Alckmin ataca santuário ecológico de São Paulo

rio com cidade ao fundo

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Transposição das águas do rio Itapanhaú, em Bertioga, representa a luta entre dois modelos de desenvolvimento e relação com o planeta e as pessoas

Por Mauro Lopes

O governador Geraldo Alckmin e a Sabesp estão em plena ofensiva que coloca em risco a sobrevivência de um dos mais importantes santuários ecológicos do Estado de São Paulo. É um ataque violento ao município de Bertioga, que tem quase 90% de seu território de 482 km² (20% da Baixada Santista) protegido ambientalmente, com um total de 77,6% composto por Vegetação Natural[1]. É um dos maiores patrimônios ambientais de São Paulo, ameaçado pelo  projeto de transposição das águas do rio Itapanhaú.

O motivo alegado para a transposição é a crise hídrica 2014/2016 do Estado de São Paulo, uma das marcas da gestão Alckmin. Apesar de o governador repetir que ela está superada, a administração decidiu transpor as águas do Rio Sertãozinho, um dos principais afluentes do Rio Itapanhaú, para o sistema do Alto Tietê, como parte do empreendimento “Obras de Aproveitamento da Bacia do Rio Itapanhaú para o Abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo”.

A grande articuladora de todo o projeto é a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) que, deixou de ser uma companhia efetivamente do Estado, voltada ao interesse público e tornou-se uma organização com espírito e conduta de empresa privada –com foco exclusivamente no lucro. A Sabesp tem 49,7% de seu capital nas mãos de bancos e grandes investidores. Alckmin tem atuado como um “garoto propaganda” da empresa, em São Paulo e Nova York (veja a foto abaixo, do próprio governo do Estado).

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Alckmin diante da Bolsa, em Nova York, em maio de 2017, depois de uma reunião com investidores na qual garantiu: lucro é a prioridade

Segundo Julio Cerqueira Cesar, um dos maiores especialistas em saneamento do país e professor aposentado da Escola Politécnica da USP, “até 90, a companhia era comandada por engenheiros sanitaristas, depois disso a Sabesp aderiu ao lucro de corpo e alma. Deixou de se preocupar com seus usuários e passou a se preocupar com seus acionistas. Hoje quem comanda a Sabesp são economistas e advogados. O objetivo da empresa mudou. É para dar lucro para os acionistas.”

A iniciativa Sabesp/Alckmin levou a uma mobilização inédita na cidade de Bertioga, com repercussão em toda a Baixada Santista. Foi criado o Movimento Salvem o Itapanhaú que está organizando uma série de ações e manifestações –no próximo sábado, 27, haverá em Bertioga um ato de protesto contra o projeto.

O rio Itapanhaú nasce em Biritiba Mirim, na região da Serra do Mar, e encontra o Oceano Atlântico por intermédio do Canal de Bertioga, percorrendo 40 quilômetros de ecossistemas frágeis como a mata atlântica, a mata paludosa, a mata alta de restinga e manguezais. Portanto, é parte integrante essencial destes ecossistemas. Na região de inserção do empreendimento ou sob sua influência, estão presentes oito áreas protegidas estratégicas para a manutenção do ecossistema: Área Natural Tombada- ANT; Parque Estadual da Serra do Mar – PESM; Parque Estadual Restinga de Bertioga – PERB; Terra Indígena Silveiras – TI; Reserva Particular do Patrimônio Natural -RPPN – Ecofuturo; Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN – Hercules Florence; Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN – Costa Blanca; e o Parque Municipal Rio da Praia – PMRP.

animaisImpactos – A transposição irá retirar do rio um volume de até 216 milhões de litros por dia, o que corresponde a 10% de sua vazão. O governo pretende fazer isso sem que tenham sidos realizados estudos de impacto ambiental aprofundados. A geóloga Célia Regina de Gouveia Souza, do Instituto Geológico, afirmou, por exemplo, que em nenhum parecer técnico dentro do processo de licenciamento e nem mesmo no próprio EIA/RIMA foi levado em consideração o tema elevação atual e futura do nível do mar, e nem os possíveis efeitos das mudanças climáticas na área; estudos e projeções recentemente efetuados para o município de Santos pelo professor J. Harari (IO–USP) mostram que o nível do mar tende a se elevar a uma taxa de 0,45 cm/ano nas próximas décadas e um dos efeitos dessa elevação será o aumento da intrusão da cunha salina nos sistemas fluviais.

Caso haja alteração na vazão do rio deverão  ocorrer  impactos negativos profundos nestes ecossistemas. Impactos que vão desde o desequilíbrio na salinidade nas áreas de manguezal ao assoreamento na foz, com prejuízos à flora, fauna e às pessoas que vivem e trabalham na região. Mesmo a Fundação Florestal, órgão do próprio governo de São Paulo, questionou em Informação Técnica a suficiência amostral dos estudos e levantamentos realizados sobre a flora e a fauna. No estudo, questionam-se os efeitos negativos de uma estiagem induzida (redução de vazão) sobre as Unidades de Conservação da região. Mesmo com as deficiências dos estudos ambientais apresentados, a Fundação Florestal destacou que, na região da planície costeira, o levantamento de dados primários em um dos pontos amostrados apontou que 64% das espécies encontradas constam na lista de espécies ameaçadas. Ao fim e ao cabo a o primeiro parecer da Fundação não foi considerado pelo governo; foi redigido um segundo, que apoiou as conclusões do primeiro; houve então uma intervenção direta da presidência do órgão, vinculada a Alckmin, que providenciou um terceiro parecer, este favorável ao projeto.

