Lochte, o vilão? Ora, o Brasil tem os próprios mentirosos

lochte

Disputa narrativa durante as Olimpíadas ganhou uma unanimidade; em pleno Golpe do Pato, nadador americano rouba a cena dos que dilaceram há meses nossa democracia

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Cê ta pensando que eu sou Lochte, bicho..

Sou malandro velho, não tenho nada com isso

(Arnaldo Baptista, “Lóki?”, revisitado)

E eis que o nadador americano Ryan Lochte alcança a unanimidade. Nem a judoca brasileira medalhista (Rafaela Silva), nem o francês vice-campeão do salto em altura (Renaud Lavillenie) – ninguém a obtivera. Nem Usain Bolt. Nem Galvão Bueno. Em plenas Olimpíadas, o espetáculo esportivo de mitificações e demonizações tem agora um vilão para chamar de seu. Da mídia brasileira à mídia americana, que o apelidou de “americano feio”.

Mas quem tem medo de Ryan Lochte? Sua traquinagem um tanto limítrofe (apesar dos 32 anos nas costas largas) foi descoberta pela polícia brasileira, ótimo. E? E o que mesmo? Sim, não somos patetas. E temos uma história folclórica, que logo será esquecida. Mesmo assim, ela ganhou um destaque estratosférico, roubando a cena de Simones e Phelps, Neymares e velas, das torcidas pouco fleumáticas e da mais nova higienização promovida pelo poder público no Rio.

Estamos no país em que Malufs e Cunhas juram que não têm conta no exterior. E pouca gente com algum tipo de poder (político, econômico, religioso) estranha que eles não estejam engaiolados. Quem precisa da Interpol se temos uns petistas presos e os demônios agora vestidos com maiôs de natação, não é mesmo? Lochte e Los Três Amigos encaixaram-se perfeitamente na narrativa possível. Já temos o bode na sala – ou o boi de piranha, nadando numa água verde.

E podemos simular que retornamos à normalidade. Ou que temos uma normalidade. Ou que temos uma normalidade institucional. No país em que um desenergizado golpista tomou de assalto o poder, aliado ao que há de pior no inglório mundo cambista do Congresso. Arremessando a democracia ao longe – enquanto cínicos de diversas siglas (inclusive siglas golpeadas) fazem de conta que uma presidente eleita deixou o poder por causa de pedaladas fiscais.

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Os bisnetos de Locke (um certo John, QI inversamente proporcional ao de Lochte) refestelam-se em suas histórias da carochinha, como se liberais fossem, como se um liberalismo vivêssemos, como se não estivéssemos assistindo a um saque da coisa pública, ao velho formato da privatização do que é público e da socialização dos prejuízos. Como se não estivéssemos vivendo um golpe, o golpe do pato – um pato nadando numa piscina assinada por Ryan Lochte.

E agora, John? A iniquidade é uma arma quente. Assim como a dissimulação. E não podemos nos esquecer de que a vivemos, de que estamos vivendo esse mundo insone – essa democracia dilacerada – sem trégua, sem qualquer outro doping que não aquele oferecido por uma imprensa pinoquista. Estão pensando que somos “loki”, como diria Arnaldo Baptista. E quase nos convencendo disso. Mas somos malandros velhos, ainda que reticentes em relação a nos metermos no enguiço.

PS: “A demonização de pobres coitados é o ópio do povo”. Mas isso quem disse não foi John. Bem, não exatamente isso. Foi Karl. (Quem, Carl Lewis?)

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