Minérios: É possível uma exploração soberana?
Transnacionais controlam quase toda a mineração brasileira. País vende com baixo valor agregado, emprega pouco e paga impostos irrisórios. No plano geopolítico, falta uma uma “OPEP dos minérios”, liderada pelo Sul Global
Publicado 21/08/2025 às 17:54 - Atualizado 21/08/2025 às 17:55

Para o desenvolvimento de uma compreensão mais detalhada a respeito de qual a situação da distribuição da renda derivada da mineração no Brasil, é crucial o reconhecimento do atual estado de relações entre o capital internacional e a produção mineral em território brasileiro.
O primeiro nível de considerações diz respeito ao controle acionário das empresas que atuam em território brasileiro por parte de transnacionais. Dentre as transnacionais que operam no país, a Rio Tinto, a BHP, a Anglo American, a Alcoa, todas exemplos de grandes empresas mineradoras mundiais, detém participação em empresas que operam no Brasil, ou mantém subsidiárias no país. Esse retrato atravessa inclusive grandes empresas que historicamente são reconhecidas como brasileiras, mas que hoje operam sob controle ou influência do capital internacional, como é o caso da Vale S.A. e da CSN.
O segundo nível de considerações diz respeito a quais são as empresas que realizam o comércio internacional do minério produzido no Brasil. Aqui cabe a explicação de que existem companhias globais que conduzem o processo de compra, armazenagem, transporte, venda e financiamento de commodities. Algumas dessas companhias operam na compra de commodities agrários e minerais, como é o caso da Cargill e da Louis Dreyfus Company, que tradicionalmente operam no comércio de grãos, criaram divisões específicas para o comércio de minérios e depois venderam essas operações.
A consolidação de empresas comerciais transnacionais envolve, ainda, empresas que somente realizam a circulação das mercadorias minerais e empresas que também controlam minas, como é o caso da suiça Glencore e a Anglo American. Nesse contexto há a intervenção, no Brasil, de conglomerados como a Trafigura, que comprou a divisão comércio de metais da Cargill; e há, também, empresas originalmente brasileiras que são mineradoras, mas que atuam também no comércio como a Vale S.A. e a CSN Mineração.
O terceiro nível de considerações, ainda na esfera do comércio, diz respeito ao processo de precificação mundial das commodities minerais. Nesse contexto, interessa ressaltar o papel da Chicago Mercantile Exchange (CME). Se trata de uma holding que concentra um grupo de bolsas de valores onde são comprados e vendidos contratos de mercados futuros de commodities, tanto agrários quanto minerais. Há, entretanto, outras bolsas não integrantes da CME que cumprem papel de relevância mundial, como a London Metal Exchange, a Singapore Exchange e a Dalian Commodities Exchange (chinesa).
No que se refere a questão da precificação, tem de se levar em conta que há uma dupla determinação da interferência internacional no processo produtivo mineral em território brasileiro: a primeira quando o preço internacional é determinado por mercados estrangeiros; a segunda quando é determinado em dólar. Por detrás da dolarização desse comércio e das flutuações financeiras da tonelada de minérios, passam complexos mecanismos de extração de valor da economia nacional para ser distribuído aos circuitos financeiros globais de reprodução econômica.
Ainda sobre a questão do preço dos minérios, deve ser levado em conta que é fortemente influenciado pela oferta do produto mineral. Entretanto, diferente da produção de petróleo que conta com a OPEP, não há uma organização dos países produtores globais de minérios para regular a exportação de acordo com os seus interesses nacionais.
Por entre a consideração de que o preço dos minérios é em grande medida definido em bolsas de valores vinculadas às nações centrais do capitalismo, e portanto aos oligopólios mundiais, deve ser colocado em análise que no âmbito dos BRICS vem sendo debatida a criação de uma bolsa de cereais. No caso, entretanto, ainda é uma proposta em formato de projeto e que não contempla, pelo menos a princípio, as commodities minerais.
