Livro: Para ir além do carro elétrico

O futuro da mobilidade sem trânsitos parece mais distante que nunca. Obra da Fundação Rosa Luxemburgo analisa como a nova aposta da indústria automobilística repete erros do passado e esconde um rastro de destruição socioambiental em países pobres. Concorra a cinco exemplares

Crédito: Electrek Fred Lambert 2020 | Reproduzida no Linkedin
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A cena é clássica e todos nós já vimos esse quadro ao menos uma vez: uma fila infinita de carros parados. É até claustrofóbico, visto que não há possibilidade de locomover-se nem para os lados. Há pelo menos 80 anos nos vendem a promessa de que a tecnologia irá fazer a dependência de automóveis ser realmente efetiva, sem trânsitos ou qualquer outro empecilho.

A solução que tem sido tomada é a de alargar eternamente as vias, muitas vezes terraplanando comunidades inteiras, como se as cidades fossem feitas para carros e não casas.

Porém, a mais recente “saída” que é vendida aos quatro cantos do mundo para “frear” esse caos automobilístico e os problemas ambientais decorrentes dele é: o carro elétrico, ou os carros autônomos – sem motorista. Assim, “você não precisa ter o trabalho de estressar-se e pode dedicar-se a outras coisas” enquanto está preso nessa distopia motorizada.

Esses “possantes” são pintados como soluções sustentáveis não só para os problemas urbanos como também para a crise climática, visto que praticamente não emitem gases poluentes em comparação aos carros híbridos ou a combustão.

Todavia, nesse conto, está longe de ser mencionado o seguinte fato lógico: a produção de baterias elétricas envolve a mineração de substâncias como lítio, níquel, cobalto, manganês e grafite. Além deles, outros minerais como alumínio, cobre, aço, ferro e terras raras (grupo de 17 elementos químicos), são igualmente importantes para a construção dos motores elétricos e sistemas de veículos do tipo.  

Entretanto, assim como em toda mineração, em especial a em larga escala, os custos humanos, culturais, socioeconômicos e ambientais são muito grandes e, na realidade, agravam a crise climática. Ou seja, quando se fala de mineração um alerta deve ser logo ligado. Afinal, não é nenhuma novidade que esse processo implica riscos justamente àquilo que se diz “proteger” com os carros elétricos: o meio ambiente e a saúde. Para países de baixa renda, o cenário é ainda mais agravante.

Acontece que essa história de carros elétricos tem sido sucesso de vendas. De acordo com pílula publicada nessa quarta (10) pelo Outra Saúde, apenas no primeiro trimestre de 2025, a venda global de carros elétricos cresceu 35%. Ademais, a notícia adverte: “A abundância do lítio em territórios latino-americanos, inclusive no Brasil, tornou locais como o Vale do Jequitinhonha (MG) – apelidado até de ‘Vale do Lítio’ – foco de empresas multinacionais do setor automobilístico. Elas trazem consigo danos não somente ao meio ambiente, como também à saúde da população brasileira. […] dados oficiais indicam que a intensificação da mineração de lítio no bioma mineiro coincide com a piora da saúde pública em cidades como Itinga e Araçuaí. Nesses municípios, houve um aumento significativo na taxa de mortalidade e nos casos de doenças respiratórias graves. Relatos dos próprios moradores do Vale confirmam a notável piora na qualidade do ar e na paisagem do bioma, que sofre severo desmatamento a partir de processos neoextrativistas como a exploração mineral.” Tudo isso, sem contar problemas como alteração do bioma e da geografia local, contaminação dos lençois freáticos e “a inflação de preços no setor imobiliários com a chegada de pessoas de fora”.

Pensando em questões como essa e problemas como a dataficação e a tentativa da Inteligência Artificial de gerir todos os âmbitos de nossas vidas, o historiador norte-americano Peter Norton, crítico do solucionismo tecnológico, trouxe na obra Autonorama: uma história sobre carros “inteligentes”, ilusões tecnológicas e outras trapaças da indústria automotiva uma lúcida crítica ao carro elétrico como solução de todos os problemas ambientais.

