Pará, o último no mapa de qualidade de vida

Importante medidor social revela que o estado que sediará a COP concentra 12 cidades entre as 20 piores notas do país. Quanto maior o desmatamento, mais baixo é o indicador, mostra o estudo, e que políticas públicas robustas em saúde é um primeiro passo

Palafitas no Rio Tucunduba, em Belém
Foto: Raimundo Paccó
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Por Nádia Pontes, na Piauí

Qualidade das paredes, dos pisos e da iluminação nos cômodos da casa. Cobertura e qualidade da internet móvel e densidade da internet em banda larga fixa. Mortes por acidente de trânsito, assassinato de jovens e mulheres. Esgotamento sanitário adequado e índice de abastecimento de água saudável. Paridade de negros na câmara municipal, ações para direitos de minorias e famílias em situação de rua. Índice de vulnerabilidade climática dos municípios e emissões de CO₂ por habitante. Evasão escolar nos ensinos fundamental e médio. Consumo de alimentos ultraprocessados, taxas de obesidade e de suicídio. Acesso à cultura, lazer e esporte, e existência de praças e parques em áreas urbanas.

Esses são alguns dos indicadores que, reunidos, formam o IPS, o Índice de Progresso Social, que pelo segundo ano consecutivo mediu a qualidade de vida dos brasileiros do ponto de vista social e ambiental nos 5.568 municípios do país, além de Brasília e Fernando de Noronha (PE).

Inaugurado em 2012 por cientistas de Harvard e do MIT, nos Estados Unidos, o IPS considera três dimensões do progresso social (Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos do Bem-estar e Oportunidades), organizados em doze componentes (Nutrição e Cuidados Médicos Básicos, Água e Saneamento, Moradia, Segurança Pessoal, Acesso ao Conhecimento Básico, Acesso à Informação e Comunicação, Saúde e Bem-estar, Qualidade do Meio Ambiente, Direitos Individuais, Liberdades Individuais e de Escolha, Inclusão Social e Acesso à Educação Superior).

As três dimensões e os doze componentes são sustentados por 57 indicadores compostos por dados públicos e fontes oficiais como DataSUS, Ministério da Saúde, Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), CadÚnico, entre outras.

A partir desses critérios, o IPS deste ano revela que o Pará, sede da próxima Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP30, em novembro, oferece a pior qualidade de vida entre os estados do país. Belém, anfitriã da conferência, ficou na 22ª colocação entre as capitais, à frente de Rio Branco, Salvador, Maceió, Macapá e Porto Velho.

O Pará concentra ainda doze das vinte cidades com pior pontuação na edição atual. São elas: Jacareacanga, Bannach, Trairão, Pacajá, Portel, São Félix do Xingu, Anapu, Cumaru do Norte, Uruará, Santana do Araguaia, São João do Araguaia e Santa Maria das Barreiras.

O desempenho ruim também aparece na segmentação por número de habitantes. O estado lidera o ranking de piores municípios no grupo de até 5 mil habitantes (Bannach), entre 20 e 100 mil (Jacareacanga), entre 100 mil e 500 mil (Altamira) e acima dos 500 mil (Ananindeua). Apesar de não ter o pior município no recorte entre 5 mil e 20 mil habitantes, 4 entre as 10 piores cidades desta faixa são paraenses. 

“Na Amazônia, em geral, os indicadores ficam abaixo da média brasileira, mas eles são piores ainda nos municípios que desmatam. E todos os municípios com muito desmatamento no Pará têm nota muito baixa”, afirma à piauí Beto Veríssimo, coordenador do Projeto Amazônia 2030 e diretor do IPS Brasil. 

O Pará é campeão de desmatamento no país. Em 2024, foram cortados 2,3 mil km2 de Floresta Amazônica no estado, aponta o monitoramento via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. A correlação entre desmatamento e baixo desempenho descrita por Veríssimo é constatada no recorte por municípios. Altamira, que aparece entre os piores no índice do IPS na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes, foi o segundo município que mais desmatou, entre aqueles que formam a Amazônia Legal, no ano passado, segundo o Inpe. Dos 15 municípios que mais desmataram em 2024, 6 são paraenses: Altamira, Itaituba, Portel, São Félix do Xingu, Uruará e Pacajá. 

Outro problema grave que ajuda a derrubar os índices do estado é o garimpo ilegal. Em Jacareacanga, penúltimo colocado do ranking geral entre os piores municípios (só perde para Uiramutã, de Roraima), o garimpo é uma das principais causas da devastação da floresta, mostram os alertas de desmatamento analisados pelo Mapbiomas desde 2019. O garimpo, ilegal na maioria dos casos, também acontece em outras localidades que figuram na zona de rebaixamento do IPS, como Itaituba e São Félix do Xingu.

