Dia Mundial da Água: há o que comemorar?
Desde 2016, Brasil enfrenta intenso processo de privatização do saneamento. Hoje, três empresas controlam quase todo o setor. Até a conquista da Tarifa Social enfrenta retrocessos. Data precisa inspirar um chamado para a garantia da universalização do bem essencial
Publicado 21/03/2025 às 18:41 - Atualizado 21/03/2025 às 18:44

Neste dia 22 de março, Dia Mundial da Água, não temos nada a comemorar. Muito pelo contrário, o Brasil vem enfrentando um intenso processo de privatizações de suas empresas de saneamento, processo que se iniciou no ano de 2016 e se aprofundou no governo Bolsonaro.
Como consequência, assistimos à piora na qualidade dos serviços, ao aumento abusivo de tarifas e à exclusão das pessoas mais pobres que vivem nas comunidades, nos morros, nas áreas rurais e nos quilombos.
Vem se consolidando um processo de financeirização e oligopolização da prestação dos serviços. Hoje, três empresas controlam quase todo o setor onde houve privatização, jogando por terra o argumento daqueles que defendiam a “abertura do setor para ter mais competitividade”.
Além disso, vem se intensificando as demissões em massa de trabalhadores, tudo com vistas a reduzir custos e garantir maiores lucros e altos salários para os dirigentes das empresas.
Por sua vez, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que deveria cumprir um papel de indutor do desenvolvimento social e econômico e ajudar a fortalecer as empresas públicas de saneamento, vem servindo aos interesses do setor privado, modelando, incentivando e financiando as privatizações.
A outorga onerosa, instrumento pelo qual “quem paga mais pelo serviço leva”, tem se transformado em uma forma de captação de recursos por parte de governantes estaduais e municipais — dinheiro fácil que não é investido em saneamento.
Os usuários dos serviços tiveram, recentemente, uma importante conquista com a aprovação da Lei 14.898/2024, que institui as diretrizes para a Tarifa Social de Água e Esgoto em âmbito nacional. Essa lei garante às pessoas mais pobres, em situação de vulnerabilidade, o direito à tarifa social, desde que estejam inscritas no CadÚnico, recebam até meio salário mínimo ou sejam beneficiárias do BPC (Benefício de Prestação Continuada). No entanto, temos acompanhado resistências por parte de alguns prestadores e de algumas agências reguladoras, que não se empenham em garantir esse direito.
Vivemos um período em que as mudanças climáticas impactarão diretamente o setor de saneamento básico. Em relação à disponibilidade, estamos sujeitos à escassez, o que leva à competição pelo controle da água por aqueles que fazem uso intensivo, seja o agronegócio ou o setor industrial. A qualidade pode ser comprometida por causa da superexploração das águas superficiais e subterrâneas e do aumento de agentes poluidores. Eventos extremos, como os que acompanhamos no Rio Grande do Sul, destroem infraestruturas e deixam milhares de pessoas sem água. Além disso, as condições de pagamento são afetadas na medida em que aumenta a disputa pela água.
Apesar desse cenário preocupante, quando analisamos os contratos de privatização, não encontramos instrumentos de políticas de resiliência que contemplem estratégias para promover a adaptação e a gestão sustentável dos recursos hídricos. Não há previsões de fortalecimento e priorização do planejamento e da governança, nem planos de mitigação que considerem riscos climáticos e estabeleçam metas e ações dirigidas. Mecanismos de participação e controle social são ignorados, e não há previsão de envolvimento da sociedade em consultas públicas para contribuir com sugestões e ideias. Ações que poderiam contribuir para uma atuação mais resiliente e sustentável no enfrentamento dos desafios climáticos são simplesmente ignoradas.
Por tudo isso, concluímos que realmente não há o que comemorar. Fazemos um chamamento para que todas e todos, comprometidas e comprometidos com a defesa do saneamento público e com a garantia da universalização do acesso, se unam e se mobilizem para exigir mudanças nas políticas públicas que enfraquecem os prestadores públicos e fortalecem os agentes de mercado, transformando a água em mercadoria.
As urbanitárias e os urbanitários de todo o Brasil seguem organizados e mobilizados, em constante aliança com os movimentos sociais e populares, na incansável luta pelo fortalecimento do papel do Estado na perspectiva de alcançar serviços públicos de qualidade para todo o povo brasileiro.
Seguimos reafirmando: Água é Direito, não Mercadoria!