Outras Palavras e Fundação Rosa Luxemburgo irão sortear cinco exemplares de Autonorama: uma história sobre carros “inteligentes”, ilusões tecnológicas e outras trapaças da indústria automotiva, de Peter Norton, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 22/9, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Lançado pela Autonomia Literária com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, o livro aborda a ilusão de que carros elétricos e autônomos resolveram os problemas da mobilidade urbana; argumentando que o marketing de um futuro sem motorista está nos distraindo de investir em melhores maneiras de nos locomovermos. Que, ao contrário da solução vendida, há alternativas mais baratas, seguras, sustentáveis, inclusivas e que, inclusive, já podem ser implementadas.

Norton é professor da Universidade de Virgínia e historiador da indústria automobilística e com seus conhecimentos, explica, à luz da história, as ciladas de marketing nas quais indivíduos e governos inteiros – estes, em geral, por conta de promessas à corporações e empresários – se submetem, entupindo cidades inteiras de asfaltos e mais carros, sejam de qual tipo for.

O autor nos conduz em um passeio envolvente, indo desde o início da “venda de futuros em forma de promessas” com a exposição, em 1939, da General Motors: Futurama – realizada na New York World’s Fair, apresentava um possível modelo de futuro com rodovias automatizadas, estacionamentos grátis e infinitas possibilidade de direção – até às atuais rodovias e veículos “inteligentes”.

Ele ressalta que estamos mais uma vez sendo vendidos à dependência do carro sob o disfarce de mobilidade e que todas as promessas que vendem “soluções” envolvem as tecnologias de ponta de sua época. Hoje, a promessa é o carro elétrico, por isso o autor chama o atual momento de “autonorama”.

O problema, para Norton, não é a eletrificação, mas a forma como ela está sendo apresentada como solução milagrosa, especialmente ao levar em conta os impactos negativos da exploração de minérios em países do terceiro mundo.

Nesse sentido, corporações usam dinheiro para influenciar políticas públicas que subsidiam baterias de carros elétricos. O que, para o autor, é um desperdício absurdo de recursos que poderiam ir para outros tipos de pesquisas. Para ele, não investimos em transporte público para injetar na indústria de automóveis.

Em entrevista publicada no Outras Palavras, Norton lembra das Zonas de sacrifício para realizar a transição energética: áreas que desistimos de proteger para conquistar minérios. Ele aponta que esse discurso, em geral, parte de pessoas dos EUA, onde as regras ambientais restringem a mineração de metais raros. Levando essa exploração para países com legislações mais flexíveis e vulneráveis, como no Sul Global.


“Se cada norte-americano dirigir um SUV movido a uma bateria de meia tonelada, isso envolverá a destruição do Sul Global: devastação do norte do Chile com a mineração de cobre, da República Democrática do Congo com a exploração de cobalto, e até mesmo de regiões do Brasil, onde as empresas já estão em busca de novas reservas de lítio. O Brasil tem um motivo ainda mais forte do que os Estados Unidos, Europa e China para questionar o futuro prometido com os carros elétricos, porque essas promessas só são possíveis às custas do Sul Global.”


Inúmeros são os problemas da dependência automobilística. No atual momento histórico, vendem-se soluções baseadas em componentes que, além de serem finitos, exigem mineração, o que ocasiona inúmeros outros problemas, como o esgotamento dos recursos hídricos; perda de biodiversidade; ameaças à saúde humana, aos meios de subsistência não relacionados à mineração e à integridade cultural de populações inteiras. Os impactos são desproporcionais e recam, em sua maioria, sobre países de baixa renda.

Antes de se deixar encantar pelo canto das fantásticas soluções tecnológicas, devemos ponderar para qual objetivo tais tecnologias são destinadas, o que as determinam, quem leva vantagem e quem se prejudica. Para evitar que adentremos em um interminável labirinto de carros congestionados – isso se ainda houver planeta para isso.


Em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, Outras Palavras irá sortear cinco exemplares de Autonorama: uma história sobre carros “inteligentes”, ilusões tecnológicas e outras trapaças da indústria automotiva, de Peter Norton, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 22/9, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!


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