Violência obstétrica: formas de combater abuso e racismo no parto
Conferência Livre desenha propostas para interromper abuso e negligência no parto. Uma urgência: doulas precisam deixar de ser “artigo de luxo” e devem integrar o SUS
Publicado 15/08/2025 às 10:22 - Atualizado 15/08/2025 às 10:38

Como preparação para a 5ª Conferência Nacional de Política para as Mulheres, que acontecerá em setembro, foi realizada, nesta quarta (13), na Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP), a Conferência Livre pelo direito de gestar e parir sem violência: políticas públicas e reforma obstétrica. Em pauta, um tema urgente e ainda muito negligenciado: a violência obstétrica, ou seja, qualquer forma de abuso, desrespeito ou tratamento desumanizado contra gestantes durante o pré-parto, parto ou pós-parto, incluindo intervenções médicas desnecessárias ou não consentidas.
Como ficou claro pela fala das presentes na mesa de debate, essas violências permanecem invisíveis por uma série de fatores como a falta de informação às mulheres, a escassez de dados a respeito das práticas realizadas no parto e a necessidade de melhor formação aos profissionais de saúde. E há ainda um lado ainda mais sombrio das violências cometidas no momento do nascimento de bebês: o racismo obstétrico, ou seja, a negligência causada pela discriminação racial sofrida por gestantes negras durante o atendimento.
Destacaram-se, na discussão, duas medidas amplas que podem contribuir para a diminuição da violência obstétrica no Brasil. A primeira diz respeito às doulas, profissionais que oferecem apoio contínuo à gestante no processo do parto. Como defendeu Danie Sampaio, doula e articuladora de saúde e doulagem coletiva na periferia, essa profissional não pode ser “artigo de luxo”, e deve estar presente no SUS e no atendimento de mulheres negras e periféricas.
Emanuelle Góes, pesquisadora do Cidacs/Fiocruz/Bahia, chamou a atenção para a urgência de discutir o racismo no atendimento e alertou para situações em que mulheres negras são tratadas como “cobaias” em hospitais de residência médica – ampliando situações de dor e abuso. Mayara Custódio, obstetriz ligada à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, reforçou o coro, lembrando que o racismo também vitima imigrantes e indígenas, e é necessário valorizar a experiência feminina e investir na educação das trabalhadoras de saúde. Ela chamou a atenção, ainda, para a precária situação de mulheres encarceradas.
Outra questão que contribui para os casos alarmantes de violência obstétrica é o fato de que ela é reconhecida como uma violação de direitos humanos, mas não há tipificação na justiça para que seja punida, como explicou Rita Gandolpho, defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres. Segundo ela, nomear a violência é um passo essencial para começar a superá-la. Simone Diniz, professora titular do Departamento de Saúde e Sociedade que pesquisa o tema há décadas, contou que vê uma degradação em relação às políticas públicas relacionadas à assistência ao parto e ao incentivo às boas práticas em hospitais. Segundo ela, a falta de dados contribui para que o tema permaneça invisível. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL/SP), também presente, lembrou da necessidade de fortalecer a Rede Alyne e interromper a precarização da Atenção Primária à Saúde.
A Conferência Livre, que contou com mais de 100 participantes em modelo híbrido, organizou grupos de trabalho que elaboraram e elegeram propostas para serem apresentadas na 5ª Conferência Nacional. Foram três (veja em detalhes aqui): instituir a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Obstétrica e Racismo Obstétrico; articular a inserção de dados sobre práticas de assistência ao parto na Declaração de Nascido Vivo (DNV), para monitorar boas práticas e práticas não recomendadas, com registro obrigatório de raça/cor; e garantir a inserção das doulas, obstetrizes e enfermeiras obstétricas no SUS com formação específica e vínculo à atenção primária, com base territorial. Além das propostas, o evento marcou a assinatura de uma Carta de Compromisso, que cria um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) para “articular o apoio institucional necessário para o fortalecimento das ações propostas”.
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