Elizabeth Flynn: Contra o capital, a sabotagem
Lançamento da editora GLAC reúne panfletos da “Rebelde do Povo”. Obra mostra como a resistência silenciosa é uma das formas de enfrentamento aos patrões. Sabotar a máquina de exploração não é vandalismo – é sobrevivência. Sorteamos dois exemplares
Publicado 26/06/2025 às 19:35 - Atualizado 26/06/2025 às 19:36

Quem apoia o jornalismo de Outras Palavras garante 30% de desconto em obras selecionadas da GLAC edições. Faça parte da rede Outros Quinhentos em nosso Apoia.se e acesse as recompensas!
Como resistir quando o fascismo reaparece em novas roupagens e a distância entre ricos e pobres atinge níveis escandalosos? Em uma época onde a exploração se moderniza mas está longe de desaparecer, quais são as estratégias de enfrentamento e resistência?
Alguns escritos de lutadores e lutadoras de outras gerações podem ser faróis nessa luta.
O legado de Elizabeth Gurley Flynn – militante anarquista, depois comunista, e uma das maiores organizadoras trabalhistas dos EUA – pode ser uma chama incandescente nesse sentido.
Conhecida como “a rebelde do povo”, Flynn passou décadas nas trincheiras da luta de classes, desde as greves das fábricas têxteis até a fundação da ACLU (União pelas Liberdades Civis Americanas). Sua vida foi marcada por prisões, perseguições políticas e uma obstinação inquebrantável em defender os explorados.

A obra Sabotagem: encontrar os comunistas, em pré-venda pela GLAC edições, reúne seus panfletos escritos entre 1915 e 1946, onde a militante discute sem meias palavras as táticas da classe trabalhadora.
Outras Palavras e GLAC Edições sortearão dois exemplares de Sabotagem: encontrar os comunistas, de Elizabeth Gurley Flynn, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 7/7, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
No primeiro artigo Sabotagem, ela defende que interromper a produção é um direito legítimo dos explorados – uma ideia que ecoa nos protestos atuais contra a precarização. No segundo, Encontrar os comunistas, ela cria pontes entre gerações, apresentando revolucionários como Prestes não como figuras de museu, mas como companheiros de luta para os jovens de hoje.
Mais que um livro de história, é um manual de sobrevivência para tempos sombrios. Como a própria Flynn dizia: “O protesto que não incomoda não é protesto – é apenas um pedido de favor aos poderosos”.
A edição estará com valor de pré-venda até o dia 3 de julho (3/7). Garanta logo o seu exemplar! Para quem estiver em São Paulo, o lançamento da obra será na mesma data, na Casa Marx (Praça Américo Jacomino, 49 – Sumarezinho), e contará com a presença da militante Letícia Parks, Companheiro Janderson e Lia Urbini. Não perca!
Leia, logo abaixo, um trecho do escrito. Boa leitura!
SABOTAGEM [1]
A suspensão
intencional da
produtividade dos
trabalhadores
industriais
Elizabeth
Gurley Flynn
O interesse pela sabotagem nos Estados Unidos surgiu recentemente devido ao caso de Frederic Sumner Boyd, [2] ocorrido em Nova Jersey, no contexto da greve de Paterson. Antes da sua prisão e condenação por promover a sabotagem, essa tática trabalhista específica era pouco conhecida ou discutida no país. Agora, surge uma dupla necessidade de defendê-la: não apenas para explicar o que a sabotagem significa para o trabalhador em sua luta por melhores condições, mas para justificar as ações do nosso companheiro de trabalho, Boyd, em tudo o que ele afirmou. Assim, meu objetivo principal é explicar a sabotagem, abordando sua dupla importância: primeiro, em relação à sua utilidade, e segundo, em relação à sua legalidade.
