Franz Kafka, uma leitura revolucionária

Marcello Tarì vê no autor de O processo “um dos maiores comunistas de todos os tempos”. Em livro recém-lançado pela Sobinfluencia, ele argumenta: escritor desnudou em sua obra a lei dos poderosos pelo que ela é – farsa. Sortearemos um exemplar

Franz Kafka ilustrado pelo quadrinista Robert Crumb
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Apesar de provavelmente ser um dos autores mais lidos do século XX em diante, Franz Kafka segue eludindo a possibilidade de que sintamos que o interpretamos plenamente bem. Como nota Walter Benjamin em uma reflexão sobre o escritor de Praga, Kafka “tomou todas as medidas possíveis contra a interpretação dos próprios textos”. Eles parecem se referir, em um só movimento, a toda a experiência moderna e a um lugar e tempo não-identificáveis, dos quais conseguimos captar apenas fragmentos. Esta, aliás, é uma das principais forças de sua literatura.

O pesquisador italiano Marcello Tarì propõe em um escrito recente uma interessante chave de leitura para Kafka, que realça seu caráter revolucionário advindo do desnudamento demolidor das leis e dinâmicas dos poderes que governam. Há poucos meses, esse material chegou ao Brasil pela mão de nossos parceiros da editora paulistana Sobinfluencia: o livro saiu com o título O partido de Kafka, tradução direta de seu nome original em italiano.

Tarì parte de várias criações do autor nascido no Império Austro-Húngaro para ressaltar a visão bastante clara que ele desenvolveu sobre o lugar que a lei ocupa na construção do poder: sua natureza seria a de um artifício que legitima de forma quase “mágica” a submissão de uns a outros. Como nota o italiano, os poderosos nunca tiveram receio de agir fora ou à margem dela – as consequências do ilegalismo são criadas com o sentido de adestrarem apenas ao povo, punindo-o pela insubmissão. 

Os contos escolhidos para análise, menos conhecidos que A metamorfose ou O castelo, são realmente notáveis. “A questão das leis” (1920), cujo enredo norteia boa parte do argumento de Tarì, trata de  um país onde a legislação é completamente desconhecida de seu povo, sendo propriedade exclusiva dos nobres. Curiosamente, a maioria da população se conforta com isso: alguém com autoridade está cuidando das coisas, e isso basta. Já “Diante da lei” (1914) fala de um camponês que, desejoso de entrar na Lei, é inexplicavelmente impedido durante décadas por um guarda. Assim que o camponês morre às portas da Lei, o guarda abandona o posto. Como não podia faltar, Marcello Tarì também trata de O processo (1925), e dos labirintos burocrático-legais enlouquecedores percorridos pelo réu Joseph K. no romance, para esquadrinhar esse fenômeno.

Outras Palavras e Sobinfluencia sortearão um exemplar de O partido de Kafka, de Marcello Tarì, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a quinta-feira, 2/3, às 14h. Quem é Outros Quinhentos tem 25% de desconto no site da editora.

Porém, mais que fazer uma viagem de interesse literário pelas aparições da lei no que Kafka escreveu, Tarì atribui um sentido eminentemente político a esse olhar do autor. Para ele, o tímido escritor de Praga está se opondo às táticas de conhecer as leis e delas se apropriar – aplicada “pela maioria do povo” – ou de simplesmente negar as leis que existem – aplicada “por um pequeno partido” – e trazendo uma nova proposta: a de destituir as leis, profaná-las, desvelar que só existem enquanto um fazer dos poderosos, desnudar a farsa de sua existência.

Por essa visão, Marcello Tarì confere a Kafka o mérito de nada menos que “um dos maiores comunistas de todos os tempos”. Seus escritos, munidos dessa concepção do mundo, seriam um poderoso combustível para a práxis revolucionária de nossa época.

Instigante, O partido de Kafka tem como influência mais frutífera o Benjamin leitor de Kafka, registrado em ensaios e cartas trocadas com Gershom Scholem. O filósofo alemão nota a riqueza das percepções de Franz Kafka sobre a crise da lei (e suas explorações sobre a pré-história da modernidade, o tempo da lei não-escrita) e como a percepção dessa crise, pelo povo, como transformação do mundo em um inferno, pode abrir uma janela para a alternativa messiânica-revolucionária que vem trazer a redenção do povo.

O livro foi traduzido para o português por Andityas Moura, professor da UFMG cuja obra recente Para além da biopolítica também foi comentada aqui no Outros Quinhentos. Andityas assina, além disso, o prefácio do escrito de Tarì – autor, aliás, já relativamente conhecido no Brasil por Um piano nas barricadas, uma história do autonomismo italiano dos anos 70.

Um comentário que é impossível não repetir a cada vez que se comenta um livro da Sobinfluencia: o trabalho gráfico da editora é especial, realmente muito bom. Editora que, aliás, mudou de casa. Desde semana passada, quando rolou a inauguração do novo espaço, você pode encontrá-los na Galeria Metrópole, na avenida São Luís, no centro de São Paulo.

Em parceria com a Sobinfluencia, sortearemos 1 exemplar de O partido de Kafka, de Marcello Tarì entre os apoiadores do jornalismo de Outras Palavras.

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