o Parlamento Europeu; e em setembro, para o governo de três dos 16 estados alemães. Quem passou a liderar nas pesquisas, como mostra o gráfico acima, é a direita tradicional (CDU/CSU). Mas quem mais cresce (e está em segundo, nas sondagens) é a Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita. Um partido de esquerda recém formado, em torno da deputada Sahra Wagentknecht também avança.
O governo se vê impotente. Permaneceu inerte – e derretendo – mesmo diante dos grandes protestos de agricultores, ocorridos há poucos dias. The Economist e o Financial Times propõem o que agora parece óbvio: retomar o investimento público, livrando a Constituição do breque da dívida. Dispositivos como ele são uma praga típica do neoliberalismo. Em 1990, apenas 9 dos 190 países que participam do FMI usavam regras fiscais rígidas. Hoje, são 106. O declínio de antes poderosa Alemanha deveria servir para apontar as consequências.