EUA: A era da Oligarquia
Abastados como nunca, porém impotentes para enfrentar o declínio de seu país, bilionários já governam sem intermediação. Ao fazê-lo, expõem a miséria e o beco sem saída do capitalismo rentista. Falta saber como decapitá-lo
Publicado 28/04/2025 às 20:06 - Atualizado 28/04/2025 às 20:21

Artigo em duas partes. Em breve, a segunda.
Por John Bellamy Foster, no Monthly Review | Tradução: Marcos Montenegro
O capitalismo norte-americano, ao longo do último século, teve, sem dúvida, a classe dominante mais poderosa e com maior consciência de classe da história mundial, abrangendo tanto a economia quanto o Estado, e projetando sua hegemonia tanto doméstica quanto globalmente. No centro de seu domínio está um aparato ideológico que insiste que o imenso poder econômico da classe capitalista não se traduz em governança política e que, não importa quão polarizada a sociedade norte-americana se torne em termos econômicos, suas reivindicações democráticas permanecem intactas. De acordo com a ideologia dominante, os interesses dos ultra-ricos que governam o mercado não governam o Estado — uma separação crucial para a ideia de democracia liberal. Essa ideologia reinante, no entanto, está agora se desintegrando diante da crise estrutural do capitalismo norte-americano e mundial e do declínio do próprio Estado liberal-democrático, levando a profundas divisões na classe dominante e a uma nova dominação do Estado pela direita, abertamente capitalista.
Em seu discurso de despedida à nação, dias antes de Donald Trump retornar triunfalmente à Casa Branca, o ex-presidente Joe Biden indicou que uma “oligarquia” baseada no setor de alta tecnologia e que depende de “dinheiro obscuro” na política estava ameaçando a democracia americana. O senador Bernie Sanders, por sua vez, alertou para os efeitos da concentração de riqueza e poder em uma nova hegemonia da “classe dominante” e o abandono de qualquer vestígio de apoio à classe trabalhadora em qualquer um dos principais partidos.1
A ascensão de Trump à Casa Branca pela segunda vez não significa que a oligarquia capitalista tenha subitamente se tornado uma influência dominante na política dos EUA, uma vez que esta é de fato uma realidade de longa data. No entanto, todo o meio político nos últimos anos, particularmente desde a crise financeira de 2008, tem se movido para a direita, enquanto a oligarquia exerce influência mais direta sobre o Estado. Um setor da classe capitalista dos EUA está agora abertamente no controle do aparato ideológico do Estado em um governo neofascista no qual o antigo establishment neoliberal é um parceiro minoritário. O objetivo dessa mudança é uma reestruturação regressiva dos Estados Unidos em uma postura de guerra permanente, resultante do declínio da hegemonia dos EUA e da instabilidade do capitalismo dos EUA, além da necessidade de uma classe capitalista mais concentrada para garantir um controle mais centralizado do Estado.
* * *
Nos anos da Guerra Fria que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, os guardiões da ordem liberal-democrática dentro da academia e da mídia procuraram minimizar o papel primordial, na economia dos EUA, dos proprietários da indústria e das finanças, que foram supostamente deslocados pela “revolução gerencial” ou limitados pelo “poder compensatório”. Nessa visão, proprietários e gerentes, capital e trabalho, cada um restringia o outro. Mais tarde, em uma versão um pouco mais refinada dessa perspectiva geral, o conceito de uma classe capitalista hegemônica sob o capitalismo monopolista foi dissolvido na categoria mais amorfa dos “ricos corporativos”.2
A democracia dos EUA, alegou-se, era o produto da interação de grupos pluralistas ou, em alguns casos, mediada por uma elite de poder. Não havia classe dominante hegemônica funcional nos domínios econômico e político. Mesmo que se pudesse argumentar que havia uma classe capitalista dominante na economia, ela supostamente não governava o Estado, que era independente. Isso foi transmitido de várias maneiras por todas as obras arquetípicas da tradição pluralista, desde A revolução gerencial (1941), de James Burnham, a Capitalismo, socialismo e democracia (1942), de Joseph A. Schumpeter, a Quem governa? (1961), de Robert Dahl), a O Novo Estado Industrial (1967), de John Kenneth Galbraith, estendendo-se do extremo conservador ao extremo liberal do espectro.3 Todas essas obras foram elaboradas para sugerir que o pluralismo ou uma elite gerencial / tecnocrática prevalecia na política dos EUA — não uma classe capitalista governando os sistemas econômico e político. Na visão pluralista da democracia realmente existente, introduzida pela primeira vez por Schumpeter, os políticos eram simplesmente empreendedores políticos competindo por votos, assim como os empreendedores econômicos no chamado mercado livre, produzindo um sistema de “liderança competitiva”.4
