Varoufakis: Trump topará na muralha da China
Planos do futuro presidente são contraditórios e escondem um provável desafio a Pequim. Mas os chineses resistirão. A dúvida é: estarão também dispostos a dar um grande salto e criar, em torno dos BRICS, uma ordem alternativa à do dólar?
Publicado 16/01/2025 às 17:52 - Atualizado 16/01/2025 às 18:11
Por Yanis Varoufakis. Tradução: Antonio Martins e Glauco Faria
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Texto transcrito a partir de vídeo postado por Yanis Varoufakis em seu site. Pode ser acessado aqui.
Donald Trump quer impulsionar as exportações de seu país, trazer empregos de volta para os Estados Unidos e reduzir o déficit comercial norte-americano. Para isso, ele precisa de um dólar mais fraco. Mas, ao mesmo tempo, ele quer um dólar forte, e não tolerará qualquer discussão sobre o fim do privilégio exorbitante da supremacia do dólar americano nas transações internacionais.
Trump pode ter ambos? Seu primeiro problema é que introduzir tarifas sobre produtos importados, projeto que anunciou com alarde, e no qual investiu muito capital político, provavelmente aumentará o valor do dólar.
Por quê? Principalmente porque toda vez que há incerteza global, devido a um problema que emana dos Estados Unidos — seja a crise de 2008 ou qualquer outra –, há, paradoxalmente, uma corrida de dinheiro estrangeiro para os Estados Unidos, elevando o valor do dólar.
Se as tarifas de Trump criarem incerteza global, o resultado provável será um aumento no valor do dólar. E esse é o seu primeiro problema. O resultado será que, mesmo que as importações inicialmente diminuam como resultado das tarifas elevadas, a entrada de capital nos Estados Unidos impulsionará o valor do dólar. Isso anulará quaisquer efeitos que as tarifas tenham tido, na limitação das importações e no aumento das exportações americanas.
O segundo problema de Donald Trump é que, se ele levar adiante suas propostas de grandes cortes de impostos, especialmente para corporações e oligarcas extremamente ricos dos Estados Unidos, isso também atrairá capital estrangeiro para seu país. E o que este movimento fará? Aumentará o valor do dólar e, assim, ampliará o abismo entre a poupança e o investimento norte-americanos — o investimento é muito maior do que a poupança – o que é uma das causas fundamentais do déficit comercial dos EUA.
O terceiro problema de Trump é o privilégio exorbitante do dólar. É a razão pela qual, sempre que há uma crise (especialmente quando se origina nos Estados Unidos), o dólar sobe e o déficit comercial dos EUA piora, especialmente durante períodos de redução da demanda e empregos nos Estados Unidos.
Portanto, se Donald Trump realmente quisesse reduzir o déficit comercial norte-americano, ele teria que acabar com o privilégio exorbitante do dólar. Mas, é claro, ele nunca permitirá isso, porque seus melhores amigos, sua tribo, são os rentistas e os financistas – que ficariam horrorizados se os Estados Unidos perdessem o privilégio exorbitante do dólar. É altamente improvável que Donald Trump queira ser o primeiro presidente norte-americano, desde a Segunda Guerra Mundial, a perder o poder hegemônico dos Estados Unidos, ao abrir mão do privilégio exorbitante do dólar.
Alguns argumentam – e acredito que têm razão, ao menos em parte – que talvez o que ele esteja tentando fazer é ameaçar o mundo, a China e a União Europeia em particular, com tarifas muito altas. O objetivo real seria chegar a um acordo que os leve a aceitar uma desvalorização do yuan, do euro e de outras moedas concorrentes, para que os Estados Unidos possam ver suas exportações aumentarem e as importações diminuírem.
Em outras palavras, fazer um acordo. Algo semelhante ao que Ronald Reagan fez em 1985. Os infames Acordos da Plaza supostamente foram uma reunião multilateral entre europeus, norte-americanos, canadenses, australianos. Na realidade, representaram um ultimato de Washington a Tóquio. Apreciem fortemente o iene! Caso contrário, vamos impor grandes tarifas sobre as exportações japonesas. Os japoneses cederam. Aceitar os Acordos de Plaza foi razão pela qual as enormes taxas de crescimento econômico vividas pelo Japão entre 1950 e 1985 despencaram, e por que o país perdeu seu vigor edinamismo.
É provável que a China aceite um novo Acordo da Plaza? Eu atribuo probabilidade zero a essa hipótese. A China não é o Japão.
O Japão era um país ocupado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos escreveram sua Constituição. Ainda há dezenas de milhares de soldados norte-americanos ocupando Okinawa. A China, volto a repetir, não é o Japão. É altamente improvável que aceitem isso, especialmente em um momento em que a conta de capital do país, do ponto de vista econômico, recomendaria uma desvalorização do yuan.
Os chineses nunca aceitarão uma grande valorização de suamoeda, que faça a diferença para o déficit comercial dos Estados Unidos, da maneira que Donald Trump gostaria. Contar com isso é atirar pedras à Lua.
Não há novos Acordos da Plaza entre os Estados Unidos e Pequim no horizonte, agora. Nesse sentido, parece muito improvável que Donald Trump consiga alcançar seus dois objetivos ao mesmo tempo: reduzir o déficit comercial dos EUA e manter o privilégio exorbitante do dólar.
A grande questão, no entanto, para 2025 e além, diz respeito ao dilema da China. Pequim decidirá manter-se estática, ganhando tempo até que as contradições internas dos Estados Unidos – o dilema de Trump – se desenrolem?
Ou Pequim fará a escolha, que ainda não fez? O governo chinês ainda não tomou uma decisão, e penso que fará isso em algum momento: tomar a decisão de converter a área dos BRICS em uma nova versão de Bretton Woods.
Assim como Bretton Woods tinha em seu centro o dólar norte-americano, a área dos BRICS teria o yuan como moeda central, com taxas de câmbio mais ou menos fixas entre o a moeda chinesa, a rúpia indiana e outras, e com o objetivo de reciclar os superávits da China dentro da área dos BRICS. Este seria o maior e mais letal perigo para o privilégio exorbitante do dólar.
Essa ainda não é uma decisão tomada. Em 2025 ou nos anos seguintes, penso que saberemos a resposta. Até lá, fiquem bem.