Militância cultural é fazer sem depender de recursos
Publicado 16/10/2011 às 21:18
“… é necessário não perder a consciência de que, se não houver a grana, deve-se fazer do mesmo jeito. Não podemos assumir a posição de ficar esperando. É importante saber que os editais também são uma forma de cooptação.”
Na noite de ontem (15/10), os escritores e poetas Sergio Vaz, Ademir Assunção, Marcelino Freire e Sacolinha postaram-se diante do público presente na Casa Popular de Cultura de M’Boi Mirim, zona sul de São Paulo, para dialogar sobre a militância cultural na literatura. Foram duas horas de um debate que incitou inquietações e reflexões na plateia. Apesar da definição do eixo temático, a conversa permeou a relação com o poder público, burocracias, reconhecimento, produção cultural, sobrevivência e — o mais enfatizado — editais e leis de incentivo à literatura.
O que ficou evidente, tanto para mesa como para o público, é que a militância cultural é fazer independentemente do recurso financeiro. Isto ficou posto diante das inevitáveis dificuldades, mas também por conta da falta de incentivo público. “O Ministério não cumpre seu papel. Por que o artista deve ir até o Ministério?”, questiona Marcelino Freire referindo-se ao fato de que as pessoas estão produzindo e o Ministério da Cultura não as procuram para fomentá-las. O artista ou coletivo deve buscar leis de incentivo – Rouanet, FUMCAD, PROAC – para conseguir uma sustentabilidade mínima. Porém, participar de editais é chato e burocrático, o trâmite é bem dificultoso e nem todos, que tem interesse, cumprem determinadas características exigidas ali.
Outra reflexão latente foi a de que artistas e coletivos podem ficar reféns de alguns editais. “Hoje, o livro mais lido na periferia é o tal do edital”, pontua Sérgio. Ele se posiciona contra os “Papa verba” — pessoas que são especialistas em escrever para editais. “Não sou contra coletivos que trabalham sério e precisam de dinheiro para se estruturar. Sou contra escritórios que vivem disso e não tem onde investir”, continua. “Acredito que o VAI é o mais importante e democrático sistema de captação de recurso e incentivo os grupos a participarem”, complementa Vaz. Outro incentivador nato é o Sacolinha. “Se tem algum lugar onde nós conseguimos tirar algum dinheiro, para consolidar a nossa militância cultural na periferia, mesmo que seja burocrático, infelizmente são os editais”.
Ficou evidente que se faz necessário uma apropriação das políticas de incentivo, mas com muita reflexão sobre o que e onde se consegue a verba. É importante para o artista ser autônomo. Assim, tem liberdade sobre o próprio trabalho e pode tutelar sua produção, livre de intervenção do financiador. Isto é, “se nós não nos adequarmos, a grana ficará na mão de quem não precisa, que só visa o enriquecimento e não o trabalho cultural”, ressaltou Ademir.
Um resumo do debate — que não terminou, mas abriu frente para outros — foi: “É necessário não perder a consciência de que, se não houver grana, deve-se fazer do mesmo jeito. Não podemos assumir a posição de ficar esperando. É importante saber que os editais também são uma forma de cooptação. Temos que tomar muito cuidado”, finaliza Ademir.
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Quantas donas-de-casa como eu,que,na juventude,até tiveram uma bagagem culturalmente rica,estiveram em outro cenário,e depois,mudaram o rumo das suas vidas,por causa de um grande amor,vieram parar na periferia de uma metrópole,aí,sente falta,muita falta de um oásis cultural por aqui.
Ótimo registro. Como dito no texto, é só mais uma frente que se abre entre tantas outras para discutir a questão do incentivo financeiro à cultura da periferia.
Acho esta iniciativaa louvável e necessária. Parabéns Vicente de Percia