Na promoção da ficção de que os Estados Unidos, apesar do vasto poder da classe capitalista, continuavam sendo uma democracia autêntica, a ideologia recebida foi refinada e reforçada por análises da esquerda que buscavam trazer a dimensão do poder de volta à teoria do Estado, substituindo as visões pluralistas então dominantes de figuras como Dahl, e ao mesmo tempo rejeitando a noção de uma classe dominante. O trabalho mais importante que representa essa mudança foi The Power Elite (1956), de C. Wright Mills, que argumentou que a concepção de “classe dominante”, associada em particular ao marxismo, deveria ser substituída pela noção de uma “elite de poder”, tripartite, na qual a estrutura de poder dos EUA era vista como dominada por elites vindas dos ricos corporativos, o alto escalão militar e políticos eleitos. Mills se referiu à noção de classe dominante como uma “teoria de atalho” que simplesmente assumia que dominação econômica significava dominação política. Desafiando diretamente o conceito de Karl Marx sobre a classe dominante, Mills afirmou: “O governo americano não é, nem de forma simples nem como um fato estrutural, um comitê da ‘classe dominante’. É uma rede de ‘comitês’, e outros homens de outras hierarquias além dos ricos corporativos sentam-se nesses comitês”.5
A visão de Mills sobre a classe dominante e a elite do poder foi desafiada por teóricos radicais, particularmente por Paul M. Sweezy na Monthly Review e inicialmente pelo trabalho de G. William Domhoff na primeira edição de seu Who Rules America? (1967). Mas acabou ganhando considerável influência na esquerda ampla.6 Como Domhoff argumentaria em 1968, em C. Wright Mills e “The Power Elite“,o conceito de elite do poder era comumente visto como “a ponte entre as posições marxista e pluralista … É um conceito necessário porque nem todos os líderes nacionais são membros da classe alta. Nesse sentido, é uma modificação e extensão do conceito de ‘classe dominante'”.7
A questão da classe dominante e do Estado esteve no centro do debate entre os teóricos marxistas Ralph Miliband, autor de O Estado na Sociedade Capitalista (1969), e Nicos Poulantzas, autor de Poder Político e Classes Sociais (1968), representando as chamadas abordagens “instrumentalista” e “estruturalista” do Estado na sociedade capitalista. O debate girou em torno da “autonomia relativa” do Estado em relação à classe dominante capitalista, uma questão crucial para as perspectivas de tomada do Estado por um movimento social-democrata.8
O debate tomou uma forma extrema nos Estados Unidos com o aparecimento do influente ensaio de Fred Block “A classe dominante não governa” em Revolução Socialista em 1977, no qual Block chegou a argumentar que a classe capitalista não tinha a consciência de classe necessária para traduzir seu poder econômico no domínio do Estado.9 Tal visão, argumentou ele, era necessária para tornar viável a política social-democrata. Após a derrota de Trump por Biden nas eleições de 2020, o artigo original de Block foi reimpresso na Jacobin com um novo epílogo de Block argumentando que, dado que a classe dominante não governava, Biden tinha a liberdade de instituir uma política amigável à classe trabalhadora nos moldes do New Deal, o que impediria a reeleição de uma figura de direita – uma “com muito mais habilidade e crueldade” do que Trump – em 2024.10
Dadas as contradições do governo Biden e a segunda vinda de Trump, com treze bilionários agora em seu gabinete, todo o longo debate sobre a classe dominante e o Estado precisa ser reexaminado.11
A classe dominante e o Estado