Enquanto prepara-se para atacar mortalmente o Itapanhaú, a SABESP, segundo dados do Instituto Trata Brasil desperdiça em torno de 36% da água distribuída na região da Grande São Paulo em função da má manutenção da rede, o que significa algo em torno de 1,26 bilhão de litros por dia (contra os 216 milhões de litros que pretende retirar do rio).

O GAEMA (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente), do Ministério Público do Estado de São Paulo, questionou a isenção e a qualidade dos EIA/RIMA (Estudos de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) e obteve uma liminar suspendendo a obra –a liminar foi cassada pelo conservador Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em Audiências Públicas, especialistas e cidadãos bertioguenses colocaram-se veementemente contra a transposição do rio, questionando sobre a qualidade e a abrangência dos impactos ambientais, mas não foram ouvidos.

A CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), em tese responsável pelo meio ambiente no Estado, atua como braço do Palácio dos Bandeirantes: aprovou a licença prévia da obra e está na iminência de liberar a Licença de Instalação, o que permitirá que seja iniciada sem os estudos adequados.

Se a dobradinha Sabesp/Alckmin vencer, em alguns anos o rio e todo o santuário que representa Bertioga poderão ser destruídos. Mas para Alckmin e os atuais dirigentes da Sabesp isso não importa: até lá, nem ele será governador nem os líderes da Sabes estarão na empresa. Para eles, vale a lógica de curtíssimo prazo das empresas de capital aberto, para as quais a vida se resume a lucro nos balancos trimestrais.

só o rio

Modelos de desenvolvimento – o ataque ao Itapanhaú está levando a uma mobilização e união política inéditas em Bertioga. Até o prefeito Caio Matheus, do PSDB, aderiu aos protestos. Mas a união conquistada agora não esconde a luta por distintos projetos de desenvolvimento e de visão de relacionamento com o planeta e as pessoas.

A elite local, que controla a vida política no município, atua em sintonia com os interesses das empresas de construção civil que, de fato, controlam o poder na cidade. Elas opõem-se à condição de verdadeiro santuário ecológico de Bertioga e desejam derrubar a mata para construir mais e mais condomínios de luxo –o empreendimento mais conhecido é a Riviera de São Lourenço.

É o modelo de desenvolvimento capitalista predatório que marca o país, na definição de frei Gilvander Moreira e que caracteriza o projeto das elites para Bertioga: “oásis de muito luxo, rodeados por povos empurrados para as periferias ocupadas, onde está a força de trabalho que constrói a cidade – a força de trabalho dos pobres é querida e necessária -, mas, discriminados e criminalizados, têm a dignidade humana violentada. Salvo raras exceções, não temos cidades justas e ecológicas, mas cidades com desigualdades sócio-territoriais, onde 46% do povo constroem suas casas em regime de autoconstrução de forma improvisada e como joão-de-barro, um pouco a cada semana”.

O resultado deste modelo pode ser sentido nos indicadores e, sobretudo, no dia a dia da população pobre de Bertioga, hoje composta em sua maioria de migrantes que chegaram do Nordeste para construir condomínios que, depois de prontos, empregam-nos e a suas famílias como porteiros, faxineiras, jardineiros… Os ricos moram nos condomínios de luxo, os pobres foram em sua maioria empurrados para ocupações na beiradas das áreas protegidas (ou, em alguns casos, invasões nas próprias áreas) sem saneamento básico  e mínimas condições de infraestrutura. Não é por outro motivo que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Bertioga (0,73 em 2010) relega o município à 388ª posição dentre os demais 645 municípios de São Paulo.

O projeto de transposição do Itapanhaú e o modelo de desenvolvimento das elites da cidade pretendem liquidar com a grande riqueza de Bertioga, o fato de ser um verdadeiro santuário ecológico. “Se olharmos para o futuro, o que terá valor, num planeta cada vez mais ameaçado: regiões devastadas ou aquelas que conseguirem preservar a natureza?”, questiona o ambientalista Cadu de Castro, morador da cidade e um dos líderes do Movimento Salvem o Itapanhaú.

A disputa em torno do novo Plano Diretor da Cidade é simbólica: embargado no Judiciário pelos ambientalistas, previa a possibilidade de construção de torres de até 30 andares à beira-mar, mudando completamente o perfil da cidade e aprofundando o ciclo “oásis de luxo/bolsões de miserabilidade”. O desafio para o futuro será o de aproveitar o potencial de um município com 90% de seu território protegido para um modelo de turismo ecológico que pode atrair pessoas de todo o Brasil e do mundo, gerando empregos com maior renda e mudando o perfil sócio-econômico da cidade –como de resto, um modelo bem sucedido em um sem-número de países e regiões do mundo.

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[1] GAIA, Consultoria e Gestão Ambiental, Caracterização do território e indicadores socioeconômicos para a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentado de Bertioga. São Paulo: dezembro de 2014, acesso em 22 de janeiro de 2018: http://www.bertioga.sp.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/Diagnostico-Gaia.pdf

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