SUA NECESSIDADE NA
GUERRA DE CLASSES
Não justificarei a sabotagem com base em fundamentos morais. Se trabalhadores consideram a sabotagem necessária, essa necessidade é, por si só, legítima. Sua existência é justificada pela sua necessidade. Discutir a moralidade da sabotagem seria tão absurdo quanto discutir a moralidade da greve ou da própria luta de classes. Para compreender ou aceitar a sabotagem, é preciso aceitar o conceito de luta de classes. Se você acredita que existe paz e harmonia entre trabalhadores e patrões, como entre irmãos, e que greves e lockouts [3] são meras disputas familiares, ou que é possível alcançar um equilíbrio onde tanto patrões quanto
trabalhadores tenham o suficiente, um ponto de ajuste amigável na guerra industrial e na distribuição econômica, então não há justificativa nem explicação que torne a sabotagem compreensível para você. No arsenal dos trabalhadores, a sabotagem é uma arma na luta de classes. À medida em que se tornam mais conscientes, os trabalhadores reconhecem que é necessário ter poder para alcançar qualquer conquista. Apelos à empatia ou direitos abstratos não levarão a melhores condições por si só. Por exemplo, considere um estabelecimento industrial, como uma fábrica de seda, onde mulheres, homens e crianças trabalham dez horas por dia por um salário médio entre seis a sete dólares por semana. Poderiam eles, ou um sindicato que os representasse, convencer o patrão a oferecer melhores condições apelando à empatia, contando sobre a miséria, dificuldades e a pobreza de suas vidas? Ou poderiam fazer isso apelando ao próprio senso de justiça do patrão? Suponha que um trabalhador ou trabalhadora vá até ele e diga: “Eu produzo, enquanto pessoa assalariada nesta fábrica, uma quantidade de riqueza todos os dias, e a justiça exige que você me dê, no mínimo, metade”. O patrão provavelmente os enviaria ao asilo psiquiátrico [4] mais próximo. Ele o consideraria um criminoso perigoso demais para ser solto em comunidade! O patrão não é movido pela empatia nem pela justiça, mas sim pelo poder. Se um sindicato puder apresentar ao patrão o seguinte ultimato: “Nós representamos todos os homens e mulheres nesta fábrica. Eles estão organizados em um sindicato, assim como você está organizado em uma associação de fabricantes. Eles se reuniram e formularam, nesse sindicato, uma demanda por melhores condições de trabalho e salários. Não trabalharão um dia a mais se tais condições não forem atendidas. Dito de outro modo, como geradores de riqueza da fábrica, através da suspensão, vão obrigá-los, intencionalmente, a ceder às suas exigências”. Esse tipo de ultimato, apresentado a um patrão, geralmente resulta em uma resposta completamente diferente: se o sindicato estiver bem organizado e conseguir cumprir sua ameaça, geralmente conseguem o que lágrimas e súplicas nunca poderiam ter conseguido. Acreditamos que a existência da luta de classes na sociedade se manifesta no poder econômico do patrão, de um lado, e no crescente poder econômico dos trabalhadores, do outro. Ambos se enfrentam em batalhas diretas de tempos em tempos, mas estão em um conflito contínuo e diário sobre quem ficará com a maior parte do produto do trabalho e a posse final dos meios de subsistência. O patrão deseja longas jornadas de trabalho, salários baixos, sem se preocupar com as condições sanitárias na fábrica, pensando apenas em manter baixo os custos de produção, enquanto o trabalhador, além de querer jornadas menores, maiores salários; está preocupado, independentemente do custo, em garantir ventilação, saneamento e iluminação que promovam o bem-estar. Sabotagem é na luta de classes o que a guerrilha é na batalha. A greve representa a batalha aberta na luta de classes, enquanto a sabotagem é a guerrilha, guerra dia-após-dia entre duas classes antagônicas.
FORMAS AMPLAS
DE SABOTAGEM
A sabotagem foi adotada e reconhecida pela Confederação Geral do Trabalho da França em 1897 como uma estratégia de luta contra os patrões. No entanto, a sabotagem, como uma forma de defesa instintiva, existia muito antes da sua oficialização e reconhecimento por parte de qualquer organização trabalhista. Sabotagem significa, em primeiro lugar: suspensão intencional da produtividade. Desacelerar e interferir na quantidade, realizar um trabalho malfeito e comprometer a qualidade da produção capitalista, prestar um serviço ruim. Não é violência física, trata-se de um processo interno ao ambiente, articulada dentro das quatro paredes do local de trabalho. Essas três formas de sabotagem — afetar a qualidade, a quantidade e o serviço — têm o objetivo de impactar o lucro do patrão. É uma maneira de prejudicar o lucro dele com o propósito de forçá-lo a conceder determinadas condições, assim como fazem com as greves, que têm o mesmo objetivo. É simplesmente outra forma de coerção.