Veríssimo acredita que a realidade paraense e de sua capital estarão em diálogo com as discussões que permeiam a COP30. O evento, que reúne países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC, tem a missão de negociar acordos para o corte de emissões de gases do efeito estufa, os causadores da emergência climática.

A piauí esteve em Belém para acompanhar os preparativos da cidade para a conferência. O urbanista Roberto Andrés, autor da reportagem Vai ter COP, na edição de abril de 2024, constatou que Belém tinha “graves carências de infraestrutura que penalizam as pessoas mais vulneráveis e os recursos naturais” e que “a crise ambiental urbana precede a própria crise climática na região”.

Assim, a expectativa é de que o debate sobre o atraso do progresso social registrado pelo IPS apareça não só nas negociações oficiais para a redução dos entraves climáticos, mas em todas as esferas que contam com a participação de organizações sociais, empresas e sociedade civil.

“Acontecendo numa região como a Amazônia, entrará para o coração do debate [na COP] a necessidade de melhorar a condição de vida das pessoas que moram nas florestas tropicais, onde há muitos problemas socioambientais”, aponta Veríssimo.

Neste ano, a nota geral do país (61,96) foi ligeiramente mais alta que em 2024 (61,83). Entre as dimensões, Necessidades Humanas Básicas teve a nota geral mais alta, enquanto Oportunidades apresentou pior desempenho. Já entre doze componentes, Moradia e Água e Saneamento tiveram os melhores resultados, enquanto Direitos Individuais e Inclusão Social, os piores. 

“O IPS sempre vai tentar trazer o indicador que seja mais preciso, mais atual. Mas a qualidade de vida não muda de um ano para outro, geralmente são processos que levam mais tempo, é preciso muito trabalho de gestão pública”, comenta Veríssimo. 

É por isso que, segundo os pesquisadores, os resultados do Pará não surpreendem. Em 2014, quando o grupo testou a metodologia pela primeira vez no Brasil considerando apenas os municípios da Amazônia Legal, os piores colocados de agora já ocupavam essas posições. “O índice mostrava que desmatar não gerava riqueza econômica ou progresso social”, diz Veríssimo.

O IPS 2025 reforça a desigualdade social brasileira. O ranking mostra uma disparidade entre as cidades do Sudeste, melhores colocadas, e as do Norte, especialmente na Amazônia Legal, com as pontuações mais baixas.

Gavião Peixoto, no interior paulista, obteve a melhor avaliação no país, com 73,26 — mais de dez pontos acima da média nacional. Com 4.797 habitantes, o município se sai bem principalmente nos quesitos moradia, água e saneamento, nutrição e cuidados médicos básicos e inclusão social.

Na mapa do estudo, confeccionado com uma gradação de cores que vai do azul escuro, indicação para boa qualidade de vida, ao vermelho, sinônimo de más condições, o interior de São Paulo se destaca como região mais bem avaliada. 

Dos 5570 municípios analisados, a maioria (932) aparece com tom amarelo escuro no mapa, com IPS médio de 57,79. Neste grupo estão duas capitais: Macapá (AP) e Porto Velho (RO). O azul escuro sinaliza a situação de 358 cidades que tiveram pontuação média de 67,56. Eles abrigam 30% da população e englobam quinze capitais: Curitiba, Campo Grande, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia, Palmas, Florianópolis, João Pessoa, Cuiabá, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Teresina, Aracaju e Natal. 

Em algumas cidades pintadas de vermelho, há iniciativas que têm mostrado bons resultados — e que foram registradas no estudo. É o caso de Água Azul do Norte, também no Pará, com nota geral 51,56, mas com bons indicadores na área de saúde e bem-estar. “Na comparação regional, Água Azul do Norte vai bem na componente de saúde. Nós fomos até lá e vimos que o município está aplicando políticas públicas para tratar as populações que moram mais distantes dos centros de atendimentos, o que tem contribuído para a prevenção de doenças”, explica Melissa Wilm, que também coordena o estudo.

Numa outra frente de atuação, a equipe de pesquisadores tem se preocupado em discutir o diagnóstico com gestores da administração pública para provocar impacto e mudanças. “O índice acaba criando uma saia justa para o gestor da administração pública porque mostra que a falta de qualidade de vida não é um problema de renda”, comenta Veríssimo. “Nós percebemos nestas trocas que os gestores estão se interessando pelo IPS mais rápido do que a gente esperava, pois ele pode ajudar a guiar os investimentos públicos.”

Nádia Pontes é jornalista e mestre em ciências ambientais pelo Instituto de Meio Ambiente e Energia da Universidade de São Paulo. Pela cobertura em ciência e meio ambiente na Deutsche Welle Brasil, ganhou, em 2017, o prêmio Berlin Science Communication Awards, concedido pela Universidade Humboldt de Berlim.

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