Na história da teoria política, desde a antiguidade até o presente, o Estado tem sido classicamente entendido em relação à classe. Na sociedade antiga e sob o feudalismo, diferentemente da sociedade capitalista moderna, não existia uma distinção clara entre a sociedade civil (ou a economia) e o Estado. Como Marx escreveu em sua Crítica da Doutrina do Estado de Hegel em 1843, “a abstração do Estado como tal não nasceu até o mundo moderno porque a abstração da vida privada não foi criada até os tempos modernos. A abstração do Estado político é um produto moderno”, realizado plenamente apenas sob o domínio da burguesia.12 Isso foi posteriormente reafirmado por Karl Polanyi em termos da natureza embutida da economia na antiga polis e seu caráter desembutido sob o capitalismo, manifestado na separação da esfera pública do Estado e da esfera privada do mercado.13 Na antiguidade grega, em que as condições sociais ainda não haviam gerado tais abstrações, não havia dúvida de que a classe dominante governava a polis e criava suas leis. Aristóteles em sua Política, como Ernest Barker escreveu em O Pensamento Político de Platão e Aristóteles, assumiu a posição de que o domínio de classe explicava a polis: “Diga-me a classe que é predominante, pode-se dizer, e eu lhe direi a Constituição”.14
Sob o regime do capital, em contraste, o Estado é concebido como separado da sociedade civil/economia. Assim, surge a questão de saber se a classe que governa a economia – ou seja, a classe capitalista – também governa o Estado.
As próprias visões de Marx sobre isso eram complexas, nunca se desviando da noção de que o Estado na sociedade capitalista era governado pela classe capitalista, embora reconhecesse condições históricas variadas que modificaram isso. Por um lado, ele argumentou (junto com Frederick Engels) em O Manifesto Comunista que “O executivo do Estado moderno é apenas um comitê para administrar os assuntos comuns de toda a burguesia”.15 Isso sugeria que o Estado, ou seu poder executivo, tinha uma autonomia relativa que ia além dos interesses capitalistas individuais, mas era, no entanto, responsável por administrar os interesses gerais da classe. Isso poderia, como Marx indicou em outro lugar, resultar em grandes reformas, como a aprovação da legislação da jornada de trabalho de dez horas em seu tempo, que, embora parecesse ser uma concessão à classe trabalhadora e oposta aos interesses capitalistas, era necessária para garantir o futuro da própria acumulação de capital, regulando a força de trabalho e garantindo a reprodução contínua da força de trabalho.16 Por outro lado, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx apontou para situações bastante diferentes em que a classe capitalista não governava o Estado diretamente, dando lugar a um governo semi-autônomo, desde que isso não interferisse em seus fins econômicos e em seu comando do Estado em última instância.17 Ele também reconheceu que o Estado pode ser dominado por uma fração do capital sobre outra. Em todos esses aspectos, Marx enfatizou a relativa autonomia do Estado em relação aos interesses capitalistas, que tem sido crucial para todas as teorias marxistas do Estado na sociedade capitalista.
Há muito se entende que a classe capitalista tem vários meios de funcionar como classe dominante por meio do Estado, mesmo no caso de uma ordem democrática liberal. Por um lado, isso assume a forma de investidura bastante direta no aparato político por meio de vários mecanismos, como o controle econômico e político das máquinas partidárias políticas e a ocupação direta, pelos capitalistas e seus representantes, de postos-chave na estrutura de comando político. Os interesses capitalistas nos Estados Unidos hoje têm o poder de afetar decisivamente as eleições. Além disso, o poder capitalista sobre o Estado se estende muito além das eleições. O controle do banco central e, portanto, da oferta monetária, das taxas de juros e da regulamentação do sistema financeiro, é essencialmente entregue aos próprios bancos. Por outro lado, a classe capitalista controla o Estado indiretamente por meio de seu vasto poder econômico de classe externo, incluindo pressões financeiras diretas, lobby, financiamento de grupos de pressão e think tanks, a porta giratória entre os principais atores do governo e das empresas e o controle do aparato cultural e de comunicação. Nenhum regime político em um sistema capitalista pode sobreviver a menos que sirva aos interesses do lucro e da acumulação de capital, uma realidade sempre presente que todos os atores políticos enfrentam.
