Quando juventude rima com exclusão
Um em cada quatro jovens no mundo não trabalha nem estuda. Na América Latina, 70% são mulheres dedicadas apenas ao cuidado. Na Europa, um em cada três corre o risco de cair na pobreza. Etapa de construir projeto de vida virou sinônimo de insegurança e precariedade
Publicado 26/08/2025 às 17:36

Por Sergio Ferrari | Tradução: Rose Lima
Um em cada quatro jovens não terá emprego nem poderá estudar em 2025. A exclusão de grande parte dos jovens desafia a sociedade planetária. São mais de 260 milhões de jovens entre 14 e 24 anos em todo o mundo que compõem a categoria NEET (ou “nem-nem”), ou seja, aqueles que não trabalham, não estudam e nem conseguem realizar algum tipo de formação profissional-artesanal. A tendência é preocupante e crescente.
De acordo com o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2023 os NEETs eram um em cada cinco jovens no mundo, ou 20,4%. Enquanto isso, a discriminação de gênero continua: a taxa global de NEET de mulheres jovens dobrou a de seus pares masculinos em 2023 (28,1% e 13,1%, respectivamente).
Ao serem deixados de fora do mercado de trabalho e do mundo da educação, os NEETs refletem a complexa tendência de obstáculos para a integração da juventude no mundo do trabalho. Em um artigo recente publicado pela OIT, Niall O’Higgins, um de seus principais pesquisadores, tenta esclarecer o conceito de NEETs em palavras simples. Inclui “todos os jovens desempregados que não estão estudando, bem como um grupo muito maior de jovens que estão desempregados e não participam em nenhuma atividade de formação formal, mas que, por uma razão ou outra, também não estão ativamente à procura de trabalho”.
O’Higgins explica que, embora a taxa de NEET não seja de forma alguma um indicador perfeito de como os mercados de trabalho dos jovens se comportam, “é difícil imaginar um único indicador que seja ou possa ser”. Segundo o pesquisador, a taxa de NEET é mais apropriada para medir esse comportamento do que a taxa tradicional de desemprego juvenil que era usada anteriormente e que continua sendo usada em muitos estudos e estatísticas oficiais.
Nesse sentido, diz O’Higgins, “a proporção de NEETs na população é um indicador mais informativo da magnitude do desafio representado pelo emprego juvenil”. O número de jovens NEET é maior do que o de seus pares desempregados. A maioria são mulheres jovens e grande parte gostaria de trabalhar, mas não está procurando ativamente um emprego, seja por falta de disponibilidade, escassez de empregos ou porque outros obstáculos, como responsabilidades de cuidado familiar, as impedem de aspirar a se integrar ao mundo formal do trabalho. Em 2015, as Nações Unidas adotaram como objetivo número 8, seção 6 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de luta contra a pobreza, a redução substancial na taxa de NEETs. Significa que essa taxa é o instrumento através do qual os progressos no sentido da integração efetiva dos jovens no mundo do trabalho podem ser avaliados internacionalmente. Levando em conta esse critério, segundo o pesquisador da OIT, “até o momento, o progresso tem sido bastante modesto”.
Nesse contexto, enfatiza O’Higgins, a condição de NEET é um indicador mais confiável do que o conceito de desemprego para analisar a vulnerabilidade ou fragilidade social. Em contextos onde o acesso à proteção social é limitado ou inexistente, os jovens só podem se dar ao luxo de ficar desempregados enquanto buscam oportunidades de emprego razoáveis se suas famílias tiverem recursos para sustentá-los. Os jovens mais pobres e vulneráveis não podem se dar a esse “luxo”. Mesmo em países de alta renda, os jovens NEET, fora do mercado de trabalho, correm maior risco de exclusão econômica e social a longo prazo. Essa realidade se agrava no caso de mulheres jovens com responsabilidades de cuidado, ou seja, aquelas que se dedicam ao cuidado de parentes idosos, menores ou doentes.
Com a revisão das estatísticas internacionais sobre emprego, a condição para ser considerado empregado é receber remuneração. Isto significa que os jovens que realizam trabalho não remunerado, como a agricultura de subsistência, não são considerados ativos no mercado de trabalho e, por conseguinte, se não frequentam alguma forma de educação, são identificados como NEET.
