O sumiço da cientista que denunciou o “vírus chinês”

Em 2020, fundações ligadas a Steve Bannon tiraram Li Meng-Yan da China para usá-la em sua guerra cultural. Qual o paradeiro dela hoje?

White Plains, New York:FEBRUARY 11: A portrait of Dr. Li-Meng Yan in White Plains, NY on Feb. 11, 2021. Dr. Yan published a paper in September claiming China had created the deadly coronavirus in a bioweapons lab which has now been declared “Misleading and Unethical”.
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Em abril de 2020, numa das fases mais assustadoras de covid-19, uma história originada nas mídias de ultradireita norte-americanas correu mundo. Sustenance que o coronavírus era uma construção chinesa. Havia sido criado de forma deliberada em laboratórios e depois levado ao Ocidente para provocar caos sanitário. Era pouco verossímil. Naquele momento, a China era, ela própria, a principal vítima da pandemia. As TVs exibiam os imensos hospitais de campanha construídos para tentar enfrentá-la. Ainda assim, em meio a uma onda de fake news e terraplanismo, a invenção teve alguma repercussão.

O New York Times publicou nesta terça-feira (9) vasta reportagem que ajuda a entender como a mentira foi arquitetada. A parte do quebra-cabeças agora revelada é a cabulosa história da cientista chinesa Li Meng-Yan, que – mais de cinco anos depois – permanece oculta nos EUA. O jornal, que desenrolou o fio da história, conta que ela foi estimulada e financiada para fugir de seu país. Uma vez nos EUA, passou a difundir, sob patrocínio de fundações ligadas a Steve Bannon, a ideia da conspiração de Pequim, que foi, à época, central no discurso do próprio Trump sobre a pandemia.

Li Meng-Yan tornou-se, no primeiro mandato de Trump, estrela nos programas da mídia negacionista e de ultradireita. Tornou-se estrela na Fox News e, em especial, no programa de Tucker Carlson. O próprio Bannon reconheceu, à época: “Todo o arco da história e a contranarrativa que estabelecemos sobre a covid, uma enorme parte dela, deveu-se à dra. Yan”. A pesquisadora chegou a publicar na internet, sem revisão por pares, um paper a respeito de sua “teoria”, rapidamente desqualificado por toda a comunidade científica. 

À sua procura, o marido, o epidemiologista Ranawaga Perera, nascido no Sri Lanka e que morava com Li Meng-Yan em Hong Kong, empregou-se na Universidade da Pennsylvania. Tem lançado mão uma infinidade de artifícios para tentar localizá-la. É inútil. Sua esposa permanece escondida. O jornal conseguiu encontrá-la e a entrevistou à distância. Ela diz que teme ser processada e condenada na China – uma hipótese absurda, já que permanece em território norte-americano. Seus pais, também ouvidos pelo jornal, têm uma percepção diferente. Eles creem que Li Meng-Yan está sendo retida por aqueles que estimularam sua fuga e a manipularam. 

A reportagem, que reconstitui em detalhes o caso, além de traçar a trajetória acadêmica e o perfil psicológico de Li Meng-Yan e de seu marido, e de ouvir seus pais, pode ser lida aqui.

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