A complexidade e a ambigüidade da abordagem marxista da classe dominante e do Estado foram transmitidas por Karl Kautsky em 1902, quando declarou que “a classe capitalista domina, mas não governa”; logo depois, acrescentando que “se contenta em dominar o governo”.18 Como observado, foi precisamente essa questão da relativa autonomia do Estado em relação à classe capitalista que governou o famoso debate entre o que veio a ser conhecido como as teorias instrumentalistas versus estruturalistas do Estado, representadas respectivamente por Miliband na Grã-Bretanha e Poulantzas na França. As opiniões de Miliband foram muito determinadas pelo desaparecimento do Partido Trabalhista britânico como um partido socialista genuíno no final dos anos 1950, conforme descrito em seu Socialismo Parlamentar.19 Isso o forçou a enfrentar o enorme poder da classe capitalista como classe dominante. Isso foi posteriormente retomado em seu O Estado na Sociedade Capitalista em 1969, no qual ele escreveu que “se é … apropriado falar de uma ‘classe dominante’ é um dos principais temas deste estudo. De fato, “a mais importante de todas as questões levantadas pela existência dessa classe dominante é se ela também constitui uma ‘classe governante'”. A classe capitalista, ele procurou demonstrar, embora “não seja, propriamente falando, uma ‘classe governante'” no mesmo sentido que a aristocracia havia sido, ela de fato governava a sociedade capitalista de forma bastante direta (assim como indireta). Ela traduziu seu poder econômico de várias maneiras em poder político, a tal ponto que, para a classe trabalhadora desafiar a classe dominante efetivamente, ela teria que se opor à estrutura do próprio Estado capitalista.20
Foi aqui que Poulantzas, que publicou seu Poder Político e Classes Sociais em 1968, entrou em conflito com Miliband. Poulantzas enfatizou ainda mais a relativa autonomia do Estado, vendo a abordagem de Miliband ao Estado como assumindo um governo muito direto da classe capitalista, mesmo que estivesse em conformidade com a maioria das obras de Marx sobre o assunto. Poulantzas enfatizou que o domínio capitalista do Estado era mais indireto e estrutural do que direto e instrumental, permitindo espaço para uma maior variação de governos em termos de classe, incluindo não apenas frações específicas da classe capitalista, mas também representantes da própria classe trabalhadora. “A participação direta dos membros da classe capitalista no aparato estatal e no governo, mesmo onde existe”, escreveu ele, “não é o lado importante da questão. A relação entre a classe burguesa e o Estado é uma relação objetiva … A participação direta de membros da classe dominante no aparato estatal não é a causa, mas o efeito. dessa coincidência objetiva”.21 Embora tal declaração possa ter parecido bastante razoável nos termos qualificados em que foi expressa, ela tendia a remover o papel da classe dominante como sujeito com consciência de classe. Escrevendo durante o auge do eurocomunismo no continente, o estruturalismo de Poulantzas, com sua ênfase no bonapartismo apontando para um alto grau de autonomia relativa do Estado, parecia abrir o caminho para uma concepção do Estado como uma entidade na qual a classe capitalista não governava, mesmo que o Estado estivesse sujeito a forças objetivas decorrentes do capitalismo.
