Pós-Bolsonaro: quais os rumos da direita?
Prisão de Bolsonaro obriga governadores a reavaliar planos, embaralha pré-candidaturas e aciona o instinto de sobrevivência da base parlamentar bolsonarista. Oposição terá mais a ganhar se afastando ou pintando o ex-presidente de mártir?
Publicado 24/11/2025 às 18:47 - Atualizado 24/11/2025 às 18:48

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL) no final de semana deixou o horizonte do campo da direita/extrema direita ainda mais nebuloso. Se o ex-presidente já vinha perdendo centralidade no debate público, com o esfriamento da pauta da anistia no Legislativo, agora uma eventual união a seu nome ou contar com seu apoio pode ser uma vinculação tóxica que impediria uma vitória de um aliado em um eventual segundo turno das eleições presidenciais, prejudicando também candidatos em disputas acirradas a governo do estado e mesmo ao Senado.
Os governadores que pleiteiam um lugar na corrida pelo Planalto, Ratinho Jr. (PR), Romeu Zema (MG), Ronaldo Caiado (GO) e Tarcísio de Freitas (SP) publicaram, em suas redes sociais, mensagens de solidariedade a Bolsonaro na manhã do sábado (22), depois de anunciada a sua prisão. Contudo, após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ter levantado o sigilo de um vídeo no qual aparece a tornozeleira danificada, com a voz do ex-presidente admitindo ter usado um ferro de solda para violar o aparelho, nenhum deles postou qualquer mensagem sobre o assunto até o início da tarde desta segunda-feira (24).
Com bom trânsito na mídia tradicional, Tarcísio fez uso dela para que fosse divulgada uma versão de um suposto esforço seu junto a interlocutores no STF para que a preventiva fosse transformada novamente em domiciliar. Trata-se da reiterada tentativa do governador paulista de manter a imagem de moderação a possíveis eleitores menos radicais, ao mesmo tempo em que corteja o bolsonarismo em sua versão mais obtusa, uma massa essencial para alavancar sua candidatura presidencial. Contudo, após seus ataques a Moraes em um não muito distante 7 de setembro, é pouco crível que qualquer tentativa sua em relação à Corte lograsse êxito.
Embora alguns acreditem que o nome de Tarcísio ganhe força com a prisão do ex-mandatário, já que a convocação de uma “vigília” por parte do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos fatores mencionados na decretação da prisão preventiva como uma de suas justificativas, prejudicaria as pretensões presidenciais do parlamentar, o fato é que o lançamento de um possível candidato à presidência com o sobrenome da família praticamente inviabilizaria o pleito do governador paulista. Ele mesmo já reiterou que não concorreria sem o aval de seu ex-chefe, que o lançou à política. A pecha de “traidor” é mortal para carreiras políticas e o exemplo de figuras egressas do movimento bolsonarista mostra o destino pouco glorioso de alguns “arrependidos”.
Na sexta-feira (21), às vésperas da prisão do pai, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) voltou a colocar o governador de São Paulo sob uma espécie de tutela do ex-presidente, em entrevista concedida ao site Jota. “Tem muita gente que não é de São Paulo e não conhece o Tarcísio. Ele tem seus méritos e tem seus defeitos. Mas eu acho que não seria natural a candidatura dele, porque ele é uma pessoa muito forte em São Paulo e tem uma reeleição para governador garantida”, disse o parlamentar. “Ele não tem essa ânsia de se tornar presidente. Mas Tarcísio depende do apoio de Jair Bolsonaro, porque ainda não se fez uma liderança nacional.”
Preso e desmoralizado pela tentativa grotesca de danificar a tornozeleira, Bolsonaro estaria obrigado a lançar alguém da sua família para preservar o seu capital político que míngua cada vez mais, vide a presença de apoiadores nas manifestações do segmento. Neste cenário, é provável que Tarcísio não concorra, mas a arena se abre para os outros postulantes da direita que já não contavam com o aval do ex-presidente.
“Prévias” da direita
Assim, com o lançamento de um Bolsonaro para a disputa do Planalto, o cenário poderia ter três ou quatro candidatos deste campo com algum grau de competitividade. É nisso que acredita, por exemplo, o cientista político Antonio Lavareda, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Nas eleições do país andino, foram quatro candidaturas gravitando entre a direita e a extrema direita, com José Antonio Kast indo para o segundo turno e se tornando o favorito para derrotar a primeira colocada, a comunista Jeannette Jara, por agregar a maioria dos votos contrários ao governo de Gabriel Boric e à esquerda em geral.