Existem muitas formas de interferir na produtividade, qualidade e quantidade da produção, motivadas por diversos motivos — tanto patrões quanto trabalhadores utilizam a sabotagem. Os patrões interferem na qualidade da produção, na quantidade produzida, no fornecimento e no tipo de mercadorias com o objetivo de aumentar seus próprios lucros. Mas essa forma de sabotagem, a sabotagem capitalista, é antissocial, pois visa o benefício de poucos às custas de muitos, enquanto a sabotagem da classe trabalhadora é evidentemente social, pois busca o benefício de muitos em detrimento de poucos.
A sabotagem da classe trabalhadora é dirigida diretamente ao “chefe” e aos seus lucros, na crença de que isso é a sua religião, seu sentimento, seu patriotismo. Tudo está centrado em seu bolso, e ao atingir isso, estará atingindo o ponto mais vulnerável de todo o seu sistema moral e econômico.
BAIXA REMUNERAÇÃO, MENOS
TRABALHO. “SEJA LIGEIRO” [5]
A sabotagem direcionada à quantidade é uma prática muito antiga, conhecida pelos escoceses como “seja ligeiro” [ca canny]. Todos os trabalhadores conscientes já tentaram isso em algum momento, quando foram forçados a trabalhar excessivamente e por longas horas. Em 1889, os estivadores escoceses estiveram em greve, a qual foi perdida, mas ao retornarem ao trabalho, enviaram um circular a cada estivador na Escócia e, nesse circular, resumiram suas conclusões e experiências decorrentes da amarga derrota. O conteúdo era o seguinte: “Os patrões sempre elogiam os fura-greve destacando seu trabalho dizendo o quanto são superiores a nós, pagaram pra eles o dobro do que pagam pra gente. Agora, ao voltar ao trabalho, decidimos que, já que esse é o tipo de trabalhador e de trabalho que eles preferem, faremos o mesmo. Deixaremos os barris de vinho passar pelos cais da mesma forma que os fura-greve fizeram. Faremos grandes caixas de artigos frágeis caírem no meio do cais. Faremos o trabalho com tanto desleixo, lentidão e destruição quanto fizeram. E veremos quanto tempo nossos patrões suportarão esse tipo de coisa”. Após apenas alguns meses utilizando esse sistema de sabotagem, eles conseguiram conquistar tudo o que haviam tentado, sem sucesso, durante a greve. Essa foi a primeira declaração aberta de sabotagem em um país de língua inglesa.
Ouvi meu avô contar sobre um velho que começou a trabalhar na ferrovia, e o chefe perguntou:
– Bem, o que você pode fazer?
– Eu posso fazer quase tudo —
respondeu ele, um companheiro
grande e robusto.
– Bom, — disse o chefe — você sabe
manejar uma picareta e uma pá?
– Ah, com certeza. Quanto você paga
para esse trabalho?
– Um dólar por dia.
– Só isso? Bem, tá certo. Eu preciso
muito do trabalho. Acho que vou
aceitar.
Então, ele pegou sua picareta e começou a trabalhar com calma. Logo, o chefe apareceu e disse:
– Diga, você não consegue trabalhar
mais rápido do que isso?
– Claro que posso.
– Então, por que não faz isso?
– Esse é o meu ritmo de um
dólar por dia.
– Bom, — disse o chefe — , vamos ver
como é o ritmo de um dólar e vinte e
cinco centavos por dia.
Isso melhorou um pouco. Então o chefe disse: “Vamos ver como é o ritmo de um dólar e cinquenta centavos por dia”. O homem demonstrou. “Isso estava ótimo”, disse o chefe, “bem, talvez possamos definir como um dólar e cinquenta centavos o dia”. O homem então mencionou que seu ritmo de dois dólares por dia era “impressionante”. Assim, através dessa sabotagem instintiva, esse pobre e obscuro trabalhador ferroviário no Maine conseguiu um aumento de um dólar para dois dólares por dia. Lemos sobre grupos de trabalhadores italianos que, quando o chefe corta seus salários – geralmente um chefe irlandês ou americano que gosta de ganhar alguns dólares extras para si, então ele reduz o pagamento dos homens de vez em quando sem consultar o contratante e fica com a diferença. Um deles cortou o pagamento em [25] centavos por dia. No dia seguinte, ele foi ao trabalho e descobriu que a quantidade de terra removida havia diminuído consideravelmente. Ele fez algumas perguntas:
Outras Palavras e GLAC Edições sortearão dois exemplares de Sabotagem: encontrar os comunistas, de Elizabeth Gurley Flynn, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 7/7, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
– O que está pegando?