O quarto nível de considerações diz respeito às grandes empresas industriais que realizam a manufatura dos minerais produzidos no Brasil. Siderúrgicas e outras plantas de refino dos mais diversos minérios instaladas em países industrializados. Eis que, em diversos casos, são indústrias verticalizadas; ou seja, produzem em diversos níveis de manufatura até o produto final. Por este sentido, quanto menor o preço do produto primário mineral, maior a margem de lucratividade.
Não há, portanto, controle sobre a produção mineral brasileira de ordem à resguardar interesses nacionais. Quanto maior volume de extração e exportação, menor o preço da tonelada, resguardando a margem de lucro dos grandes centros. Se encadeia que a empresa extrativa mineral é controlada pelo capital estrangeiro e é de baixa empregabilidade; restando a dinâmica de sobrar ao país pouco valor agregado e pouca renda do trabalho em razão dela.
Por último, se deve considerar que o imposto pago ao Estado brasileiro em razão da exploração mineral, o CFEM, é da ordem que vai do mínimo de 1 (ouro incluído) até o máximo de 3,5%. O valor adquirido pelo Estado brasileiro em razão da exploração mineral se coloca abaixo de nações africanas como, por exemplo, o Burkina Faso, que recentemente aprovou novo código de mineração para receber royalties do ouro em ordem que vai de 5 a 7%.
Para além do valor pago ao Estado brasileiro ser parco, ocorre que, ocasionalmente, essas empresas transnacionais utilizam-se de métodos extra-legais para sonegação. Uma das estratégias adotadas é constituir empresas em paraísos fiscais para triangular a venda para o exterior para si própria em valores abaixo do preço de mercado.
Dessa forma, evidencia-se que o controle internacional sobre a mineração brasileira é um caso paradigmático de assimetria de poder na economia global. O Brasil, detentor de uma colossal riqueza mineral, atua predominantemente como um exportador de commodities primárias, subjugado a um sistema financeiro e comercial que ele não influencia. A ausência de uma organização de países exportadores de minérios (uma “OPEP dos minérios”) deixa a nação refém da volatilidade de mercados administrados por e para os interesses dos países centrais. A combinação de preços em dólar, determinados externamente, com uma carga tributária ridícula se comparada a outros países produtores, representa uma transferência massiva de valor e soberania. A sonegação fiscal via paraísos fiscais é apenas a ponta do iceberg de um sistema legal e financeiro que foi moldado para facilitar essa drenagem de recursos. Assim, mais do que uma questão econômica, o que se observa é uma questão geopolítica: a manutenção de uma relação neocolonial onde o Brasil fornece matéria-prima barata e importa produtos manufaturados caros, perpetuando sua posição periférica na divisão internacional do trabalho e abrindo mão do controle estratégico sobre seus próprios recursos.
Em resumo, a narrativa de que a mineração é um pilar da economia nacional mascara uma realidade mais complexa e menos vantajosa: a de uma economia de enclave, onde a atividade está profundamente integrada a cadeias globais de valor controladas de fora para dentro. O capital internacional exerce um domínio quase completo, do subsolo ao mercado financeiro – controlando a propriedade das empresas, intermediando o comércio, ditando os preços em bolsas estrangeiras e, por fim, realizando a transformação industrial que agrega o verdadeiro valor longe daqui. O resultado é um ciclo perverso: a intensificação da extração pressiona os preços para baixo, beneficiando as siderúrgicas estrangeiras verticalizadas, enquanto o Brasil fica com os passivos socioambientais, uma arrecadação ínfima de royalties e uma parcela mínima da renda gerada. Portanto, a pergunta “quem controla a mineração no Brasil?” encontra sua resposta não nas fronteiras nacionais, mas nos escritórios corporativos de Londres e Nova York, e nas bolsas de valores de Chicago, configurando um cenário de desnacionalização estrutural da nossa riqueza mineral.
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