Ultradireita: o novo alvo é Claudia Sheinbaum
Centenas de encapuzados tentaram invadir a sede do governo mexicano no sábado. Diziam representar a “geração Z” e pediam “segurança” ao estilo Bukele. Sua ação deixa ainda mais clara a estratégia política dos ultraconservadores e dos EUA para a América Latina
Publicado 17/11/2025 às 12:34 - Atualizado 17/11/2025 às 12:56

Atacar com poder de fogo incomum edifícios que simbolizam a política. Explorar a insatisfação das maiorias com problemas que afetam seu quotidiano. Sugerir que há gente disposta a enfrentar por meio da força o governo eleito – e, assim, pintá-lo como frágil. Conhecidos dos brasileiros desde janeiro de 2023, estes métodos foram empregados também na Cidade do México no último sábado (15/11).
Voltaram-se contra a presidente Claudia Sheinbaum, cuja popularidade beira os 80% — mas que é herdeira de um contexto de insegurança pública endêmica. Tentaram desmoralizar seu plano (até o momento bem-sucedido) de asfixia financeira do crime organizado, para sustentar que o único caminho eficaz contra a violência é ignorar os direitos humanos “dos criminosos”. Resultaram em 100 feridos – a grande maioria deles, policiais. Foram rechaçados por Claudia. “É um impulso político, promovido inclusive a partir do exterior contra o governo”, disse ela.
Os antecedentes imediatos dos acontecimentos de sábado remontam ao início de novembro. Ao participar das celebrações do Dia dos Mortos, em 1º/11, Carlos Manzo, o prefeito de Uruapán (300 mil habitantes, 350 km a norte da capital), tombou assassinado com sete tiros. Foi o quinto governante municipal vítima de homicídio no país, em 2025. Tinha 40 anos e era muito popular. Chegou a filiar-se (entre 2021 e 24) ao Morena, partido de Sheinbaum. Mas num estado (Michoacán) especialmente violento e dominado por quatro cartéis criminosos, havia proposto “linha dura” e “confronto direto” contra a delinquência. A atitude o colocou em choque com o governo federal.
Seu assassinato despertou revolta e protestos entre a população, mas serviu também como pretexto para uma primeira onda de violência – deflagrada em Morelia, capital do estado. Em 2/11, centenas de pessoas armadas com coquetéis molotov, paus e pedras invadiram e depredaram o palácio do governo estadual. Os atos foram condenados pela própria esposa de Manzo e sua sucessora na prefeitura de Uruapán, Grecía Quiroz.
A direita encontra uma brecha
Mas a direita havia identificado uma brecha para tentar desgastar Claudia. Por meio das redes sociais, convocaram-se protestos para 15/11, em diversas cidades do país. Em quase todas elas, as tentativas fracassaram. Na Cidade do México, houve sucesso relativo. Duas marchas sobrepostas percorreram o mesmo trajeto no centro da capital. Uma dizia-se ligada à “geração Z”, buscando apresentar-se como parte da indignação juvenil difusa que já se manifestou este ano em diversas partes do mundo. Outra, autodenominou-se “dos sombreros” – referência ao tipo de chapéu que Carlos Manzo costumava usar. Reuniram juntas algumas milhares de pessoas. Além de jovens, relata o diário La Jornada, chamou a atenção a presença marcante de políticos oposicionistas e de setores da classe média branca e conservadora. Eram frequentes os elogios a “soluções Bukele” – mano dura contra os criminosos e as liberdades civis.

Os incidentes graves deram-se quando as marchas chegaram ao Zócalo – a imensa praça em torno da qual estão plantadas as sedes dos poderes do Estado mexicano. Um grupo pequeno, com centenas de manifestantes encapuzados, investiu contra as barreiras que protegiam o palácio do governo. Os relatos e imagens (veja vídeo) mostram que portavam rojões, martelos e serras elétricas, com finalidade premeditada. Romperam os elos entre as grades e usaram parte delas como escadas, para tentar forçar o acesso. Parte dos demais manifestantes protestou, em vão, contra eles: “No nos representan!”, “Fuera encapuchados!”. Foram ao final repelidos pela polícia, de forma aparentemente atabalhoada. A invasão foi contida. Quarenta defensores do palácio foram hospitalizados, o dobro do número de atacantes feridos.
Como Cláudia Sheinbaum enfrenta o crime
A investida chama atenção porque Claudia Sheinbaum está particularmente empenhada no tema de segurança pública – e vem obtendo êxitos consideráveis. Suas ações foram descritas, há poucos dias, num texto da revista Economist, insuspeita de simpatia por políticas de esquerda. Ao longo de seu mandato como prefeita da capital (2021-24), a taxa de homicídios despencou 40%. A marca foi alcançada graças a uma combinação de duas atitudes. A prefeita frisou sempre que as causas essenciais da violência são pobreza e desigualdade – portanto, a “mano dura” produz apenas resultados superficiais e fugazes. Mas desencadeou ações cirúrgicas que atingiram o crime organizado em suas raízes.
As prisões de delinquentes voltaram-se para os chefes dos cartéis, em vez de visarem a arraia miúda. Um longo trabalho de inteligência permitiu identificá-los. Foi coordenado pelo secretário de Segurança, Omar Garcia Harfuch, a quem Cláudia deu poderes de coordenação inéditos sobre o aparato de inteligência. Em consequência, ele pôde também rastrear e asfixiar os canais de financiamento do crime. Ao final do mandato de Cláudia na prefeitura, Omar Garcia abriu mão de candidatar-se a sucedê-la, numa disputa em que era favorito destacado. Preferiu acompanhar a prefeita ao governo federal, tornando-se seu ministro da Segurança.

Em menos de um ano desde a posse de Claudia na Presidência, o índice de homicídios já caiu algo entre 14% (segundo os cálculos de Economist) e 32% (conforme o cômputo do governo) – veja o gráfico acima. Ainda assim, permanece alto, como na maior parte da América Latina. A média nacional foi, em 2023, de 24 assassinatos para cada 100 mil habitantes – ligeiramente superior à brasileira (21,2/100.00, no mesmo ano).
Uma estratégia para toda a América Latina
Ampliam-se os sinais de que explorar a insegurança gerada pelo crime passou a ser, na região, a principal estratégia política e eleitoral das correntes de direita e ultradireita. A tendência começa nos Estados Unidos, e em suas pressões militares contra a Venezuela, a pretexto de combater o tráfico de fentanyl. Mas espalha-se por El Salvador (com Bukele), Colômbia (também acossada de Washington), Equador (onde o presidente Daniel Noboa reelegeu-se com base no tema, mas acaba de perder um plebiscito relacionado a ele), Chile (cujos índices de violência são baixíssimos e ainda assim o assunto é usado como espantalho junto à opinião pública) e outros países.
O fato de a onda ter chegado ao México – de forma virulenta e planejada, apesar da enorme popularidade de Cláudia Sheinbaum –, revela como os ultraconservadores apostam nela. E volta a acender os sinais de alerta no Brasil, onde já está claro que brandir o fantasma do medo será o principal trunfo de todas as direitas em 2026. As distintas formas de enfrentar a ameaça são assunto crucial, que fica reservado para outra análise, em breve.
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