– Eu entendo inglês não — nenhum
deles queria falar.
Ele passou o dia todo tentando encontrar alguém que pudesse explicar o que estava errado. Finalmente, encontrou um homem que disse:
– Bem, chefe, você reduz a
remuneração, a gente, o trabalho.
Essa era a mesma forma de sabotagem — diminuir a quantidade da produção proporcionalmente ao salário ganho. Havia um pregador indiano que ia para a universidade e ganhava a vida à parte, pregando. Alguém o perguntou:
– John, quanto você ganha?
– Ah, só recebo 200 dólares por ano.
– Caramba, isso é um péssimo
salário, John.
– Bem, — respondeu ele — é uma
péssima pregação!
Isso ilustra a forma de sabotagem que estou descrevendo aqui, uma forma “seja ligeiro” de sabotagem, o slogan “vá com calma”, ou “reduza o ritmo, não trabalhe tão duro”. É uma inversão do lema da Federação Americana do Trabalho, aquela organização de trabalho “segura, sensata e conservadora”. Eles acreditam em “um salário justo por um trabalho justo”. A sabotagem é uma forma de trabalho injusto por um salário injusto. Uma tentativa dos trabalhadores de limitar sua produção em proporção à sua remuneração. Essa é uma forma de sabotagem.
INTERFERÊNCIA NA
QUALIDADE DOS PRODUTOS
A segunda forma de sabotagem é interferir, intencionalmente, na qualidade dos produtos. Aprendemos muitas lições com nossos patrões, assim como aprendemos a limitar a quantidade de produção. Todo ano, na parte ocidental dos Estados Unidos, frutas e grãos são produzidos e nunca chegam ao mercado. Bananas e laranjas apodrecem no chão, e grandes quantidades de frutas são jogadas no oceano. Não porque as pessoas não precisem desses alimentos ou que não possam fazer um bom uso nas grandes cidades do leste, mas porque a classe patronal prefere destruir uma grande parte da produção para manter os preços elevados em cidades como Nova York, Chicago, Baltimore e Boston. Se enviassem todas as bananas produzidas para o leste dos Estados Unidos, provavelmente estaríamos comprando três bananas por uma centavo. Mas, ao destruir uma grande quantidade, conseguem manter o preço de duas por cinco centavos. E isso se aplica a batatas, maçãs e muitos outros itens básicos necessários para a maioria das pessoas. No entanto, quando os trabalhadores tentam aplicar o mesmo princípio, a mesma teoria, a mesma tática que seus patrões, enfrentam todos os tipos de objeções morais sutis.
DICAS DE BOYD AOS
ESCRAVIZADOS DA
FÁBRICA DE SEDA
Com a qualidade é a mesma coisa. Consideremos o caso de Frederic Sumner Boyd, [6] que deve despertar nosso profundo interesse, pois é evidente que ele está sendo transformado em “bode expiatório” pelas autoridades de Nova
Jersey. Eles querem sangue, uma vítima. Se não conseguirem encontrar outra pessoa, estão determinados a fazer de Boyd o alvo, para servir a um duplo propósito: amedrontar os trabalhadores de Paterson, como acreditam poder fazer, e transformar a sabotagem em algo previsto nas leis, tornando ilegal a sua defesa ou prática. Boyd disse o seguinte: “Se você voltar ao trabalho e encontrar canalhas trabalhando ao seu lado, coloque um pouco de vinagre na cana do tear para impedir seu funcionamento”. O prenderam com base na lei que proíbe a defesa da destruição de propriedade. Boyd aconselhou os tintureiros a entrar nas tinturarias e usar certos produtos químicos na coloração da seda que a tornem impossível de ser tecida. Isso foi terrivelmente alarmante nos jornais e muito grave no tribunal. No entanto, o que nem os jornais nem os tribunais consideraram é que esses produtos químicos já são usados na coloração da seda. Body não propõe algo novo, pois é algo já praticado em todas as tinturarias da cidade de Paterson, mas que é aplicada para beneficiar o patronato, não os trabalhadores.
