A literatura proletária de Neel Doff

Em Dias de fome e desamparo, obra semi-autobiográfica, autora holandesa denunciou as degradantes condições de vida das trabalhadoras europeias na virada para o século XX – dos salários de fome à prostituição forçada. Sortearemos 1 exemplar

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Neel Doff, holandesa migrada para a Bélgica ainda jovem, viveu em sua pele as grandes humilhações impostas às mulheres pelo capitalismo patriarcal no período da virada do século XIX para o século XX. De origem trabalhadora, passou pela completa falta do que comer na infância e pela insegurança do eterno trabalho em bicos na juventude. Mas não permitiu que a dureza de sua história a silenciasse: transformou suas memórias em livros, a começar pela ficção semi-autobiográfica Dias de fome e desamparo, recentemente publicada pela primeira vez no Brasil pela Sobinfluencia.

Escrito em primeira pessoa, o livro apresenta a vida de Keetje, nascida em uma família pobre que se desloca de cidade em cidade em busca de trabalho. Com as crescentes dificuldades financeiras, Keetje é forçada pela própria mãe a se prostituir com a justificativa de alimentar seus oito irmãos e irmãs. Keetje, em larga medida, é um alter-ego de Neel Doff, com boa parte das cenas fazendo realmente parte de sua biografia.

De capítulos curtos, o livro se assemelha mesmo a uma sequência de quadros que, por sua temática comum, ligam-se uns aos outros: o dormir amontoado em pequenos cômodos, a vergonha de pedir comida aos vizinhos, o frio na casa mesmo depois de queimar na fogueira até os brinquedos das crianças, as infecções por varíola, a morte de irmãos pequenos, os estupros perpetrados pelos patrões. E, presente em cada capítulo, a fome. 

É fácil perceber que cada uma das subdivisões da obra é como um grãozinho de memória que a autora se dedicou a pescar no interior de sua consciência, um fio que vai se costurando no bordado maior. Dois outros livros de Doff acompanham os caminhos da vida da protagonista de Dias de fome e desamparo. Chamam-se Keetje (1919) e Keetje Trottin (1921), completando uma trilogia.

Outras Palavras e Sobinfluencia sortearão um exemplar de Dias de fome e desamparo, de Neel Doff, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 16/3, às 14h. Quem é Outros Quinhentos tem 25% de desconto no site da editora.

Além de produzir literatura que expõe o martírio do proletariado urbano de fins dos oitocentos – sem eufemizar a penúria generalizada mas, por outro lado, sem restringir sua escrita à denúncia –, a holandesa teve momentos de proximidade com o movimento operário que se destacava na Europa da época, no auge da Segunda Internacional. Seu primeiro marido, Fernand Brouez, foi editor da La Société Nouvelle, uma das principais revistas socialistas em língua francesa do período, e ela mesma travou relações com nomes como o ativista anarquista Laurent Tailhade.

O escritor francês Henry Poulaille, criador do conceito de literatura proletária, via os livros de Neel Doff como um ponto fundante dessa corrente literária. Isso por serem obra de uma autora de origem operária, sem treinamento acadêmico para a escrita e representarem sem maiores rodeios as agruras da vida de penúria que milhões viviam nas metrópoles europeias. Esse não é o único pioneirismo do livro: o fato de se nortear por um eu-narrador feminino, ainda por cima de classe trabalhadora, também é notável. Nesse aspecto, é possível pensar em um paralelo com a importância de Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, para a literatura brasileira.

Os livros de Neel Doff, em especial os da “trilogia da fome” que se inicia com Dias de fome e desamparo, tiveram grande influência na cultura dos Países Baixos. Um dos primeiros filmes da carreira do diretor holandês Paul Verhoeven – mais conhecido por ter dirigido, por exemplo, RoboCop (1987) – foi Keetje Tippel (1975), que adapta as memórias de Neel Doff para o cinema. Célebre por abordar também o crescimento do movimento operário nas décadas retratadas, Keetje Tippel é um dos dez filmes mais vistos da história da Holanda, e o de maior bilheteria do ano em que foi lançado.

Antes da edição lançada pela Sobinfluencia, nenhuma obra da autora havia sido publicada no Brasil. De sua história particular, narrada com grande força neste livro, podemos acessar algo de universal na vida das trabalhadoras da virada do século XX – e uma vez mais nos lembrar da perversidade da sociabilidade do capital. 

Depois de Louise Michel, Neel Doff é a segunda homenageada da sequência especial de textos do Outros Quinhentos na semana do 8 de março, Dia Internacional de Luta da Mulher Trabalhadora.

Em parceria com a Sobinfluencia, sortearemos 1 exemplar de Dias de fome e desamparo, de Neel Doff, entre os leitores de Outras Palavras que apoiam nosso trabalho por meio do financiamento coletivo Outros Quinhentos.

O formulário de participação no sorteio será enviado por e-mail: os leitores que colaboram conosco e que se interessam em participar deverão preenchê-lo até a próxima quinta-feira, 16/3, às 14h. Se você ainda não contribui com Outras Palavras e gostaria de participar, acesse apoia.se/outraspalavras e inscreva-se em um dos planos que oferecemos.

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