Mas se no Chile o atual governo tem baixa popularidade, prejudicando sua presidenciável, no Brasil é o bolsonarismo que carrega a maior rejeição. Em pesquisa divulgada em 18 de setembro, a Quaest mostrava que o nome do ex-presidente era rejeitado por 64% dos entrevistados, o que traz uma outra realidade dura para os postulantes da direita: qualquer relação com o ex-presidente teria o poder de macular candidaturas para quase dois terços do eleitorado. O percentual, inclusive, pode ser ainda pior com a repercussão do constrangedor episódio da tornozeleira.
“A direita já se organizou para uma disputa sem aval de Bolsonaro”, pontua ao Valor o diretor da Quaest, Felipe Nunes. “Um embate do bolsonarismo com terceiras vias frágeis tende a repetir a polarização de 2022, mas aí abrindo espaço para uma vitória de Lula no primeiro turno, em função da alta rejeição”, avalia.
Mudança de estratégia
Diante da prisão do ex-presidente, sua base na política institucional também pode mudar sua estratégia. No Parlamento, o vice-presidente da Câmara, deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), disse que a confirmação da preventiva pela Primeira Turma do STF terá impacto no andamento dos trabalhos do Legislativo, mas não disse qual. Além de uma eventual retomada da pressão para desengavetar o projeto de lei da anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro, que teria possibilidade de se estender a Bolsonaro, provavelmente a base parlamentar extremista ainda não sabe o que fazer.
Ao que parece, pelo menos já sabe o que não fazer. O deputado federal Zé Trovão (PL-SC) publicou um vídeo em suas redes sociais no sábado convocando caminhoneiros, motoboys e representantes do agronegócio para irem às ruas protestar contra a prisão. Contudo, segundo matéria do Uol, foi orientado a apagar para não ter problemas judiciais.
A mesma reportagem aponta que uma eventual obstrução na Câmara dos Deputados é considerada inútil por deputados do PL, já que não haveria número suficiente para brecar os trabalhos na Casa. E voltar à tática de ocupação das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado também seria uma hipótese descartada, pois a perspectiva de punição, em especial por parte do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), seria alta, ainda mais levando-se em conta que sua imagem saiu arranhada do episódio anterior.
Além de evitar um enfrentamento com o Poder Judiciário, os parlamentares estão obviamente de olho nas eleições de 2026. Não querem correr o risco de ter suas candidaturas inviabilizadas judicialmente ou afastar possíveis eleitores de centro ou de uma direita menos extremista, um interesse especial principalmente daqueles que pretendem concorrer a governos de estado ou ao Senado, conforme o contexto.
“Se a prisão de Bolsonaro levar a uma radicalização ainda maior das posições do bolsonarismo, sobretudo no que diz respeito à democracia, o movimento se tornará insustentável para setores da direita que pretendem se manter no jogo político-eleitoral. Uma ‘martirização’ de Bolsonaro, sem radicalização, pode ser o caminho para manter a direita unida diante das eleições do próximo ano”, analisa o cientista político Guilherme Casarões, um dos coordenadores do Observatório da Extrema Direita, em entrevista ao jornal O Globo.
Ainda sem rumo, a perspectiva para a direita nas eleições presidenciais é de um cenário fragmentado, onde a divisão não vai se dar apenas no número de candidatos, mas também na postura que cada um terá em relação a Jair Bolsonaro. A conta de ter o nome associado ao do ex-presidente vem ficando cada vez mais alta e desvantajosa e a tentativa de salvar a imagem do ex-presidente para sua base, por meio do processo de “martirização”, já está em curso. O engajamento nesta “causa” deve ser determinante para a pretensão dos atores políticos em 2026.
A esquerda tem possibilidade de avançar nesse cenário, aproveitando a fragilidade da direita e sua desmobilização, com o governo tendo a oportunidade de pautar debates importantes do ponto de vista político como o fim da jornada 6×1 e mesmo a tarifa zero, inserida em um panorama mais amplo da necessidade de melhora do transporte público no Brasil. Embora o momento atual aponte inclusive para a chance de uma eleição liquidada no primeiro turno, a distância das eleições não permite ao campo progressista “jogar parado”. Mobilizar é preciso.
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