América Latina e marginalidade juvenil
Na América Latina, coincidindo com as estatísticas mundiais, um em cada quatro jovens entre 18 e 24 anos não estuda nem tem um trabalho assalariado. Desse total, mais de 70% são mulheres dedicadas exclusivamente ao cuidado doméstico. De acordo com a OIT, as taxas de informalidade juvenil na América Latina chegam perto de 60%, em comparação com 47,5% dos adultos, enquanto a renda dos jovens representa 60% da renda dos adultos.
Por sua vez, em novembro de 2024, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) publicou o Estudo Prospectivo do Emprego Juvenil na América Latina. O mesmo conclui que as perspectivas até 2030 não são muito otimistas: “a tendência de deslocamento de jovens da agricultura e da manufatura para o setor de serviços continuará”. Segundo a CEPAL, no âmbito de um cenário realista que inclui dados de 16 países da região (e considerando apenas o aumento da taxa de conclusão do ensino médio como variável estratégica na análise prospectiva), mais de 1,2 milhão de jovens deixariam o setor agropecuário, cerca de 640 mil deixariam o setor manufatureiro e mais de 1,8 milhão entrariam no setor de serviços, que, na região, é caracterizada por baixos níveis de produtividade do trabalho. Caso essa tendência se confirme, haverá uma degradação da qualidade e da produtividade do trabalho juvenil.
Esses números podem aumentar devido à intensificação da migração interna como resultado das mudanças climáticas e à reconfiguração da migração intrarregional. De acordo com o estudo da CEPAL, se não forem implementadas medidas para antecipar essas mudanças, pode acontecer que o maior número de jovens em busca de trabalho exceda a demanda existente, principalmente nas áreas urbanas. Além disso, a desfasagem entre a oferta e a procura pode aprofundar-se devido aos processos de automatização, um risco grave enfrentado em particular pela população jovem. Essa situação teria impacto nos níveis mais elevados de desemprego nessa faixa etária e no aumento dos setores informais.
A Europa não está melhor
Não são apenas os NEETs que pagam o preço da marginalização nos países em desenvolvimento. Também nas nações e regiões de alta renda, os jovens experimentam golpes diários em suas aspirações de progresso social. Na segunda semana de agosto, um relatório do Sindicato das Comissões de Trabalhadores (CCOO) da Espanha desenhou um raio-X chocante da situação naquele país europeu. Segundo o sindicato, os jovens ganham 25% menos que a média nacional; 43% trabalharam sem carteira assinada e um em cada três corre o risco de cair na pobreza ou na exclusão social. O relatório apresenta um balanço retrospectivo sombrio e conclui que os jovens atualmente ganham 20% menos do que “nossos pais e mães recebiam na nossa idade”.
Pau García Orrit, Secretária Confederal para a Juventude do CCOO, afirma: “Embora nos últimos anos se tenham registado avanços significativos no campo do emprego juvenil – melhorias no acesso ao emprego e nas condições de trabalho, mesmo num contexto marcado por sucessivas crises e situações excepcionais – a precariedade estrutural continua a condicionar profundamente a vida dos jovens na Espanha”. Embora o desemprego juvenil tenha caído para mínimos históricos, o país ibérico continua a ocupar o primeiro lugar na precariedade juvenil na Europa. Essa situação tem se agravado por um fenômeno não menos preocupante: 85% dos jovens continuam vivendo com seus pais e mães. “O acesso a aluguéis acessíveis tornou-se uma odisseia e a emancipação é um horizonte cada vez mais distante. Comprar uma casa é impossível para a maioria dos jovens”.
O centro sindical alerta que o presente sem estabilidade ou certezas transformou a juventude em uma categoria cada vez mais vazia de significado. Ser jovem hoje não é mais uma etapa em que se aprende a construir um projeto de vida, mas é sinônimo de insegurança, precariedade e falta de expectativas. Uma juventude “esvaziada de conteúdo real”.
A precariedade do emprego e da educação dos jovens continua a ser um flagelo com profundas repercussões sociais. Embora afete principalmente países do Sul Global, não se limita a esse quadro geográfico. Dez países europeus têm taxas de desemprego juvenil que variam entre 19% e 25%. A Espanha e a Romênia lideram, com uma ou um jovem em cada quatro desempregados, seguidos de perto pela Suécia. Enquanto isso, a Finlândia, a Itália, a Bélgica, Portugal e França são cerca de um em cada cinco. A exclusão juvenil aparece, portanto, quase como uma norma, em um mundo governado cada vez mais por homens adultos.
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