Tal visão, rebateu Miliband, apontava para uma visão “superdeterminista” ou economicista do Estado característica do “desvio-ultra-esquerdista” ou de um “desvio à direita” na forma de social-democracia, que normalmente negava a existência de uma classe abertamente dominante.22 Em ambos os casos, a realidade da classe dominante capitalista e os vários processos pelos quais ela exerceu seu domínio, segundo o que a pesquisa empírica de Miliband e outros haviam demonstrado amplamente, pareciam estar em curto-circuito, não mais parte do desenvolvimento de uma estratégia de luta de classes a partir de baixo. Uma década depois, em sua obra de 1978 Estado, Poder, Socialismo, Poulantzas mudou sua ênfase para defender o socialismo parlamentar e a social-democracia (ou “socialismo democrático”), insistindo na necessidade de manter grande parte do aparato estatal existente em qualquer transição para o socialismo. Isso contradizia diretamente as ênfases de Marx em A Guerra Civil na França e V. I. Lenin em O Estado e a Revolução sobre a necessidade de substituir o Estado capitalista da classe dominante por uma nova estrutura de comando político que emanasse de baixo.23
Influenciado pelos artigos de Sweezy sobre “A Classe Dominante Americana” e “Elite do Poder ou Classe Dominante?” na Monthly Review e por The Power Elite de Mills, na primeira edição de seu livro, Quem governa a América? em 1967, Domhoff promoveu uma análise explícita baseada em classe, mas, no entanto, indicou que preferia a “classe governante” mais neutra à “classe dominante” com base no fato de que “a noção de classe dominante” sugeria uma “visão marxista da história”.24 No entanto, na época em que escreveu Os poderes constituídos: processos de dominação da classe dominante na América, Domhoff, em 1978, influenciado pela atmosfera radical da época, passou a argumentar que “uma classe dominante é uma classe social privilegiada que é capaz de manter sua posição de topo na estrutura social”. A elite do poder foi redefinida como o “braço de liderança” da classe dominante.25 No entanto, essa integração explícita da classe dominante na análise de Domhoff durou pouco. Nas edições subsequentes de Quem governa a América?, até a oitava edição em 2022, ele se curvou à praticidade liberal e abandonou completamente o conceito de classe dominante. Em vez disso, seguiu Mills ao agrupar proprietários (“a classe social alta”) e gerentes na categoria de “ricos corporativos”.26 A elite do poder era vista como CEOs, diretores e conselhos de administração, sobrepondo-se em um diagrama de Venn com a classe social alta (que também consistia em socialites e jet setters), a comunidade corporativa e a rede de planejamento de políticas. Isso constituiu uma perspectiva conhecida como pesquisa de estrutura de poder. As noções de classe capitalista e classe dominante não eram mais encontradas.
Um trabalho empírico e teórico mais significativo do que o oferecido por Domhoff, e em muitos aspectos mais pertinente hoje, foi escrito em 1962-1963 pelo economista soviético Stanislav Menshikov e traduzido para o inglês em 1969 sob o título Milionários e gerentes. Menshikov fez parte de um intercâmbio educacional de cientistas entre a União Soviética e os Estados Unidos em 1962. Ele visitou “o presidente do conselho, presidente e vice-presidentes de dezenas de corporações e de 13 dos 25 bancos comerciais” que tinham ativos de um bilhão de dólares ou mais. Ele se encontrou com Henry Ford II, Henry S. Morgan e David Rockefeller, entre outros.27 O tratamento empírico detalhado de Menshikov do controle financeiro das corporações nos Estados Unidos e do grupo ou classe dominante forneceu uma avaliação sólida do domínio contínuo dos capitalistas financeiros entre os muito ricos. Por meio de sua hegemonia sobre vários grupos financeiros, a oligarquia financeira se diferenciou dos meros gerentes de alto nível (diretores executivos) das burocracias financeiras corporativas. Embora houvesse o que poderia ser chamado de “bloco milionário-gerente” no sentido dos “ricos corporativos” de Mills e uma divisão do trabalho dentro da “própria classe dominante”, a “oligarquia financeira, isto é, o grupo de pessoas cujo poder econômico se baseia na disposição de massas colossais de capital fictício … [e] que é a base de todos os principais grupos financeiros”, e não os executivos corporativos como tal, tinham todo o controle. Além disso, o poder relativo da oligarquia financeira continuou a crescer, em vez de diminuir.28 Como na análise de Sweezy de “Grupos de Interesse na Economia Americana”, escrita para a Estrutura da Economia Americana do Comitê Nacional de Recursos durante o New Deal, a análise detalhada de Menshikov sobre os grupos corporativos na economia dos EUA capturou a base dinástica familiar contínua de grande parte da riqueza dos EUA.29