“PONDERAÇÃO” [7] DE SEDA
Darei um exemplo ilustrativo do que quero dizer. Há setenta e cinco anos, quando a seda era tecida em tecido, o fio de seda era puro, tingido e tecido de forma a durar 50 anos. Sua avó poderia usá-lo como vestido de noiva. Sua mãe poderia usá-lo como vestido de noiva. E, se você tiver a sorte de se casar, poderia usá-lo também como vestido de noiva. No entanto, a seda que você compra hoje não é tingida de maneira pura nem tecida em um produto forte e duradouro. Uma libra de seda entra na casa de tingimento e, geralmente, saem de três a quinze libras. Ou seja, junto com o tingimento, há um processo adicional e desnecessário, que é muito pitorescamente chamado de “ponderação”. Eles pesam a seda utilizando soluções de estanho, de zinco e de chumbo. Se você ler as revistas da Silk Association of America, encontrará orientações para os mestres tintureiros sobre quais sais são mais adequados para adicionar peso à ela. Encontrará anúncios — como o da Ashley & Bailey em Paterson, possivelmente reimpresso em “The Masses” de dezembro de 1913 —, destacando um leiloeiro de fábricas de seda como possuindo equipamentos especializados para a ponderação da seda. Quando você compra um belo pedaço de seda hoje e manda fazer um vestido para ocasiões especiais, ao guardá-lo no armário e retirá-lo um tempo depois, percebe que ele está rachado nas pregas, ao longo da cintura e dos braços. Você acredita que foi enganado por um funcionário. Na verdade, o que aconteceu é que você pagou por seda, mas recebeu um tecido adulterado com latas velhas de zinco e chumbo e coisas desse tipo. O que você tem é um vestido decorado com seda, temperado com seda, mas adulterado a tal ponto que, se fosse adulterado mais um pouco, desmoronaria completamente.
O que Frederic Sumner Boyd recomendou aos trabalhadores foi, na prática, o seguinte: “Façam para vocês mesmos o que já estão fazendo para seus patrões. Coloquem todas essas substâncias na seda em prol de seus próprios propósitos, assim como estão colocando para os propósitos deles”. Não consigo imaginar — nem mesmo em um tribunal de justiça — como eles poderiam traçar a linha tênue de diferença onde a sabotagem dos tintureiros é legal e a sabotagem dos trabalhadores é ilegal, sendo que ambas consistem exatamente na mesma coisa e a seda permanece inalterada. Ela continua lá. O tear também. Não há propriedade destruída pelo processo. A única coisa eliminada é a eficiência dos trabalhadores em ocultar essa adulteração da seda, em levá-la até o ponto em que possa ser tecida sem ser detectada. Essa eficiência é suprimida. O véu é rasgado da produção nas tinturarias e fábricas de seda, e os trabalhadores simplesmente dizem: “Vou largar isso aqui e mostrar para o que é. Vou expor o quão podre, o quão absolutamente inutilizável é a seda que estão passando para o público por dois ou três dólares o metro”.
NÃO ADULTERAÇÃO
E SUPER-ADULTERAÇÃO
Agora, a forma de sabotagem de Boyd não era a mais perigosa. Se os juízes tivessem um pouco de imaginação, perceberiam que a sabotagem proposta por ele era bastante branda comparada com esta outra: suponha que ele tivesse dito aos tintureiros em Paterson, a um número suficiente deles, para afetar todas as tinturarias da cidade: “Em vez de adicionar esses produtos químicos para adulterar a seda, não os introduzam. Joguem o chumbo, o zinco e o estanho no esgoto e teçam a seda, bela, pura e durável, exatamente como ela é. Eles tingiam a seda, libra por libra, cem libras por cem libras”. Os patrões teriam sido muito mais prejudicados por essa forma de sabotagem do que pela que Boyd propôs. Provavelmente, teriam preferido que ele fosse condenado à prisão perpétua em vez de sete anos, apenas. Dito de outra forma, defender a não-adulteração é muito mais perigoso para os interesses capitalistas do que defender a adulteração. A não-adulteração representa a forma mais elevada de sabotagem em lugares como as tinturarias de Paterson, padarias, confeitarias, frigoríficos, restaurantes, e outros.
