Pequenas empresas: caminhos ao comércio justo

E se, em vez de tentar reproduzir lógicas corporativas, microempresas apostassem na Economia Solidária? Junto a cooperativas, podem gerar empregos e desenvolvimento local – e somar forças para exigir políticas públicas ao setor

Imagem: Alice Bracchi
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A cada dia fica mais claro para o conjunto da sociedade brasileira que o modelo de desenvolvimento predominante não favorece a redução da pobreza e a diminuição das desigualdades sociais, não fomenta a criação de postos de trabalho decente e tampouco respeita os sistemas naturais.

A cartelização, centralização e oligopolização das atividades econômicas por alguns poucos grupos empresariais perpassam as cadeias produtivas, do suprimento à distribuição; estão nas operações bancárias e na concessão do crédito, privilegiando os que dispõem de mais recursos; cerceiam o acesso à inovação e tecnologia e a divulgação de informações; e os grandes conglomerados de mídia inferem cotidianamente na formação da opinião pública.

Este conjunto de interferências conduz inevitavelmente a uma maior concentração da riqueza e do poder em nosso país, resultando em enorme disparidade social entre os que muito acumulam e ditam as regras e aqueles que pouco ou nada têm, sobrevivendo de teimosos como reza a literatura popular.

Para enfrentar as questões decorrentes deste modelo socialmente injusto e excludente, alternativas endógenas, locais e regionais, de cooperação entre instituições, organizações, grupos e coletivos têm apresentado resultados no caminho da construção de novos modelos de desenvolvimento socioambientalmente solidários, sustentáveis e duradouros.

As diversas formas de empreendedorismo, sobre as quais dialogamos em artigos anteriores, estão intrinsecamente relacionadas ao advento das chamadas novas economias (circular, social, negócios sociais, cultural) e em especial à economia solidária, embora por muitas vezes o empreendedorismo se encare como iniciativas individuais.

Na realidade, os pequenos empreendimentos usualmente agregam pessoas da família, da vizinhança, do bairro, promovendo trabalho e renda no território local. No entanto, por falta de apoio financeiro, de capacitação, de reserva de mercado e de salvaguardas fiscais, grande parte dos micro e pequenos negócios fecha suas portas em pouco tempo.

Precisamos, pois, aprofundar a reflexão sobre as similaridades entre as micro e pequenas empresas e os negócios da economia solidaria (cooperativas, associações de produtos, mercados de compra e venda etc.) para que conceitos e práticas fundamentadas na autogestão, autonomia, democracia, gestão participativa, solidariedade, cooperação, permeiem também este setor, avançando rumo ao comércio justo e à produção responsável.

A partir do consenso de que todas as chamadas novas economias dialogam entre si e que o conceito liberal de empreendedorismo vai de encontro à precarização do trabalho, emerge a necessidade de formular políticas públicas inovadoras e robustas, embasadas nas experiências exitosas já existentes no país – fruto da iniciativa de movimentos sociais urbanos e rurais, gestores públicos e instituições comprometidos com o tema – e dar-lhes escala e capilaridade.

É evidente a demanda dos MEIs, das micro e pequenas empresas, das startups de tecnologia, dos veículos de comunicação independentes, das cooperativas e das associações pela disseminação e articulação de práticas empreendedoras com efetivo acesso à assistência técnica, inovação e tecnologia, financiamento e mercado.

Outro ponto de convergência é a necessidade de aprofundar o debate/diálogo, buscando a valorização, apoio e o desenvolvimento de redes produtivas e de comercialização que agreguem empreendimentos da “nova economia” e instituições de apoio e fomento.

As Universidades Públicas podem, em um governo progressista, serem conclamadas a conectar seus graduandos, mestrandos e doutorandos à pesquisa de novas tecnologias que sejam acessíveis a esses segmentos, assim como prover consultoria e assessoria a eles.

O apoio à formação e disseminação de redes de produção e distribuição, de serviços e/ou de produtos entre micro, pequenas e médias empresas que estejam embasadas em princípios de trabalho digno e não precarizado, de caráter local ou regional é essencial para construção da economia que queremos.

A criação de bancos de dados municipais, estaduais e federal contendo a listagem das micro, pequenas e medias empresas, formas de acesso a elas, e os produtos e serviços que oferecem, a fim de estimular a criação de arranjos produtivos e distributivos locais e regionais é uma das formas de contribuir com este processo.

Para nos contrapor ao estímulo incessante da mídia ao consumo dos produtos e serviços das grandes corporações podem e devem ser elaboradas campanhas educativas e informativas sobre os benefícios de comprar de micro/pequenas ou dos arranjos produtivos locais como forma de manutenção do emprego/trabalho e de melhoria na distribuição de renda na região.

Também as escolas públicas podem, a exemplo de outros países, promover cursos de empreendedorismo coletivo e contribuir para desmistificar a ideia vigente de que os produtos micro e pequenos negócios, assim como de cooperativas e associações são mais caros e de menor qualidade.

Dar escala a entrepostos de venda direta de pequenos produtores rurais; fomentar e apoiar meios de comunicação (TVs e rádios comunitárias, sites, blogs e páginas nas mídias sociais) voltados a promoção de serviços e vendas na própria comunidade, além da divulgação da cultura local, são formas de construir uma cultura que compreenda o valor e a importância desses segmentos como promotores da criação de bons empregos e da melhoria da renda da população.

O diálogo e a reflexão conjunta dos MEIs, das micro e pequenas empresas, dos empreendimentos da economia solidaria e criativa buscam não apenas apontar caminhos mais suaves e fluidos para os empreendedores destes segmentos, mas também favorecer a promoção do desenvolvimento sustentável, justo e equitativo para toda a população de nosso país.

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