A oligarquia financeira dos EUA constituía uma classe dominante, mas que geralmente não governava diretamente ou livre de interferências. A “dominação econômica da oligarquia financeira”, escreveu Menshikov,
“não equivale à sua dominação política. Mas a última sem a primeira pode não ser suficientemente forte, enquanto a primeira sem a última mostra que a coalescência dos monopólios e da máquina estatal não foi suficientemente longe. Mas mesmo nos Estados Unidos, onde esses dois pré-requisitos estão disponíveis, onde a máquina do governo serviu aos monopólios por décadas e o domínio destes últimos na economia está fora de dúvida, o poder político da oligarquia financeira é constantemente ameaçado por restrições por parte de outras classes da sociedade e, às vezes, é realmente limitado. Mas a tendência geral é que o poder econômico da oligarquia financeira seja gradualmente transformado em poder político.”30
A oligarquia financeira, argumentou Menshikov, tinha como seus aliados menores em seu domínio político do Estado: gerentes corporativos; o alto escalão das forças armadas; políticos profissionais, que internalizaram as necessidades internas do sistema capitalista; e a elite branca que dominava o sistema de segregação racial no sul.31 Mas a própria oligarquia financeira era a força cada vez mais dominante. “A luta da oligarquia financeira pela administração direta do Estado é uma das tendências mais características do imperialismo americano nas últimas décadas”, resultante de seu crescente poder econômico e das necessidades que isso gerou. No entanto, este não foi um processo tranquilo. Os capitalistas financeiros nos Estados Unidos não agem “unidos” e estão divididos em facções concorrentes, enquanto são impedidos em suas tentativas de controlar o Estado pelas próprias complexidades do sistema político dos EUA, no qual diversos atores desempenham um papel.32 “Parece”, escreveu Menshikov,
“que agora o poder político da oligarquia financeira está totalmente garantido, mas não é o caso. A máquina de um Estado capitalista contemporâneo é grande e pesada. A captura de posições em uma parte não garante o controle sobre todo o mecanismo. A oligarquia financeira é dona da máquina de propaganda, é capaz de subornar políticos e funcionários do governo no centro e na periferia [do país], mas não pode subornar o povo que, apesar de todas as restrições da “democracia” burguesa, elege a legislatura. O povo não tem muita escolha, mas sem abolir formalmente os procedimentos democráticos, a oligarquia financeira não pode se garantir totalmente contra “acidentes” indesejáveis.”33
No entanto, o extraordinário trabalho de Menshikov, Milionários e Gerentes, publicado na União Soviética, não teve influência na discussão da classe dominante nos Estados Unidos. A tendência geral, refletida nas mudanças de Domhoff (e na Europa pelas mudanças de Poulantzas), minimizou toda a ideia de uma classe dominante e até mesmo uma classe capitalista, substituída pelos conceitos de riqueza corporativa e elite do poder, produzindo o que era essencialmente uma forma de teoria da elite.
A rejeição do conceito de classe dominante (ou mesmo de uma classe governante) no trabalho posterior de Domhoff coincidiu com a publicação de “The Ruling Class Does Not Rule”, de Block, que desempenhou um papel significativo no pensamento radical nos Estados Unidos. Escrevendo em uma época em que a eleição de Jimmy Carter como presidente parecia aos liberais e social-democratas apresentar a imagem de uma liderança distintamente mais moral e progressista em caráter, Block argumentou que não existia uma classe dominante com poder decisivo sobre a esfera política nos Estados Unidos e no capitalismo em geral. Ele atribuiu isso ao fato de que não apenas a classe capitalista, mas também “frações” separadas da classe capitalista (aqui se opondo a Poulantzas) careciam de consciência de classe e, portanto, eram incapazes de agir em seus próprios interesses na esfera política, muito menos governar o corpo político. Em vez disso, ele adotou uma abordagem “estruturalista” baseada na noção de racionalização de Max Weber, na qual o Estado racionalizou os papéis de três atores concorrentes: (1) capitalistas, (2) gerentes (gestores?) estatais e (3) a classe trabalhadora. A autonomia relativa do Estado na sociedade capitalista era uma função de seu papel como árbitro neutro, no qual várias forças interferiam, mas nenhuma governava.34
Atacando aqueles que argumentavam que a classe capitalista tinha um papel dominante dentro do Estado, Block escreveu: “a maneira de formular uma crítica do instrumentalismo que não entra em colapso é rejeitar a ideia de uma classe dominante com consciência de classe”, uma vez que uma classe capitalista com consciência de classe se esforçaria para governar. Embora ele tenha notado que Marx utilizou a noção de uma classe dominante com consciência de classe, isso foi descartado como apenas uma “abreviação política” para determinações estruturais.