Interferir na qualidade, durabilidade ou utilidade de um produto pode ser ilustrado da seguinte forma: suponha que um leiteiro venha à sua casa todos os dias e entregue um litro de leite, sendo que esse litro de leite é na verdade metade água, com um pouco de giz e cola para engrossá-lo. Então, um motorista de leite que pertence a um sindicato faz essa entrega. O sindicato faz greve e não consegue conquistar melhores condições. Em seguida, eles abrem a torneira e deixam a água correr, de modo que a mistura se torna quatro partes de água e uma parte de leite. Você devolve o “leite” e faz uma reclamação. Ao mesmo tempo em que você faz essa reclamação e se recusa a usar o leite, centenas e milhares de outros farão o mesmo, e, ao atingir os interesses do consumidor, uma vez que conseguem melhores condições para si mesmos, também forçam os patrões a fornecer o produto puro. Essa forma de sabotagem é distintamente benéfica para o consumidor. Qualquer exposição de adulteração, qualquer super-adulteração que torne o produto não consumível, é muito mais vantajosa para o consumidor do que um produto tratado e adulterado de forma que possa ser usado, mas que seja prejudicial para sua saúde ao mesmo tempo.
Interferir na qualidade pode ser exemplificado nas cozinhas de hotéis e restaurantes. Lembro-me, durante a greve dos trabalhadores de hotéis, de relatos sobre grandes caldeirões de sopa que ficavam lá mês após mês sem nunca serem limpos, cobertos com verdete [8] e várias outras formas de crescimento de microorganismos. Muitas vezes, um rato ou camundongo caía na sopa, era retirado e jogado fora, e a sopa ainda assim era utilizada. Agora, pode alguém afirmar que, se os trabalhadores desses restaurantes, como um meio de atacar seus patrões, jogassem meio quilo de sal naquele caldeirão de sopa, você, como cliente ou consumidor, não estaria em uma situação muito melhor? Seria muito mais vantajoso que a sopa se tornasse inadequada para consumo do que deixá-la em um estado onde possa ser consumida, mas onde é continuamente prejudicial à saúde em maior ou menor grau. Destruir a utilidade dos produtos pode, às vezes, significar um benefício óbvio para aqueles que, de outra forma, poderiam usá-los.
PREJUDICANDO O
ATENDIMENTO. SABOTAGEM
DE “BOCA ABERTA”
Essa forma de sabotagem não é a forma mais extrema. O serviço também pode ser prejudicado, assim como a qualidade. Na Europa, isso é feito por meio do que é conhecido como “sabotagem de boca aberta”. Na hotelaria e restaurantes, por exemplo, pergunto se este juiz que condenou Boyd a sete anos de prisão acreditaria nessa forma de sabotagem. Suponha que ele entre em um restaurante e peça uma salada de lagosta , e pergunte ao garçom impecavelmente vestido, que está atrás da cadeira: “A salada de lagosta está boa”? O garçom responde: “Oh, sim, senhor, é a melhor da cidade”. Isso seria agir como um bom trabalhador e cuidar dos interesses do patrão Mas e se o garçom dissesse, “Não, senhor, é uma salada de lagosta estragada. É feita com pedaços que foram acumulados aqui nas últimas seis semanas”, esse garçom estaria praticando sabotagem, ele que não tem interesse nos lucros do chefe, não se importa se o chefe vende salada de lagosta ou não. O juiz provavelmente consideraria isso uma forma clara de sabotagem. Os garçons em Nova York eram cerca de 5.000. Desses, aproximadamente mil eram militantes e confiáveis para uma greve. Apesar do seu número reduzido, essa pequena greve teve um impacto maior na cidade do que a greve de 200.000 trabalhadores da indústria de vestuário que estava ocorrendo simultaneamente. Embora não tenham conquistado grandes ganhos pessoais devido ao seu pequeno número, conseguiram demonstrar um considerável poder sobre os patrões, prejudicando os negócios. Por exemplo, eles elaboraram declarações e relataram as condições das cozinhas e despensas de hotéis e restaurantes em Nova York. Descreveram como a manteiga nos pequenos pratos era enviada de volta para a cozinha, onde alguém retirava cinzas de cigarro, bitucas e fósforos com os dedos e jogava a manteiga de volta no estoque geral. Eles relataram que as toalhas de mesa usadas, possivelmente por pessoas com tuberculose ou sífilis, eram utilizadas para limpar os pratos na despensa. Contaram histórias tão nojentas que fariam você se sentir enjoado de tanto horror, sobre as condições no Waldorf, Astor e Belmont, ou em todos os grandes restaurantes e hotéis de Nova York. Descobri que essa foi uma das maneiras mais eficazes de atingir o público, porque o “querido público” nunca é alcançado através da simpatia. Fui convidada