Patentes matam: manifesto pelo conhecimento comum

Produção de saberes científicos na Saúde está atrelada ao lucro — enquanto milhões morrem por desassistência. Com a pandemia, fica claro que é necessária profunda mudança política. Pesquisas, vacinas e remédios devem ser bens comuns

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Iniciativa da BUKO Pharma-Kampagne e da Medico Internacional (Alemanha), Outras Palavras (Brasil), Movimento pela Saúde do Povo e Sociedade pelo Desenvolvimento Internacional

Nós, os abaixo-assinados, reivindicamos de nossos governos políticas que tratem os produtos farmacêuticos com bens públicos globais, e que limitem o poder das corporações farmacêuticas, em favor do interesse público; políticas que estejam em sintonia com as necessidades de Saúde da população

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As patentes matam – Remédios para todos!

O mundo tornou-se um paciente. O novo coronavírus é um enigma médico global que os governos, as corporações farmacêuticas e as organizações internacionais estão tentando decifrar em unidade raramente vista antes. O nível de troca entre fronteiras de dados, métodos de pesquisa e comprovações destaca o papel crucial desempenhado pelas comunidades transnacionais de cientistas* e especialistas*. Com o desenvolvimento e os testes clínicos de vacinas, muitos esperam que o vírus será contido, bastando resolver questões de logística.

Infelizmente, não é tão simples. Porque a história de todas as epidemias é também uma história de interação entre conhecimento, poder e política. Alguns governos subestimam o perigo do vírus, colocando em risco milhares de vidas. Mas além disso, para serem capazes de conter a covid-19 com sucesso, os Estados precisam primeiro criar as condições de tornar os resultados das pesquisas científicas transparentes e acessíveis e considerar o conhecimento médico, inclusive as opções de tratamento, um bem comum da humanidade. Isso é necessário para chegar a uma vacina mais rapidamente e para garantir sua distribuição equitativa.

Após a introdução, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), do regime de monopólio do acordo TRIPS para o manejo da propriedade intelectual, há 25 anos, o sistema global de patentes atrelou a produção de conhecimento no setor de Saúde aos lucros e ao retorno dos investimentos. Eles tornaram-se muito mais importantes que a pesquisa, desenvolvimento e distribuição dos medicamentos necessários – especialmente quando as populações não podem pagar por eles. Sistemas de saúde desiguais continuam a excluir muitas comunidades vulneráveis devido a sua renda ou seu passado. Estas restrições há muito já não se dão apenas em escala local. As áreas excluídas vão dos campos de refugiados a periferias urbanas e a países inteiros.

Uma injustiça global que vai além do coronavírus: Apesar do rápido progresso médico e da existência de medicamentos que oferecem cura ou tratamento, milhões de pessoas morrem todos os dias no mundo de doenças como a tuberculose, a diabete e a AIDS. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um terço de todos os pacientes*, em todo o mundo, não têm acesso a remédios devido aos alto preços e a outras barreiras estruturais.

Além disso, apenas uma pequena parcela da pesquisa em Saúde está relacionada com problemas da população globalmente marginalizada. A indústria farmacêutica pesquisa e desenvolve principalmente drogas que possam gerar lucros. E o modelo de patentes assegura que mesmo os medicamentos desenvolvidos com recursos públicos são oferecidos a preços muito altos. É uma forma de privatização que ignora o fato de que um novo mecanismo de pesquisa e desenvolvimento (P+D), público, seria muito mais eficaz economicamente que o refinanciamento de P+D por meio de patentes e preços altos. Mudanças cosméticas neste sistema, como a redução de preços das drogas contra o HIV/AIDS, exigiram anos de protesto público e ativismo internacional. Ainda assim, novas barreiras ao acesso surgiram quando ações médicas de última geração tornaram-se necessárias.

Além disso, o sistema de patentes cria barreiras à própria pesquisa, ao bloquear cada vez mais o acesso aos próprios métodos e ferramentas de pesquisa. Este sistema tornou-se, assim, um dos grandes obstáculos à produção de drogas necessárias à preservação da vida das populações. Superá-lo é uma antecipação possível de um futuro em que os serviços sociais essenciais não mais estarão sujeitos a princípios de lucro e mercado.

Agora – em meio a uma pandemia – chegou o momento de fazer esta mudança política fundamental. A difusão do coronavírus mostra que a política de Saúde é uma tarefa global que os governos precisam assumir com senso de responsabilidade, em favor do interesse público. Ela deve ser orientada por princípios de Direitos Humanos – considerando que a necessidade de salvar vidas é uma estratégia-chave para um contrato social saudável entre os governos e as sociedades.

Nós, os abaixo-assinados, reivindicamos de nossos governos que as necessidades de Saúde das populações superem interesses de lucros; que os medicamentos sejam vistos como bens comuns globais; e que o poder das corporações farmacêuticas seja controlado. Elementos indispensáveis para tanto são o desatrelamento entre os custos de pesquisa e os preços dos remédios, e a transparência do conhecimento médico.

As bases para isso devem ser asseguradas por um acordo internacional a ser negociado sob os auspícios da OMS para o financiamento obrigatório e coordenado da pesquisa e desenvolvimento para medicamentos, diagnósticos e vacinas essenciais.

As seguintes medidas concretas precisam ser tomadas:

* Exigência de Licenciamento Igualitário para todos os projetos de pesquisa e desenvolvimento financiados com recursos públicos, de modo a assegurar a propriedade pública dos resultados.

* Um Acervo Público Global de Patentes, baseado na OMS, para a produção de conhecimento em Saúde, de modo a permitir um manejo mais fácil e acessível dos acordos de licenciamento.

* Apoio à produção local de medicamentos, sob responsabilidade pública, em países que ainda não têm capacidade de produção (por meio de transferências de tecnologia e capacidade regulatória crescente).

* Criação de sistemas regionais eficientes de distribuição de medicamentos e de todos os produtos médicos necessários para assegurar que os preços sejam acessíveis e não orientados para o lucro máximo.

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2 comentários para "Patentes matam: manifesto pelo conhecimento comum"

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