Block deixou claro que quando radicais como ele optam por criticar a noção de uma classe dominante, eles “geralmente o fazem para justificar a política socialista reformista”. Nesse espírito, ele insistiu que a classe capitalista não governava intencionalmente, de maneira consciente, o Estado por meios internos ou externos. Em vez disso, a limitação estrutural da “confiança empresarial”, exemplificada pelos altos e baixos do mercado de ações, garantiu que o sistema político permanecesse em equilíbrio com a economia, exigindo que os atores políticos adotassem meios racionais para garantir a estabilidade econômica. A racionalização do capitalismo pelo Estado, na visão “estruturalista” de Block, abriu assim o caminho para uma política social-democrata do Estado.35
O que está claro é que, no final da década de 1970, os pensadores marxistas ocidentais abandonaram quase inteiramente a noção de uma classe dominante, concebendo o Estado não apenas como relativamente autônomo, mas de fato amplamente autônomo do poder de classe do capital. Isso fazia parte de um “recuo de classe” geral.36 Na Grã-Bretanha, Geoff Hodgson escreveu em seu The Democratic Economy: A New Look at Planning, Markets and Power em 1984, que “a própria ideia de uma ‘decisão’ de classe deve ser desafiada. No máximo, é uma metáfora fraca e enganosa. É possível falar de uma classe dominante em uma sociedade, mas apenas em virtude do domínio de um tipo particular de estrutura econômica. Dizer que uma classe ‘governa’ é dizer muito mais. É implicar que está de alguma forma implantada no aparato do governo. Era crucial, afirmou ele, abandonar a noção marxista que associava “diferentes modos de produção a diferentes ‘classes dominantes'”.37 Como os posteriores Poulantzas e Block, Hodgson adotou uma posição social-democrata que não via nenhuma contradição final entre a democracia parlamentar como ela havia surgido dentro do capitalismo e a transição para o socialismo.
[Continua…]
Notas
- ↩ “Full Transcript of President Biden’s Farewell Address, New York Times, January 15, 2025; Bernie Sanders, “The US Has a Ruling Class—And Americans Must Stand Up to It,” Guardian, September 2, 2022.
- ↩ James Burnham, The Managerial Revolution (London: Putnam and Co., 1941); John Kenneth Galbraith, American Capitalism: The Concept of Countervailing Power (Cambridge, Massachusetts: Riverside Press, 1952); C. Wright Mills, The Power Elite (Oxford: Oxford University Press, 1956), 147–70.
- ↩ Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (New York: Harper Brothers, 1942), 269–88; Robert Dahl, Who Governs?: Democracy and Power in an American City (New Haven: Yale, 1961); John Kenneth Galbraith, The New Industrial State (New York: New American Library, 1967, 1971).
- ↩ C. B. Macpherson, The Life and Times of Liberal Democracy (Oxford: Oxford University Press, 1977), 77–92.
- ↩ Mills, The Power Elite, 170, 277.
- ↩ Paul M. Sweezy, Modern Capitalism and Other Essays (New York: Monthly Review Press, 1972), 92–109; G. William Domhoff, Who Rules America? (Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1st edition, 1967), 7–8, 141–42.
- ↩ G. William Domhoff, “The Power Elite and Its Critics,” in C. Wright Mills and The Power Elite, eds. G. William Domhoff and Hoyt B. Ballard (Boston: Beacon Press, 1968), 276.
- ↩ Nicos Poulantzas, Political Power and Social Classes (London: Verso, 1975); Ralph Miliband, The State in Capitalist Society (London: Quartet Books, 1969).
- ↩ Fred Block, “The Ruling Class Does Not Rule: Notes on the Marxist Theory of the State,” Socialist Revolution, no. 33 (May–June 1977): 6–28. In 1978, the year after the publication of Block’s article, the title of Socialist Revolution was changed to Socialist Review, reflecting the journal’s explicit shift to a social-democratic political view.
- ↩ Fred Block, “The Ruling Class Does Not Rule,” 2020 reprint with epilogue, Jacobin, April 24, 2020.
- ↩ Peter Charalambous, Laura Romeo, and Soo Rin Kim, “Trump Has Tapped an Unprecedented 13 Billionaires for His Administration. Here’s Who They Are,” ABC News, December 17, 2024.