por uma senhora para falar em um clube aristocrático de mulheres no lado Oeste, um grupo que, sem mais nada para fazer, havia organizado esse clube. Você sabe — essa aristocracia de luvas brancas! Me pediram para falar sobre a greve dos trabalhadores de hotéis. Eu sabia que, na verdade, o que elas queriam era apenas ver que tipo de pessoa era um “agitador sindical”. No entanto, vi ali uma oportunidade de dar visibilidade aos grevistas. Falei sobre as longas horas nas cozinhas quentes, sobre os fogões que fumegam e expelem vapor. Falei sobre o excesso de trabalho e a baixa remuneração dos garçons, e como eles precisavam depender da generosidade ou da embriaguez de algum cliente para receber uma boa gorjeta. Discorri sobre essas condições, e os ouvintes mantiveram expressões impassíveis, como se nada daquilo tivesse qualquer efeito sobre eles. Mas, quando comecei a descrever as condições das cozinhas, conforme me haviam contado os garçons e cozinheiros, vi um olhar de horror congelado em seus rostos. A descrição dessas condições parecia afetá-los profundamente. Eles se mostraram interessados quando comecei a falar sobre algo que afetava o estômago deles, algo que eu nunca teria conseguido através de apelos humanitários. Imediatamente começaram a redigir resoluções e a cancelar compromissos nos grandes hotéis, decidindo que seus clubes não deveriam mais se reunir lá. Isso causou uma grande agitação em torno de alguns dos principais hotéis de Nova York. Quando os trabalhadores retornaram ao trabalho, após perceberem que essa era uma forma de atingir o patrão através do estômago do público, não hesitaram em recorrer à sabotagem nas cozinhas. Se algum de vocês já tomou uma sopa intragável, excessivamente salgada ou apimentada demais, talvez isso tenha sido um sinal de que havia alguns rapazes na cozinha que queriam um aumento. No hotel McAlpin, o chefe dos garçons convocou os funcionários depois que a greve terminou em derrota, e disse:
“Caras, vocês podem ter o que quiserem, vamos lhes dar as horas, os salários, vamos lhes dar tudo, mas, pelo amor de Deus, parem com esse negócio de sabotagem na cozinha!”. Dito de outro forma, o que não puderam conquistar
pela greve, conseguiram atacando o paladar do público, tornando a comida incomível e, assim, obrigando o patrão a reconhecer o poder e a eficiência deles na cozinha.
NOTAS
[1] N. da T.: A tradução de “The conscious withdrawal of the workers’ industrial efficiency” para “A suspensão intencional da produtividade dos trabalhadores industriais” foi uma maneira de reter a complexidade da ação dos trabalhadores. O termo “suspensão” foi preferido a “retirada” por evocar uma interrupção temporária ou estratégica, sem necessariamente implicar uma remoção completa ou permanente. A escolha de “intencional” em vez de “consciente” visa sublinhar a condição deliberada da ação, reconhecendo que a motivação dos trabalhadores pode ser guiada por circunstâncias espontâneas e práticas (materiais e coletivas), mesmo que sua intencionalidade não seja sempre formulada e orientada de maneira conceitual ou plenamente consciente, deliberada, mas que, ainda assim, alude à uma autonomia relativa dos trabalhadores ao praticarem e engajarem em uma ação direta que excede a “retirada” de esforço, destacando a dimensão política e tática da ação em contextos de lutas das/os trabalhadoras/es.
[2] A referência ao caso de Friderick Sumner Boyd, encontrada em vários pontos do texto no panfleto anterior, requer uma explicação adicional. O panfleto foi escrito há mais de dois anos, desde então ocorreram alguns desenvolvimentos interessantes no caso de Boyd. Após ser condenado pela acusação de “aconselhar a destruição de propriedade”, Boyd levou seu caso ao Tribunal de Apelações e Erros de New Jersey, onde a decisão do tribunal inferior foi mantida. Boyd foi então preso e enviado para a prisão estadual em Trenton com uma sentença de “de dois a sete anos”. Ele imediatamente assinou um pedido de clemência no qual afirma ter repudiado suas ideias anteriores e renunciado à defesa da sabotagem e outras ideias subversivas. Em vista da aparente covardia de Boyd, enquanto o panfleto está prestes a ser publicado, acrescentamos esta nota para maior clareza.
[3] N. da T.: Lockout é uma prática adotada por patrões durante conflitos trabalhistas onde eles impedem os trabalhadores de acessar o local de trabalho, geralmente como uma forma de pressioná-los a aceitar certas condições de trabalho ou para evitar uma greve. Diferente da greve, encabeçada por trabalhadores, ela é uma estratégia de negociação usada pelos patrões.
[4] N. da T.: “asilos psiquiátricos”, hoje, são conhecidos como “manicômios judiciários”.
[5] N. da T.: “Seja ligeiro” [Ca canny] é uma expressão escocesa usada para descrever uma forma de resistência dos trabalhadores que consiste em reduzir, intencionalmente, o ritmo de trabalho para evitar a superexploração. Essa prática era uma estratégia comum entre operários, especialmente no final do século XIX e início do século XX, como forma de proteger seus empregos e condições de trabalho, reduzindo a produção sem parar completamente de trabalhar. Essa tática de sabotagem era uma maneira sutil de protestar contra as condições laborais adversas sem recorrer a greves abertas ou confrontos diretos. Ca canny é um termo sugestivo escocês para agir com astúcia e precaução, não se deixar explorar e ser inteligente em suas ações. A tradução “seja ligeiro” captura essa ideia de forma compreensível, indicando que a pessoa deve ser rápida e esperta em suas decisões, ajustando-se ao contexto de trabalho: remuneração baixa, menor esforço.
[6] N. da T.: Frederic Sumner Boyd foi uma pessoa chave no movimento sindical nos Estados Unidos, conhecido principalmente por fundar o jornal “Sabotage”, publicado pela Industrial Workers of the World (IWW), que, embora não fosse exclusivamente anarquista, incorporava muitos de seus princípios. Sua visão política se alinhava com a tradição anarquista dentro do movimento operário, que enfatizava a libertação dos trabalhadores e a criação de uma sociedade sem hierarquias e sem opressão. Boyd, um militante negro, era um dos poucos líderes afro-americanos na IWW e um defensor da ação direta e da sabotagem como métodos legítimos de luta dos trabalhadores contra a exploração capitalista. Seu trabalho foi crucial para popularizar o conceito de sabotagem entre os trabalhadores como uma forma de resistência eficaz, muitas vezes mais estratégica do que greves abertas. Além de sua contribuição ao sindicalismo, Boyd também lutou contra o racismo no contexto da organização dos trabalhadores, deixando uma marca significativa na teoria e prática da ação sindical no início do século XX.
[7] N. da T.: Ponderação de seda [dynamiting], refere-se ao processo de adicionar peso ao tecido de seda por meio de substâncias químicas, como sais metálicos. Esta prática visava aumentar o peso do tecido após o tingimento, dando-lhe uma aparência mais volumosa e valorizada. A tradução “ponderação de seda” é adotada por ser mais técnica e precisa, descrevendo diretamente o objetivo de aumentar o peso do tecido. O termo original dynamiting carrega uma conotação crítica, refletindo a artificialidade e potencial engano associados a essa prática na indústria têxtil.
[8] N. da T.: Verdete refere-se à camada verde de ferrugem que se forma na superfície de metais, como cobre e suas ligas, quando expostos à umidade e ao ar. Composta principalmente por carbonato de cobre básico e outros sais de cobre, o verdete surge como resultado da corrosão e pode atuar como uma camada protetora que impede a deterioração adicional do metal subjacente.
Em parceria com a GLAC edições, o Outras Palavras irá sortear dois exemplares de Sabotagem: encontrar os comunistas, de Elizabeth Gurley Flynn, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 7/7, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
Outras Palavras disponibiliza sorteios, descontos e gratuidades para os leitores que contribuem todos os meses com a continuidade de seu projeto de jornalismo de profundidade e pós-capitalismo. Outros Quinhentos é a plataforma que reúne a redação e os leitores para o envio das contrapartidas, divulgadas todas as semanas. Participe!
NÃO SABE O QUE É O OUTROS QUINHENTOS?
• Desde 2013, Outras Palavras é o primeiro site brasileiro sustentado essencialmente por seus leitores. O nome do nosso programa de financiamento coletivo é Outros Quinhentos. Hoje, ele está sediado aqui: apoia.se/outraspalavras/
• O Outros Quinhentos funciona assim: disponibilizamos espaço em nosso site para parceiros que compartilham conosco aquilo que produzem – esses produtos e serviços são oferecidos, logo em seguida, para nossos apoiadores. São sorteios, descontos e gratuidades em livros, cursos, revistas, espetáculos culturais e cestas agroecológicas! Convidamos você a fazer parte dessa rede.
• Se interessou? Clica aqui!
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para [email protected] e fortaleça o jornalismo crítico.