- ↩ Karl Marx, Early Writings (London: Penguin, 1974), 90.
- ↩ Karl Polanyi, “Aristotle Discovers the Economy,” in Trade and Market in the Early Empires: Economies in History and Theory, eds. Karl Polanyi, Conrad M. Arensberg, and Harry W. Pearson (Glencoe, Illinois: The Free Press, 1957), 64–96.
- ↩ Ernest Barker, The Political Thought of Plato and Aristotle (New York: Russell and Russell, 1959), 317; John Hoffman, “The Problem of the Ruling Class in Classical Marxist Theory,” Science and Society 50, no. 3 (Fall 1986): 342–63.
- ↩ Karl Marx and Friedrich Engels, The Communist Manifesto (New York: Monthly Review Press, 1964), 5.
- ↩ Karl Marx, Capital, vol. 1 (London: Penguin, 1976), 333–38, 393–98.
- ↩ Karl Marx, The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte (New York: International Publishers, 1963).
- ↩ Karl Kautsky quoted in Miliband, The State in Capitalist Society, 51.
- ↩ Ralph Miliband, Parliamentary Socialism: A Study in the Politics of Labor (New York: Monthly Review Press, 1961).
- ↩ Miliband, The State in Capitalist Society, 16, 29, 45, 51–52, 55.
- ↩ Nicos Poulantzas, “The Problem of the Capitalist State,” in Ideology in Social Science: Readings in Critical Social Theory, ed. Robin Blackburn (New York: Vintage, 1973), 245.
- ↩ Ralph Miliband, “Reply to Nicos Poulantzas,” in Ideology in Social Science, ed. Blackburn, 259–60.
- ↩ Nicos Poulantzas, State, Power, Socialism (London: New Left Books, 1978); Karl Marx and Frederick Engels, Writings on the Paris Commune (New York: Monthly Review Press, 1971); V. I. Lenin, Collected Works (Moscow: Progress Publishers, n.d.), vol. 25, 345–539. On Poulantzas’s shift to social democracy, see Ellen Meiksins Wood, The Retreat from Class (London: Verso, 1998), 43–46.
- ↩ Domhoff, Who Rules America? (1967 edition), 1–2, 3; Paul M. Sweezy, The Present as History (New York: Monthly Review Press, 1953), 120–38.
- ↩ G. William Domhoff, The Powers That Be: Processes of Ruling-Class Domination in America (New York: Vintage, 1978), 14.
- ↩ G. William Domhoff, Who Rules America? (London: Routledge, 8th edition, 2022), 85–87. In the 1967 edition of his book, Domhoff had critically remarked on Mills’s lumping of the very rich (the owners) and the managers together in the category of the corporate rich, thereby erasing crucial questions. Domhoff, Who Rules America? (1967 edition), 141. On the concept of liberal practicality see C. Wright Mills, The Sociological Imagination” (New York: Oxford, 1959), 85–86; John Bellamy Foster, “Liberal Practicality and the U.S. Left,” in Socialist Register 1990: The Retreat of the Intellectuals, eds. Ralph Miliband, Leo Panitch, and John Saville (London: Merlin Press, 1990), 265–89.
- ↩ Stanislav Menshikov, Millionaires and Managers (Moscow: Progress Publishers, 1969), 5–6.
- ↩ Menshikov, Millionaires and Managers, 7, 321.
- ↩ Sweezy, The Present as History, 158–88.
- ↩ Menshikov, Millionaires and Managers, 322.
- ↩ Menshikov, Millionaires and Managers, 324–25.
- ↩ Menshikov, Millionaires and Managers, 325, 327.
- ↩ Menshikov, Millionaires and Managers, 323–24.
- ↩ Block, “The Ruling Class Does Not Rule,” 6–8, 10, 15, 23; Max Weber, Economy and Society, vol. 2 (Berkeley: University of California Press, 1978), 1375–80.
- ↩ Block, “The Ruling Class Does Not Rule,” 9–10, 28.
- ↩ Wood, The Retreat from Class.
- ↩ Geoff Hodgson, The Democratic Economy: A New Look at Planning, Markets and Power (London: Penguin, 1984), 196.
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